Frei Luiz Cappio inicia nova greve de fome contra transposição
Luís Brasilino,
do Brasil de Fato
O frei Luiz Flávio Cappio, bispo da diocese de Barra (BA), inicia nesta terça-feira (27) nova greve de fome contra o projeto de transposição do rio São Francisco. O ato acontece na Vila São Francisco, localizada no município de Sobradinho (BA), às margens do Velho Chico.
O anúncio será feito pelos membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), dom Tomas Balduíno e Roberto Malvezzi, em coletiva de imprensa marcada para as 11 horas em Brasília (DF). O frei Luiz apresentará também uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo o arquivamento imediato do projeto e explicando as motivações do jejum.
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Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Malvezzi, o Gogó, antecipa como será a mobilização. De acordo com ele, a justificativa não é muito diferente daquela utilizada na primeira greve de fome, realizada entre o final de setembro e o início de outubro de 2005.
Frei Luiz mantém a convicção de que a transposição não atenderá à população pobre do Semi-Árido, mas sim às empreiteiras responsáveis pela obra, a grandes proprietários de terra, produtores de camarão do litoral e a empresários ligados a setores exportadores. Ele entende que a melhor alternativa para a população em geral são as 530 obras sugeridas pela Agência Nacional de Águas (ANA) em seu Atlas do Nordeste e que seriam suficientes para abastecer os 1,3 mil municípios da região com mais de 5 mil habitantes a um custo muito inferior ao da transposição, R$ 3,6 bilhões contra R$ 6,6 bilhões. Para o meio rural, frei Luiz aposta nas alternativas de convivência com o clima desenvolvidas no âmbito da Articulação do Semi-Árido (ASA).
Tempo para ganhar tempo
O bispo esperava convencer o presidente Lula das alternativas à transposição quando aceitou encerrar a primeira de fome. Na ocasião, o governo prometeu abrir um diálogo sobre o projeto. Em dezembro de 2005, frei Luiz reuniu-se em Brasília com Lula e acertou a realização de uma rodada de debates. Em 2006, porém, a transposição foi saindo da agenda conforme as eleições se aproximavam.
“Aos poucos, (frei Luiz) percebeu que o governo apenas tinha dado tempo para poder ganhar tempo”, analisa Gogó. Ele evitou um tema polêmico para não arriscar perder votos. Tanto que no dia 18 de dezembro de 2006, o ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu as liminares que questionavam a licença ambiental prévia da obra.
Mesmo assim, o governo só voltou a se posicionar abertamente com relação à transposição quando incluiu a obra dentro da lista de projetos do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), anunciado no dia 22 de janeiro deste ano.
A partir de então, movimentos sociais de todo o Semi-Árido promoveram mobilizações contra o início das obras. De seu lado, o governo colocou, em junho, o Exército para fazer a primeira etapa da transposição, acelerando o projeto uma vez que, assim, eliminava a necessidade de abrir licitações. No dia 26 daquele mês, cerca de 1,2 mil manifestantes ocuparam o canteiro de obras do eixo Norte em Cabrobó (PE). O acampamento durou até o dia 4 de julho, quando agentes das polícias federal e militar foram fazer o despejo. Apesar de criticarem a truculência da operação, os manifestantes saíram pacificamente.
Desde então, o gesto tomado nesta terça-feira por frei Luiz é a grande manifestação dos opositores da transposição. Confira, abaixo, a entrevista com Gogó, publicada na página do Brasil de Fato.
Por que o frei Luiz vai fazer uma nova greve de fome?
Gogó – Não tem muita novidade nas motivações. Ele fez a greve de fome e parou em função de um compromisso do governo de dialogar alternativas mais adequadas para o Semi-Árido. Aos poucos, percebeu que o governo apenas tinha dado tempo para poder ganhar tempo, mas não tinha interesse num diálogo mais profundo. Ele protocolou (no dia 21 de fevereiro) uma carta ao Lula e não teve resposta. E de lá para cá apareceram algumas alternativas, sobretudo o Atlas do Nordeste da Agência Nacional de Águas que propõe 530 obras para mais de mil municípios, abastecendo mais 34 milhões de pessoas. Ele achava que, com a proposta do Atlas (orçada em R$ 3,6 bilhões, contra R$ 6,6 bilhões da transposição), o governo aceitaria um diálogo maior. Mas, diante da resistência do governo a qualquer alteração – mesmo diante de propostas mais viáveis e baratas –,diante da ação do Exército que, embora do ponto de vista da engenharia da obra seja insignificante, está fazendo alguma coisa, diante da situação grave do São Francisco neste momento, com quase 600 quilômetros de esgoto e a baixa do lago de Sobradinho, diante do sofrimento das comunidades tradicionais e da longa estiagem que pegou os nove estados do Nordeste, mais o Norte de Minas Gerais, ele resolveu retomar a greve de fome. Não sei exatamente o conteúdo da carta (que será apresentada durante a coletiva de imprensa), mas, por cima, ele nos informou que (a justificativa) vai nessa direção.
Por que ele não tomou essa atitude antes?
Ele é uma pessoa muito reflexiva, que acredita até o último momento na possibilidade de diálogo. Ele só vai numa atitude dessa quando percebe que não tem mais outra linguagem, que os outros caminhos se esgotaram. E certamente ele sabe que – embora ele esteja aberto para discutir – o governo não vai querer conversa. Minha impressão é que ele está querendo sinalizar para um horizonte mais amplo, mais a frente, no sentido de questionar, além até da própria transposição, o modelo de desenvolvimento do país.
Onde vai ser a greve?
Está acertado para ser no município de Sobradinho (BA), que fica às margens do São Francisco, próximo à parede da barragem de Sobradinho. Lá tem uma vila, a Vila São Francisco e tem uma capela, a Capela São Francisco.
E quais movimentos sociais estão com ele?
Vão estar junto no grupo que o acompanha o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores) e pessoas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) local, além da Pastoral da Terra e pessoas das comunidades tradicionais. Desta vez, ele já vem de uma forma articulada com os movimentos sociais.
Fazendo uma avaliação das outras mobilizações que já tiveram neste ano contra a transposição (acampamento em Brasília e ocupação do canteiro de obras, além das cartas e solicitações de debate), por que a saída encontrada foi novamente a greve de fome? As outras vias…
As outras vias se mostraram esgotadas. Inclusive a ocupação. O governo não cede. Não é que frei Luiz pense que o governo vá ceder. Acho que ele não aposta nessa possibilidade. Ele está querendo colocar uma sinalização mais profunda para que a sociedade brasileira possa pensar os caminhos que o Brasil está tomando em termos de sua relação com os bens naturais, particularmente com a questão do São Francisco.
O que você pode dizer sobre as obras que já estão sendo feitas, a transposição começou mesmo?
O Exército foi escolhido para fazer essas obras porque não precisa de licitação. Mas o Exército também não tem competência técnica para ir muito longe. Então, eles precisam realmente da licitação das empresas. O Exército cumpriu um papel mais estratégico e político de sinalizar que estava começando. Mas as obras não têm grande importância técnica. São trechos muito breves, curtos, próximos às tomadas de água do rio. Na verdade, o investimento pesado virá com as empresas, com os oito lotes partilhados entre as empreiteiras para o início das obras em vários pontos.
Esse trabalho de agora, então, é mais simbólico?
Ele é real, mas não tem grande impacto em termos de engenharia. As empreiteiras é que vão fazer as partes difíceis e mais exigentes em termos de engenharia e de custo.
Toda essa disputa em torno da transposição, principalmente após a entrada do frei Luiz, acabou ficando centrada na figura do presidente Lula. Qual a sua avaliação do comportamento do governo durante todos esses quase cinco anos?
É uma coisa um tanto difícil para nós. O Lula sempre relutou como pessoa diante dessa obra, enquanto candidato. E a surpresa foi ele, logo ao assumir o governo, colocá-la como uma prioridade. Sabemos que passou pela uma aliança com o Ciro Gomes, mas a nossa avaliação é que é uma obra de interesse do capital globalizado. De grandes empreiteiras brasileiras aliadas com o capital internacional, que quer as frutas da exportação, tem vinculação com empresas do aço no Porto de Pecém (vizinho a Fortaleza – CE), na criação de camarão em cativeiro no litoral, no abastecimento da indústria de turismo, com muita água no litoral, particularmente em Fortaleza, e residualmente tem alguma coisa em termos de abastecimento humano, mas que é muito pouco. 70% das águas são destinadas à fruticultura irrigada, 26% destinada ao abastecimento urbano e só 4% destinado à população difusa do campo (esses dados constam do relatório de impacto ambiental da transposição, produzido pelo Ministério da Integração).
Qual sua expectativa para a greve e para as mobilizações deste último mês do ano?
Imagino que o frei Luiz, como é uma pessoa muito reflexiva e racional, tenha pensado muito. Ele não é de tomar atitudes precipitadas. Eu acho que o governo não deve recuar, entendo que ele sabe disso, por isso vejo que o quadro vai ser extremamente complexo. E as previsões, não sei, não vejo como boas não.
Foto da Capa: Acampamento contra a transposição do Rio São Francisco, realizado no primeiro semestre no Nordeste. Fotógrafo: João Zinclair