Os desafios da luta antimanicomial
Juliano Domingues,
da Radioagência NP
O Movimento de Luta Nacional Antimanicomial completou 20 anos em 2007. Apesar dos avanços conseguidos pelos militantes da causa, como a aprovação da Lei de Reforma Psiquiátrica em 2001 – que prioriza os Centros de Tratamentos Substitutivos no lugar do manicômicos, a política e os métodos utilizados no tratamento da saúde mental dos brasileiros ainda têm muito o que evoluir.
Austregésilo Carrano Bueno é autor do livro “O Canto dos Malditos” e o personagem interpretado pelo autor Rodrigo Santoro no filme “Bicho de Sete Cabeças” – cujo roteiro foi inspirado na própria obra de Austregésilo.
Carrano ficou três anos e meio internado e nesse período passou por quatro instituições psiquiátricas. Os traumas pelos quais Carrano foram contados no livro como uma forma de terapia para o autor.
Em entrevista à Radioagência NP, Austregésilo Carrano fala sobre os absurdos ainda recorrentes dentro das instituições psiquiátricas e sobre o forte lobby que o setor exerce sobre a área da saúde mental brasileira.
Radioagência NP: Como se deu o seu envolvimento com a literatura?
Austregésilo Carrano Bueno: Eu comecei a escrever o livro “O Canto dos Malditos” em 1986. Foram quatro anos para eu conseguir editar esse livro porque ali eu citava nome de médicos e hospitais, e mostrava todo o terror que era o tratamento dado. Todo mundo era sedado em massa, através dos verdadeiros coquetéis químicos, que nós pacientes somos obrigados a tomar. E isso acontece até hoje. O número de pessoas que são recuperadas dentro dessas instituições psiquiátricas é zero por cento. Tanto que a pessoa sai lá de dentro com mais traumas e mais seqüelas, do que quando entrou. Tudo isso aconteceu comigo, eu tinha que desabafar isso de alguma maneira e a literatura foi a linha que eu escolhi.
RNP: Você mostra no livro que as pessoas que são internadas nesses locais não possuem necessariamente um distúrbio que justifique sua internação. Fale sobre isso.
ACB: Sim. Internam pessoas até para comer lá dentro. Se um garoto está aí fora roubando toca fita, pegam e internam lá dentro. Então virou um depósito de problemas. Você vê mulheres em crise pós-parto enfim, uma mistura de pessoas que de repente, apenas um papo ou uma visita a um psicólogo resolveria a situação. Não é isso que se vê. Fazem aquele Bicho de Sete Cabeças e internam nessas instituições. O Ministério da Saúde tem uma equipe que fez uma avaliação no Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, e no Tonheiras que é outro hospício também, e se chegou à conclusão que 94% das pessoas que estão internadas nessas instituições poderiam ser tratadas aqui fora.
RNP: Como se pode lutar contra esse total descompasso entre a teoria do que se imagina como ideal para esses hospitais e a prática terapêutica que realmente acontece lá dentro?
ACB: Através do Movimento Nacional da Luta Anti-Manicomial, esse descaso tem sido esse descaso tem sido menor. Mas a gente enfrenta o Lobby da psiquiatria que é muito forte. Eles são donos dos hospitais psiquiátricos. A psiquiatria já foi primeira despesa do SUS [Sistema Único de Saúde]. Hoje é a terceira maior despesa do SUS, consumindo mais de R$ 700 milhões por ano. É um bolo grande. Então há muitos interesses que envolvem a psiquiatria no país. Então a gente luta contra essa máfia, contra esses empresários da loucura que são os donos e filiados a essas instituições psiquiátricas.
RNP: Pode-se falar em desvios de verbas por parte desses empresários?
ACB: Olha, tudo o que é fechado, tudo que é feito entre quatro paredes, você não sabe o que realmente acontece lá dentro. Então hoje, agora, sê você quiser ir visitar uma pessoa dentro de um hospital psiquiátrico, você não consegue. Você tem que ir nos dias de visita, programados pela direção da instituição. No restante do tempo, você não sabe o que acontece lá dentro. Então o desvio de verbas para alimentação e para uma série de coisas dentro do hospital é visível a olho nu. Basta você ver essas pessoas lá urinadas, defecadas ou com trapos pendurados. Então a psiquiatria, se ela proíbe é porque ela tem algo a esconder, que é esse caos todo.
RNP: Fale sobre os avanços da luta antimanicomial?
ACB: Depois de 13 anos de luta no congresso, nós conseguimos fazer do Projeto de Lei, a Lei de Reforma Psiquiátrica que prioriza a construção de uma rede de trabalhos substitutivos que são os CAPS´s os Centros de Convivência, os Lares Abrigados, mas é pouco ainda porque 90% da verba destinada para a saúde mental ainda vai para os donos de hospitais psiquiátricos.
03/01/08