Transposição já realizada na Bahia é voltada para o agronegócio

Paulo Andrade,
da Bahia

“Somos contra a transposição do Rio São Francisco porque o projeto, do jeito que está montado, é de interesse somente do agronegócio. A água é vida, e deve servir para alimentar mais vidas produzindo alimentos de qualidade para o povo”, afirma Lúcia Barbosa, da Direção Nacional do MST.

De fato, segundo dados do próprio governo federal, 70% das águas transpostas serão para irrigação (do agronegócio), 26% para uso urbano-industrial (onde já existe água) e apenas 4% para a população das caatingas. “Essa obra é a que mais iria gastar cimento em todo o mundo nos próximos três anos. Os verdadeiros interessados na transposição são as empreiteiras e as fábricas de cimento”, denuncia João Pedro Stedile, também da Direção Nacional do Movimento.

Segundo Fábio do Coletivo Estadual de Formação do MST-BA, “existe uma transposição que já foi feita no São Francisco, na calada do Governo FHC, que funciona, mas não para beneficiar a agricultura familiar”.

O Projeto Salitre é um dos primeiros projetos de irrigação a ser incluído nas Parcerias Público-Privadas (PPPs) do governo federal. Várias empresas, ligadas principalmente à fruticultura de exportação, estão envolvidas no projeto. Além do Salitre, outros dois projetos de irrigação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) também serão incluídos nas PPPs: o do Pontal, em Petrolina (PE) e o do Baixio Irecê, localizado em Xique-Xique (BA).

Previsto para ser concluído em 12 anos e irrigar 35 mil hectares de terra no sertão baiano, o Projeto Salitre está com a primeira etapa pronta, o que corresponde a 2 mil hectares irrigados. “O governo trouxe irrigação e toda as facilidades somente para a instalação do agronegócio. O MST está resgatando a função social desta terra”, afirma Jailson Sena (Cobra), da Direção Estadual do MST.

Desde 2005 o MST vem negociando o assentamento de famílias na área do projeto. Em abril de 2006, a Direção do Movimento teve uma reunião com o então ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes. Após ter feito uma série de declarações públicas afirmando que os Sem Terra deveriam ser expulsos do local e excluídos definitivamente de futuros assentamentos e parcerias, o ministro firmou um acordo que previa o repasse de parte da área para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), afim de que fossem assentadas cerca de 1.000 famílias.

No dia 1º de abril de 2007 o MST ocupou o Projeto Salitre com cerca de 900 famílias (hoje são aproximadamente 750). A ocupação das sedes da Codevasf em Juazeiro e Barreiras, com apoio de entidades que fazem campanha pela revitalização e contra a transposição do rio São Francisco, ajudou a pautar uma reunião com o ministro Geddel Vieira Lima, que deu socos na mesa e se mostrou irredutível em sua intenção de despejar os Sem Terra a qualquer custo.

De acordo com Márcio Matos, da Direção Nacional do Movimento, “o ministro não quis conversar, assegurou que não vai cumprir nenhum acordo irresponsável e disse que não vai assentar as famílias porque quem produz e dá sustentabilidade à região não são os pequenos produtores”. Para Fábio, do setor de formação do MST na Bahia, “Geddel é a pessoa que representa a burguesia, a bancada ruralista no Governo Lula. O MST no Projeto Salitre representa a resistência da classe trabalhadora contra o agronegócio e o latifúndio”.

Com largos canais condutores de água, que se dividem em subcanais, o Projeto Salitre se aproveita de uma solução técnica viável para irrigação no semi-árido, mas concentra tal solução nas mãos dos grandes empresários, excluindo a agricultura familiar e mostrando nas mãos de quem costuma se concentrar a água do sertão. Instalados há nove meses na terra, os acampados produzem melão, tomate, cebola, hortaliças e ervas medicinais. Os boatos de desocupação são constantes, mas não desanimam os Sem Terra, que reafirmam sua firmeza e persistência, como ressalta Jailson Sena: “Continuaremos aqui até as famílias sejam assentadas, e resistiremos até quando for preciso”.