Na França, sociedade em luta contra transgênicos

De Douglas Estevam
De Paris

Confédération Paysanne, Greenpeace e dezenas de outras organizações sociais realizaram manifestações no senado francês na última semana. O motivo era a liberação da semente de milho transgênico MON 810, da transnacional estadunidense Monsanto. Nos dias 5, 7 e 8 de fevereiro o senado aprovou, por 186 votos a favor contra 128, o projeto de lei que permitiria a produção e comercialização em território francês de OGM com uma série de alteraçôes no projeto inicial.

O tema, que está em discussão na União Européia desde 2001, ganhou novos contornos em 2003, quando EUA, Canadá e Argentina apresentaram queixas na OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a proibição da comercialização de produtos OGM e seus derivados em alguns estados membros da União Européia, como a França. A OMC não diferencia produtos geneticamente modificados de outros produtos agrícolas, o que não justificaria a interdição nos mercados europeus destes produtos.

Em função desta interdição, a França está sujeita ao pagamento de uma sanção de 42 milhões de euros. Em 2005, havia 500 hectares de cultivo de milho transgênico na França, cifra que subiu para 5 mil em 2006 e 22 mil em 2007. As previsões eram que, se liberado o cultivo, a França ampliaria sua produção em 2008 para 100 mil ha de milho transgênico, chegando a 200 mil ha em 2009.

Atualmente, a maior produtora de transgênicos da União Européia é a Espanha, com 70 mil hectares cultivados. Esta possibilidade de ampliação de mercados é um ponto vital para os grandes produtores franceses e exportadores da Argentina e EUA. O Partido Socialista acusou o governo “de ceder às pressões das grandes multinacionais de biotecnologia”.

Proteção ao meio ambiente

A moratória sobre os OGM por alguns estados leva em conta as manifestações da opinião pública, de organizações sociais e cientistas que exigem um quadro mais preciso sobre os impactos ambientais e ecológicos da produção com transgênicos, além de ampla divulgação de informações e etiquetagem dos produtos. Entre agosto e dezembro de 2007, a sociedade francesa esteve envolvida no Grenelle Environnement (Grenelle do meio ambiente), processo de construção de propostas de políticas ambientais em debate com a sociedade, organizações sociais e trabalhistas, o Grenelle foi realizado em 6 grupos de trabalho abordando temas como mudanças climáticas, biodiversidade e recursos naturais, meio ambiente e desenvolvimento ecologicamente sustentável, além de dois ateliês intergrupos, um sobre OGM e outro sobre resíduos.

Participaram do intergrupo sobre OGM representantes da Confédération Paysanne (ligada à Via Campesina), da Coordenação Rural Nacional, das ONGs Greenpeace e Amis de la Terre, da Federaçao Nacional de Agricultura Biológica – FNAB, além de cientistas e representantes do estado.

Uma das deliberações deste inter-grupo foi a criação de uma Alta Autoridade Sobre OGM, composta por representantes da sociedade civil e cientistas. Sob a presidência do senador Jean François Legrand, a Alta Autoridade foi a resposável pela elaboração do projeto de lei sobre organismos geneticamente modificados que serviu de base para o projeto apresentado ao senado pelo Ministro da Ecologia, Jean-Louis Borloo.

Liberdade para o mercado

“O espírito de Grenelle foi enterrado”, foram as palavras de Cécile Duflot, secretária nacional do Partido Verde, sobre as mudanças no projeto. O senador Jean Bizet, do UMP (União por um Movimento Popular, partido do presidente Nicolas Sarkozy), relator do projeto no senado, apresentou as propostas de emendas acatadas pelos senadores.

A primeira delas concerne à composição e função da Alta Altoridade, substituída por um Alto Conselho de Biotecnólogos. Este, conforme as alterações de Bizet, seria presidido por um “cientista encolhido em função de suas competências”, restando ao comitê da sociedade civil apenas “recomendações” que “não teriam a mesma legitimidade”, segundo Bizet. O art. 1 passa a garantir o direito de consumir e produzir com ou sem OGM.

A produção, estocagem e transporte também são permitidos, dentro de condições técnicas pré-estabelecidas. José Bové, da Confédération Paysanne, afirma que esta “lei de coexistência pode ser chamada de uma lei de contaminação generalisada”.

O art. 6, que aborda os procedimentos de informação sobre natureza e localização de produtos transgênicos será mantido, mas com a inclusão de um “delito de destruição de campos”, com pena de 2 anos de prisão e multa de 75 mil euros. Ações realizadas contra áreas de pesquisa terá punição ampliada para 3 anos de prisão e multa de 150 mil euros, medida que visa combater ações deste gênero realizadas por militantes franceses. “Um presente aos lobbistas” segundo a secretária nacional dos verdes.

No sábado (9/2), foi publicado no Jornal Oficial uma interdição à produção e comercialização da semente de milho MON 810, expedida pelo ministro da Agricultura Michel Barnier. Esta decisão “permitirá discutir de maneira serena os projetos futuros” afirmou representantes da Aliança pelo Planeta, associação de 80 ONGs. O projeto de lei será agora examinado pelos deputados entre os dias 3 e 4 de abril.

Os ecologistas pretendem manter a pressão, “é preciso que os deputados compreendam que os cidadãos não querem os OGM, e que o futuro de nossa agricultura deve passar por uma produção de qualidade. Aceitar os OGM com poucas restrições e precauções, como feito agora, vai realmente matar o futuro da agricultura francesa”, afirma Arnaud Apoteker, do Greenpeace, que realizou uma pesquisa na qual 72% dos franceses se disseram contra os produtos transgênicos.