Trabalhadores rurais sofrem com a violência na Bahia
Trabalhadores rurais do município de Casa Nova, no sertão da Bahia, denunciam em carta pública a violência particada por latifundiários da região pela disputa de 40 mil hectares de terra. A área, que há décadas é palco de conflitos, foi grilada pelos fazendeiros.
Há 30 anos, 56 famílias de trabalhadores já habitavam, plantavam e colhiam no local. Hoje, com 300 famílias, a área está nas mãos da Agroindustrial Camaragibe S.A., que instalou uma usina para a produção de álcool derivado da mandioca.
A seguir, leia a carta na íntegra.
Violência e atentado aos direitos humanos no sertão baiano
Aos(às) Exmo(as). Sr(as). Representantes do Estado Brasileiro,
À sociedade brasileira,
À comunidade internacional,
As comunidades de Riacho Grande, Salina da Brinca, Melancia e Jurema, Município de Casa Nova, Bahia, vêm sendo palco de uma seqüência de atentados violentos aos direitos humanos desde março deste ano, por conta da disputa por 40 mil hectares de terra.
Homens, mulheres e crianças foram agredidos de modo violento, física e moralmente, com espacamentos, queimaduras, intimidações, ofensas verbais, ameaças de morte com arma de fogo.
Atos que se equiparam a prática de tortura, situação que culminou em fatos extremos, a exemplo da ocorrência de um aborto, em razão da exposição de 300 famílias daquelas comunidades ao terror e à violência psíquica e física, com ação e omissão do Estado.
Este caso dramático do despejo de comunidades tradicionais na Bahia é exemplar para o acirramento dos conflitos agrários desencadeado pela grilagem de terras públicas.
Antigos conflitos de terra no sertão, adormecidos há décadas, estão vindo à tona, como é o caso das comunidades de fundo de pasto no município de Casa Nova, onde empresários divulgam a intenção de implantar usinas de agrocombustíveis nessas áreas. As comunidades tradicionais estão muito vulneráveis à perda de seus territórios em função da inexistência de uma de uma efetiva e ampla política de discriminação de terras devolutas, regularização fundiária e reforma agrária.
No caso específico de Casa Nova a execução de uma sentença em uma ação judicial que reacendeu um conflito agrário iniciado há cerca de 30 anos. O conflito agrário ocorrido no passado envolveu a comunidade de Riacho Grande, que reunia, à época, 56 famílias, e a empresa Agroindustrial Camaragibe S.A. A comunidade, desde a ocupação por seus fundadores em meados do século XIX, aproveita suas terras em regime de fundo de pasto, caracterizado pelo uso comum da terra e outros recursos naturais.
Nos anos oitenta do século XX, as oligarquias de Casa Nova, detentoras dos cartórios de registro de imóveis do município, valendo-se da condição de registradoras imobiliárias, efetuaram a “grilagem” de extensas áreas de terra ocupadas centenariamente pelas famílias para a criação de caprinos e ovinos, cultivo de produtos agrícolas, extração de mel e recursos vegetais.
Tais áreas de terra foram vendidas à Agroindustrial Camaragibe S.A., que lá instalou uma usina para a produção de álcool derivado da mandioca. Três anos mais tarde, a empresa encerrou as atividades. A empresa deixou uma dívida milionária junto ao Banco do Brasil, passivos ambientais e sócio-culturais incalculáveis, além de marcante história de truculência na região. Com a falência da Camaragibe, os posseiros das comunidades atingidas pela “Usina” voltaram a usar as suas terras tradicionais para o pastoreio comunitário.
O Banco do Brasil, através de negociação nebulosa e eivada por fortes indícios de fraudes e ilegalidades, cedeu sua condição de credora a novos especuladores imobiliários, que passaram à condição de supostos proprietários das terras ocupadas pelas comunidades. Os especuladores ingressaram com ação judicial na qual foi proferida a desastrosa sentença que resultou nas violações de direitos humanos apontados anteriormente.
Eis um breve resumo do panorama sombrio e caótico que se abateu sobre as trezentas famílias de Riacho Grande, Salina da Brinca, Jurema e Melancia.
A violação aos direitos humanos não se resume apenas às ofensas a integridade física das pessoas, mas também à inoperância e à omissão do Estado brasileiro em garantir o exercício pleno dos direitos por parte dos integrantes das comunidades tradicionais, no que diz respeito à garantia de permanência na terra e realização de investimentos ameaçados pela expansão do agronegócio, fortemente projetado sobre terras públicas ainda não tituladas em nome destas comunidades, mas já tradicionalmente utilizadas.
Registramos nosso protesto contra a destinação fraudulenta de recursos públicos, mormente no que diz respeito à transação entre o Banco do Brasil e os especuladores imobiliários, contra a tortura praticada contra os trabalhadores rurais e seus filhos, contra a inércia do Estado em efetuar as medidas imprescindíveis ao exercício de direitos previstos na Constituição Federal e na Constituição da Bahia em relação às comunidades de fundo de pasto.
Exigimos dos responsáveis a reparação de todos os danos causados, de forma a minorar os abusos sofridos, quiçá irreparáveis. Exigimos do Estado brasileiro uma atuação producente, a fim de abandonar sua postura retrógrada e antidemocrática, contribuindo para o apartheid vigente em nossa realidade social, ao tratar das questões da classe trabalhadora.