Assassinato de Dorothy: Sociedade repudia decisão da Justiça
As manifestações de repúdio à decisão judicial vieram de vários cantos. O ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, declarou que absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, mandante do assassinato da missionária de 73 anos Dorothy Stang, é a “celebração da impunidade” vigente no país.
Também para Celso de Mello, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), decisão pode dar impressão de que júri não cumpriu seu dever.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cezar Britto, afirmou que o aceno dado pelo Judiciário é “muito ruim”. “Um júri condena na pena máxima e outro absolve completamente. Essa diferença pode e deve ser corrigida pelo tribunal na segunda instância.”
“Esse tipo de solução afronta a dignidade humana, estimula a impunidade e aumenta a descrença em valores como paz, justiça e esperança”, disse Rolf Hackbart, presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
A governadora do Pará, Ana Julia Carepa, religiosos e representantes de ONGs também criticaram a decisão do júri.
Para a CPT, a decisão é uma “licença para matar”. Ontem (07/05) o MPF do Pará divulgou nota em que relatam o envolvimento de Bida em outros processos de crimes ambientais e trabalhistas. Nesta quinta-feira (08/05), a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra) também manifestaram indignação frente ao resultado do julgamento.
A seguir, leia na íntegra as notas:
Da perplexidade à indignação!
A Coordenação Nacional da CPT que vem acompanhando muito de perto todo o processo em torno ao assassinato de Irmã Dorothy Stang, sobretudo na pessoa de um de seus membros, José Batista Gonçalves Afonso, advogado assistente, vem a público se juntar à perplexidade nacional e internacional diante da absolvição do acusado de ser um dos mandantes do assassinato, Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida.
Bida, em 15 de maio de 2007, foi condenado a 30 anos de prisão. Menos de um ano depois, outro júri o inocenta. A perplexidade de agora é fruto de não se entender o que se passou neste espaço entre os dois julgamentos.
O que mais chama a atenção é a mudança dos depoimentos tanto de Rayfran das Neves Sales, executor do assassinato, quanto de Amayr Feijoli da Cunha, o Tato, intermediário entre Bida e Rayfran. Rayfran assume agora toda a responsabilidade pelo assassinato como uma ação individual, contradizendo os depoimentos anteriores. Tato, como testemunha, nega ter sido procurado por Bida para intermediar o crime. E é apresentada uma gravação em vídeo em que Tato inocenta Bida de participação, vídeo este que dizem ter sido gravado em 2006, mas que não foi utilizado pela defesa no primeiro julgamento de Bida. Durante o processo, sucedeu-se de uma forma incomum a criação de novas versões dos fatos em diferentes momentos.
Um fato que levanta muitas suspeitas é que a esposa de Tato, Elizabeth Coutinho, afirmou em juízo que recebeu cerca de R$ 100 mil de Bida, por supostas dívidas. E nos autos do processo consta ainda a gravação de uma conversa entre os pistoleiros presos Rayfran e Clodoaldo em que comentam a oferta de R$ 20.000,00 para mudarem seus depoimentos, retirando a responsabilidade dos fazendeiros.
Com esta decisão a impunidade ganha mais uma batalha e se fortalece. É aí que a perplexidade se torna indignação. A CPT tem contabilizado de 1971 a 2007, 819 assassinatos no campo no Pará, sendo que somente 22 destes casos foram julgados, com a condenação de sete mandantes e treze executores. O único mandante que estava preso era Bida que agora, inocentado, está livre.
A imprensa está registrando com destaque as reações a este novo julgamento, reações inclusive do Presidente da República e de membros do STF, preocupados com a imagem do judiciário brasileiro, sobretudo no âmbito internacional.
Mas é bom lembrar que diante da impunidade recorrente, a justiça do Pará sempre foi olhada com muitas reservas. Por isso, no caso do julgamento do assassinato de Dorothy pediu-se ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a federalização do julgamento, como prevê a própria Constituição. O STJ, em 08 de junho de 2005, indeferiu por unanimidade o pedido alegando que “as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos … com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção do Estado do Pará em dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal”. Se num primeiro momento esta assertiva pareceu certa (pois em menos de 10 meses houve dois condenados), agora perde o sentido nesta etapa do processo. Sobram as lamentações.
A promotoria e a CPT como assistente de acusação impetraram junto ao Tribunal de Justiça do Estado a anulação deste julgamento visto que a sentença se contrapõe às provas inscritas nos autos.
A indignação que substituiu o primeiro momento de perplexidade cresce quando se vê que o cumprimento da função social da propriedade, determinada pela Constituição, praticamente nunca é levada em consideração pelos membros do nosso Judiciário; quando os imemoriais e mais que legítimos direitos das populações indígenas são questionados, como aconteceu com a suspensão da retirada dos invasores não-indígenas da área indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, pelo Supremo Tribunal Federal, provocando ações violentas contra os indígenas; quando, 22 anos depois da morte do Pe. Josimo Morais Tavares, assassinado em Imperatriz (MA), em 1986, o ex-juiz João Batista de Castro Neto, acusado de ser um dos mandantes deste assassinato, pela quinta vez consegue se esquivar de comparecer a interrogatório que seria realizado no dia de ontem, 08/05.
Mesmo assim continuamos acreditando que um dia a Justiça vencerá.
Goiânia, 9 de maio de 2008.
A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra
Nota da CNBB sobre o caso da Irmã Dorothy: Clamor por Justiça
A CNBB manifesta indignação ética pelo resultado do Tribunal do Júri, em Belém, absolvendo, pela maioria dos votos dos jurados, o acusado de mandante do assassinato da Irmã Dorothy Stang.
O fato aumenta a preocupação da CNBB com a Vida de todos os ameaçados/as de morte no Pará, entre os quais estão nossos três Bispos: Dom José Luiz Azcona, Dom Erwin Kräutler e Dom Flávio Giovenale.
Estamos informados que o Ministério Público do Pará apelou da sentença, mostrando que o resultado do veredicto é incompatível com as provas dos autos.
Solidarizamo-nos com a Congregação Notre Dame de Namur, com os familiares da Irmã, com a Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB) que criou o Comitê Dorothy, com a Prelazia do Xingu; e esperamos que este resultado não intimide a luta em favor da verdade e da justiça.
Pedimos a luz do Espírito Santo, nesta semana de preparação da festa de Pentecostes, para que as autoridades do Tribunal de Justiça do Pará recuperem a justiça, erradicando a impunidade que estimula a violência.
Expressamos todo nosso estímulo ao trabalho das comunidades de Anapu/PA, que continuam a missão da Irmã Dorothy, denunciando os crimes agrários e ambientais, e anunciando a esperança que não engana.
“Felizes os que promovem a Paz. Felizes os que são perseguidos por causa da Justiça”, nos diz Jesus Cristo.
Brasília-DF, 08 de maio de 2008
Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus, AM
Pela Presidência da CNBB
Impunidade vai aumentar violência no Pará
O Ministério Público Federal no Pará vem a público externar sua indignação contra a absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura da acusação de ter sido o mandante do assassinato da irmã Dorothy Stang. Além de contrária às provas nos autos, a decisão – um verdadeiro prêmio à impunidade – é preocupante porque contribui para o acirramento da violência no campo.
Assim, entendemos que é fundamental e urgente o fortalecimento dos sistemas de segurança pública federal e estadual nas regiões de conflitos fundiários no Pará. Caso isso não ocorra, o MPF teme pela concretização das ameaças de morte a trabalhadores rurais, índios, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, defensores dos direitos humanos e religiosos que atuam no interior do estado na defesa das minorias.
Por fim, é preciso lembrar que Vitalmiro Bastos de Moura responde à Justiça Federal por crimes ambientais e por manutenção de trabalhadores em condições análogas às de escravos.”
Murilo Hildebrand de Abreu
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Pará
Cultura de impunidade marca Violência no campo no Pará
Fazendeiro mandante do assassinato de irmã Dorothy Stang é absolvido.
“Como foi que se transformou em prostituta a cidade fiel, possuída pelo direito? Nela, quem morava era a justiça, agora são os assassinos.” Is. 1, 21
O mundo assistiu perplexo a mais um caso de impunidade no Pará. Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido como Bida, foi absolvido pelo tribunal do júri, em Belém do Pará. Segundo os dados da CPT, em 40 anos de luta e resistência na terra, mais de 800 trabalhadores, lideranças sindicais e sem terra, religiosos e ativistas dos direitos humanos, foram assassinados no Pará. Quase totalidade desses crimes foram cometidos por pistoleiros a mando de fazendeiros e madeireiros.
Nesse período, apenas 6 mandantes foram julgados e condenados pela justiça paraense, no entanto, nenhum deles permanecem presos. O Poder Judiciário paraense parece ser conivente até mesmo com o descumprimento das penas dos pistoleiros condenados. Nos últimos anos, três pistoleiros condenados por assassinato de lideranças sindicais tiveram suas fugas facilitadas das penitenciárias estaduais. O último foi Welinton de Jesus, condenado a 29 anos de prisão, pelo homicídio do sindicalista Dezinho, teve sua fuga facilitada por uma juíza da vara de execuções penais da capital. Fazendeiros mandantes, em geral, grandes proprietários de terras, usam todo o seu poder de influência financeira e política para permanecerem livres e impunes dos crimes juntamente com os executores e intermediários.
A impunidade no Pará, em crimes ligados a posse da terra, se mantém em função da permanência de outros crimes ligados à grilagem de terra, trabalho escravo e exploração madeireira que mantém o poderio e a prepotência de uma minoria de fazendeiros e madeireiros que não abandonaram suas práticas tradicionais de imposição da violência no campo. Soma-se a isso, a inércia dos aparelhos repressores do Estado, que atuam na maioria das vezes, contra os camponeses e na defesa da oligarquia agrária do Pará. De acordo com o monitoramento feito pela CPT, 73,19% dos casos de assassinatos no campo no Estado, não são apurados, 8,11% dos inquéritos policiais não são concluídos e apenas 18,68% dos crimes transformam-se num processo judicial. No entanto, a média de tramitação desses processos está acima dos 10 anos, provocando a prescrição da maioria dos casos.
A absolvição do fazendeiro Vitalmiro é vergonhosa, pois durante toda a investigação policial e judicial, ficou devidamente provado que Bida e Regivaldo prometeram 50 mil reais para que Raifran assassinasse a missionária. Fato que ensejou na condenação de Bida no primeiro julgamento, a 30 anos de prisão. Durante o último júri, absolveu-se o fazendeiro e ficou provado pelo promotor de justiça e os advogados assistentes de acusação que o pistoleiro Raifran e o intermediário Amair, mudaram seus depoimentos, comprados por mais de 100 mil reais. Prometeram 50 mil para assassinar Dorothy e pagaram mais de 100 mil para que mudassem seus depoimentos e Bida fosse absolvido. O Estado e o Poder Judiciário precisam urgentemente apurar essa denúncia e punir os responsáveis por mais esse crime, pois a impunidade estimula a continuidade da violência.
A absolvição do fazendeiro Bida, se insere no conjunto de violência que nas ultimas décadas vem se alastrando na Amazônia contra a floresta e os povos que nela habitam. Não nos esquecemos do assassinato de Pe Josimo, Chico Mendes, massacre de Corumbiara, Eldorado e tantos outros, que ainda clamam por Justiça! Preocupa-nos a situação de ameaças constantes de morte contra bispos, padres, sindicalistas, indígenas, etc que se vêem obrigados a andarem protegidos por policiais militares para não serem assassinados por pistoleiros a mando de madeireiros e fazendeiros. A absolvição do fazendeiro agrava ainda mais essa situação aumentando a insegurança daqueles que defendem a floresta e os direitos dos camponeses.
Clamamos pelo fim da impunidade e re-afirmamos o nosso compromisso pela Reforma Agrária e pela distribuição da terra e da renda que possa garantir alimento e vida e, esperamos confiantes que o Tribunal de Justiça do Estado do Pará, corrija o equívoco cometido pelo corpo de jurados que contrariou flagrantemente as provas existentes no processo e fará restabelecer a JUSTIÇA em relação ao assassinato da missionária Dorothy Stang.
Belém, 08 de maio de 2008.
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Regional Norte 02 (Cáritas Regional Norte 02, Comissão Pastoral da Terra, Comissão Justiça e Paz, Pastoral do Menor, Conselho Indigenista Missionário, Pastoral da Criança, Comunidades Eclesiais de Base, Pastoral da Juventude, Pastoral da Comunicação, Pastoral da Juventude Rural, Pastoral da Pessoa Idosa, Pastoral Carcerária)
Comitê Dorothy
Conferência dos Religiosos do Brasil
UNIPOP – Instituto Universidade Popular
FAOR – Fórum da Amazônia Oriental
FASE – Federação de Órgão para Assistência Social e Educacional
ABONG – Associação Brasileira de ONG´s
SDDH – Sociedade Paranaense dos Direitos Humanos
Movimento de Mulheres Trabalhadoras de Altamira
Comitê de Defesa da Vida das Crianças de Altamira
Fórum Popular de Altamira
Fórum Dorothy Stang de Direitos Humanos
Mutirão pela Cidadania
GTA Regional Xingu
Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Estado do Pará