Desenhos culturais e resistências

A cultura e a mídia como ferramentas concretas para a luta dos povos. Como espaços de mobilização, contra a desumanização própria do modo capitalista de produção. A cultura como o caminhar dos povos. E neste caminhar os movimentos populares se deparam e enfrentam a indústria cultural e os símbolos do capitalismo.

A cultura e a comunicação foram o centro dos debates de ontem (15/05), segundo dia da Mostra de Integração Latino-Americana. Na parte da manhã, para analisar a relação entre movimentos sociais, arte e indústria cultural ,Daniel Puglia, professor de Literatura Inglesa e Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo (USP), partiu do exemplo da peça de teatro Posseiros e Fazendeiros, encenada por um grupo do MST, que chegou a ser apresentada no histórico teatro da Arena, em São Paulo,

Puglia criticou o olhar de desprezo lançado por estudiosos sobre as formas de manifestação dos movimentos sociais. “É uma armadilha se a gente aceita este tipo de juízo, trata-se de preconceito e do medo frente ao novo”, comenta. Recordou uma mística do MST que remetia a uma questão atual: a conexão existente entre a concentração de terras e o chamado “latifúndio” midiático, latifúndio que também persiste em outras áreas do conhecimento. “São raras as obras hoje que fazem este tipo de conexão”, explica.

A fala de Puglia defende uma não separação entre a militância e a atividade cultural – um dos debates presentes ao longo da mostra. Os atores dos movimentos, segundo eles, normalmente não se colocam como atores, isto porque a própria cultura torna-se uma atividade cotidiana para a militância. O objetivo, segundo Puglia, é chegar a um mundo onde “em que o artista não seja considerado um tipo especial de pessoa, mas que cada pessoa seja considerada um tipo especial de artista”, concluiu.

Ana Chã, do setor de cultura do MST, comenta que a área da cultura afirmou-se no movimento quando ele já possuía mais de 10 anos. A primeira oficina de música data de 1996. A cultura, na sua opinião, é entendida como parte da luta de classes, inserida no processo de luta. “Não há uma distinção entre cultura e política. A cultura é uma ferramenta de mobilização”, comenta.

O MST possui atualmente, segundo Chã, 40 grupos teatrais pelo Brasil. Chã falou sobre a necessidade de capacitação por parte dos movimentos da linguagem e da técnica do audiovisual. Porém, segundo ela, é necessário um outro fim para a técnica apropriada. “Não basta apenas se apropriar dos meios burgueses, mas dar nova forma a eles”, afirma, para quem é preciso sair da cultura do espetáculo da mídia empresarial.

Agronegócio e deserto cultural

Araídes Duarte da Cruz, integrante do setor de comunicação e cultura do MST no Paraná, comenta que a expansão do agronegócio no campo tem como uma das primeiras conseqüências a destruição da cultura do povo. “O agronegócio destrói a cultura, e um povo sem cultura é como a árvore voando sem vento”, compara.

O patrimônio cultural, a seu ver, deve ser apropriado pelos camponeses, inclusive as técnicas e conhecimentos que hoje estão apropriadas pela burguesia. “Buscamos a elevação cultural do nosso povo. A Mostra Cultural leva o debate de que a cultura é tudo o que produz a nossa existência (…) Deveríamos ter acesso não a uma parte, mas ao conhecimento da espécie humana como um todo”, afirma.