O desmatamento na esteira do capital
Quando o assunto é o desmatamento na Amazônia, é importante entender todo o movimento que acontece nas áreas da região e os agentes envolvidos. Na corrida para cumprir a meta estabelecida pelo II Plano Nacional de Reforma Agrária – lançado pelo governo Lula, no fim do ano de 2003 – de assentar, entre 2004 e 2007, 400 mil famílias, a regularização fundiária se mostrou a maneira mais eficaz de inflar números. A regularização de terras na Amazônia revela a não-disposição do governo em enfrentar o latifúndio e a concentração de terra. E vai além: ajuda na expansão das atividades do agronegócio na região.
Nas áreas regularizadas, segundo Ariovaldo Umbelino, professor titular da Faculdade de Geografia Agrária da USP (Universidade de São Paulo), “é comum os assentados ou ‘venderem’ ilegalmente seus lotes para o agronegócio – que para ‘comprá-los’ os querem totalmente desmatados. Ou então, usarem de outro expediente: cedem cabeças de gado para serem criadas em parceria com os assentados. Em qualquer um dos casos, a floresta é posta abaixo para dar lugar às pastagens e à pecuária”, afirma.
Para além, a grilagem de terras nas chamadas terras devolutas contribuíram ainda mais para este projeto. Por isso, a informação de que nos últimos 12 anos, cerca de 70% dos projetos de Reforma Agrária aconteceram na Amazônia Legal, é emblemática e aponta para uma estratégia de setores do governo aliados ao capital internacional.
Para Ariovaldo, “a grilagem das terras públicas da Amazônia sempre veio alimentada pelas políticas públicas dos diferentes governos nos últimos 50 anos. Isso aconteceu por meio da Marcha para o Oeste, de Getúlio Vargas; dos incentivos fiscais da extinta Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), da ditadura militar; e por último da aliança de Fernando Henrique Cardoso e Lula com a bancada ruralista no Congresso e as prorrogações infindáveis de suas dívidas que nunca são ou serão pagas”.
Segundo Gerson Teixeira, ex-presidente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), a proposta do ministro Mangabeira Unger – de criação de algum outro órgão que não o Incra para administrar a questão fundiária na Amazônia Legal – vai neste sentido. “O ministro enxerga que existem quatro áreas estratégicas para o projeto nacional na Amazônia: expansão da atividade agropecuária, atividade mineral, exploração industrial da biodiversidade e a Amazônia como uma grande frente de expansão energética”, afirma. E complementa: acabando ou não com o Incra, a estratégia vai ser executada.
A questão do esvaziamento do Incra na Amazônia é uma questão política para o “empoderamento” da SAE (Secretaria de Assuntos Estratégicos) para controlar os órgãos que vão executar esta política. Se o órgão não é eficaz na execução de uma política é porque esta é muito frágil ou a gestão é muito fraca”, aponta Gerson.
Para José Vaz Parente, presidente da Cnasi (Confederação Nacional dos Servidores do Incra), se o governo estivesse com vontade de resolver os problemas na Amazônia, o primeiro passo seria fortalecer o Incra. Ele diz que “com isso, o órgão estaria presente em toda a extensão do território e com ações conjugadas com outros organismos como Ibama e Funai”.
As pressões realizadas por movimentos sociais do campo sobre o órgão – por meio de ocupações de superintendências e manifestações – pela realização da Reforma Agrária sempre colocaram em pauta o desempenho do Incra. E as respostas sempre foram: baixo orçamento, pouco pessoal e precária infra-estrutura. O que indica o abandono de um programa de Reforma Agrária para o país e a fragilidade da estrutura voltada para a questão. Reivindicações como a reestruturação e o fortalecimento do Incra foram incluídas em pautas de negociações com o governo, assim como a atualização dos índices de produtividade – usado nas vistorias do Incra e que determinam se a área é produtiva ou não. Porém, pouco se avançou e as mais de 120 mil famílias continuam acampadas pelo Brasil.
O papel do Incra
A luta pela terra existe há tempos. Muito antes da existência do MST e outros movimentos sociais que lutam pela Reforma Agrária. E esteve presente em muitos discursos, até mesmo dos militares, que em 1964 colocaram a Reforma Agrária como uma de suas prioridades. Isso culminou na criação do Estatuto da Terra – que nunca foi devidamente utilizado e tinha como único objetivo frear os movimentos camponeses e toda a mobilização popular que estava em ascendência desde a década de 50.
Foram pouquíssimas desapropriações neste período. Na verdade, eram feitas regularizações concebidas como projetos de colonização realizados principalmente na região amazônica.
Em nove de julho de 1970 se criou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o Incra, com o papel de realizar a Reforma Agrária e impulsionar a agricultura brasileira. O órgão deveria nortear suas ações por meio do conteúdo – em sua maioria de cunho político – do Estatuto da Terra. O Instituto absorveu as funções dos antigos Inda (Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural) e Ibra (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária)– ambos criados no período da ditadura.
Hoje, 38 anos depois de sua criação, a denúncia de que a política do Incra é responsável pelo desmatamento na região amazônica, em especial no estado do Mato Grosso; e também a idéia do ministro Mangabeira Unger de criar um outro órgão responsável pela regularização fundiária na Amazônia Legal, reascendem as discussões sobre o papel do Instituto e como ele vem sendo cumprido ou não.