“A música é um pilar da escola”

A Escola Estadual de Ensino Fundamental Oziel Alves Pereira, no Assentamento Renascer, em Canguçu (no Sul do RS), apostou na música para avançar no processo de formação pedagógica dos seus educandos. Desde 2001, crianças das séries iniciais têm em seu currículo o tempo-música. Já os educandos das séries finais frenqüentam oficinas em que eles mesmos compõem e criam melodias.

O assentado gaúcho Arlei Antônio Castro trabalha com a música entre os jovens desde a fundação da escola. Na entrevista a seguir, o educando relata a experiência, os resultados positivos obtidos com a música e as dificuldades encontradas na educação do campo.

Como iniciaste tua militância no MST?

Minha trajetória no MST já vem desde pequeno, quando o meu pai foi acampado na Fazenda Anonni. Ele foi uma das lideranças da época. Me criei nesta trajetória de luta. Em 1996, comecei a fazer parte mais ativamente como militante, ajudando no Setor de Educação e no Coletivo de Música do MST. Deste momento para cá, participei ativo das lutas. Fiquei até 2001 ajudando no Setor de Educação nos projetos de construção dos parques infantis, na formulação de encontros e na sistematização das canções como recurso pedagógico a ser usado no compartilhamento do conhecimento. A partir de 2001 me voltei para dentro do meu assentamento para ajudar na fundação da Escola Oziel Alves Pereira, onde atuo até hoje. A escola tem 90 estudantes, todos oriundos do assentamento. Entre educadores, somos 6.

De que forma a música é usada na escola?

A música é um pilar da escola; faz parte da história desde o seu início. No começo, para construir a escola pensamos o que a simbolizaria. Assim foi criado o seu logotipo como atividade das crianças. Cada um criou um logotipo a partir do debate que tivemos sobre os valores que queríamos para a nossa escola. Foi feito todo um trabalho de desenhos e um deles foi o escolhido, que até hoje é o logotipo da escola. O hino também foi criado coletivamente, onde eu simplesmente coordenava, explica aos educandos a metodologia para se criar uma música, um verso, rimas, toda essa parte mais técnica e estrutural. Mas o hino foi construído pelos jovens. E no dia-a-dia a gente tem a música como recurso pedagógico. Com as turmas de séries iniciais tem um momento da aula do dia que trabalho somente com música. Música mais voltada à faixa etária deles, tudo passando uma idéia educativa. Nas séries iniciais, trabalhamos com tempos. Tempo-recreação, tempo-leitura, tempo-historinha infantil e o tempo-música. Tudo isso faz parte de um processo de organização do trabalho educativo em sala de aula. E com os jovens maiores, quinzenalmente e perto de datas comemorativas, fazemos oficinas de música. Os educandos já conseguiram assimilar esse processo de produção musical. Tudo isso está sistematizado; a escola já tem o hábito de registrar todo o trabalho feito pelos educadores.

Que dificuldades vocês encontram?

Por toda a história que a gente construiu dento da escola, junto com a comunidade, não se encontra dificuldades. Até porque a comunidade consegue enxergar que a música faz parte do processo educativo; consegue ver que através da música a criança consegue assimilar muito mais o conhecimento.

Que mudanças podem ser percebidas nos jovens?

A gente nota que as crianças conseguem assimilar o conhecimento através da música. No dia-a-dia conseguimos verificar os avanços nos valores que os jovens constróem como respeito, solidariedade – que a gente prega nas músicas, cuidado com a natureza, que também passamos através da música. Com as séries finais, participamos todo ano de festivais de música nativista na cidade. Os próprios educandos se propõem de levar músicas diferenciadas. O objetivo é de passar uma mensagem diferenciada da tipicamente tradicionalista, que não trata de forma verdadeira como é a realidade do campo. A gente leva composições que colocam a ideologia real do campo, como Dante Ramón Ledesma e João de Almeida Neto, para trabalhar as nossas músicas.

Como os pais vêem esse trabalho?

Não existe resistência nenhuma, pelo contrário. O assentamento tem toda uma história de luta de pessoas que passaram acampadas quase quatro anos. Vivenciaram a participação da música na luta, em que ajuda a motivar. Em termos mais gerais, encontramos dificuldade. Por estarmos em um município bastante conservador e pelo fato do assentamento estar muito distante da cidade – fica a 90km da sede – passamos por problemas estruturais. Todo ano é uma luta para garantir professores – que na verdade é um problema de toda a região sul do RS; problema com o transporte. Todo ano tem a licitação do transporte e Canguçu é o único município que deixa para fazer a licitação em Março, depois que as aulas começam. Agora, estamos lutando por uma escola de Ensino Médio. É uma luta muito grande porque a lei diz uma coisa e a realidade é outra. Estamos nesse embate mas felizes, porque a comunidade está junto e entende que é necessário que avancemos no Ensino Médio.

Arlei Antônio Castro participou do Encontro Estadual dos Educadores e das Educadoras da Reforma Agrária, que aconteceu entre 21 e 25 de Abril em Santa Maria (RS).