Escola Latino-Americana da Agroecologia forma primeira turma de Tecnólogos
Por Carla Cobalchini
O sonho virando realidade
“qualificando sua mirada,
Não mais indiferente,
Enxergou-se no outro
Mulher, homem, piá e menina
Não só indivíduos, mas sujeito e classe…”
As palavras em verso foram recitadas por José Maria Tardin, apresentando o momento que mais encheu de orgulho e esperanças os participantes da 8ª Jornada de Agroecologia: a formatura da primeira turma de Tecnólogos em Agroecologia da Escola Latino-Americana de Agroecologia – ELAA.
Os 23 formandos da turma Mata Atlântica emocionaram o público presente quando caminharam em direção ao palco acompanhados pela música Reggae da Escola Latino-Americana. Após a cerimônia oficial, os educandos já formados refizeram sua cerimônia substituindo o famoso capelo de formatura (um chapeuzinho quadrado) por um chapéu de palha, fazendo seu próprio juramento em duas línguas: guarani e português.
De campesino a campesino
“Se no ramo está o espinho,
Em sua ponta está a flor.”
O Paraninfo, militante paraguaio Marcial Congo, em seu discurso dirigido aos formandos, afirmou que a turma Mata Atlântica é exemplo, constituindo uma iniciativa do povo organizado, para o próprio povo. “Em primeiro lugar, exemplo de solidariedade internacional da classe trabalhadora contra o egoísmo sem fronteiras do Capital. Em segundo lugar, pela formação de tecnólogos com uma visão em favor das maiorias dos nossos povos.”
Se havia alguma incerteza sobre a capacidade dos movimentos sociais em buscar sua qualificação, a primeira turma de Tecnólogos em Agroecologia já provou que é possível.
Campesinos ocupam a vanguarda na agroecologia
O integrante da equipe pedagógica da ELAA, José Maria Tardin, afirmou que a constituição da ELAA se reveste de demonstração da capacidade que tem o povo camponês organizado de promover os avanços no interior do seu conhecimento e da sua prática de vida. “Essa experiência também se traduz no que podemos chamar de salto ou de ocupação pelo campesinato da vanguarda naquilo que é necessário na luta de transformação da sociedade e o estabelecimento de uma nova ordem econômica socialista e ecológica. É uma contribuição incomensurável nessa trajetória histórica da luta revolucionária na medida em que, finalmente, o movimento camponês assimila para si o desafio da ecologia associado à luta emancipatória do ser humano” comenta Tardin.
Ainda segundo ele, é uma experiência extremamente relevante “porque concretiza a preparação de militantes de esquerda do movimento camponês, a qualificação técnica que permite a esse movimento realizar em maior escala e velocidade, a transformação da agricultura, a reconstrução ecológica da agricultura e qualificar dessa forma, o seu projeto popular e soberano para a agricultura, no estabelecimento de uma nova sociedade denominada socialista”.
Pedagogia da alternância: metodologia une teoria e prática
O Curso de Tecnólogo em Agroecologia, conforme os cursos realizados nas escolas do MST ou da Via Campesina, possui dois momentos educativos fundamentais. O primeiro é o tempo-escola onde os educandos desenvolvem o aprofundamento do conhecimento teórico, apoiados e assessorados por educadores de diferentes áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo que realizam uma série de trabalhos e práticas agroecológicas, são desafiados a desenvolver essa prática com as famílias do Assentamento Contestado, onde está a ELAA.
Outro momento fundamental é o tempo-comunidade, quando os educandos retornam às suas comunidades de origem e desenvolvem uma série de atividades solicitadas pelo seu movimento, além de cumprir um conjunto de atividades requeridas pela escola para, na sua base social, trabalhar a promoção da agricultura ecológica. É a chamada pedagogia da alternância, com um tempo destinado à aplicação na escola e outro destinado à aplicação no campo de atuação de origem.
Experiência da ELAA é referência para Via Campesina
“Adelante, em marcha febril,
Paraguai, Venezuela, Brasil,
Agregaram nesta fria latitude,
Entusiasmada e utópica juventude…”
Originalmente, a iniciativa de direcionar esforços para a agroecologia foi formulada no interior da Via Campesina latino-americana. Já no inpício dos anos 2000, os movimentos da Via Campesina vêm assumindo nas suas plataformas e diretrizes políticas voltadas à agroecologia. Nesse processo, o MST tomou a dianteira com a criação de uma rede de escolas técnicas em agroecologia de nível médio. Segundo Tardin, da ELAA, o desenvolvimento dessa experiência permitiu acumular um conhecimento, prática pedagógica e construção de currículos que serviu de referência para a Via Campesina.
A Via Campesina Brasil coordena a existência e funcionamento desse curso. E definiu um determinado número de vagas por movimento para compor a primeira turma de Tecnólogos em Agroecologia.
A ELAA procede com uma segunda turma de educandos, que inclusive recebe egressos da turma Mata Atlântica que não conseguiram alcançar sua aprovação para a formatura. A Via Campesina já definiu que, em outubro deste ano, terá início a etapa preparatória da terceira turma. “A nossa expectativa e o nosso trabalho vem sendo de constituir uma turma de 40 militantes brasileiros e 20 de países vizinhos, do conesul e da América Latina”, completa Tardin.
De educandos a multiplicadores da agroecologia
“Num primeiro momento
Cada qual apegado ao seu movimento
No convívio se mirando
Estendendo a mão, se ajudando…”
Os educandos que agora se formam são militantes de diversos movimentos do campo e retornarão às suas comunidades para difundir os conhecimentos produzidos no curso. Cinco representantes desses movimentos expressaram o que ficou marcado na trajetória de educandos:
EDMARILSON RODRIGUES PINTO
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
Conhecido como “Maí”, vindo do Acampamento Josué de Castro, localizado na região do Brejo da Paraíba. Tomou conhecimento do curso através do Jornal Sem Terra, instâncias locais do movimento e do Fórum Social Mundial. A partir daí, os movimentos passaram a indicar militantes para participar da Escola. “Na parte técnica trabalhamos com os melhores educadores da América Latina em agroecologia. Um exemplo é Ana Primavezzi, uma austríaca, especialista em manejo ecológico de solos. A ferramenta teórica que usamos para interpretação da realidade é o marxismo, de acordo com a linguagem que o nosso curso exige. Na parte prática, participamos de momentos “plenária”, aula normal diária de segunda a sexta, e, em determinados momentos, vamos para a prática nos setores de produção; apicultura, pecuária, suínos, bovinos. Então disseminamos a parte teórica em atividades práticas nesses setores. E também trabalhamos com as unidades camponesas de agroecologia – URCAS – são pequenas experimentações que trabalhamos dentro da escola para potencializar nosso conhecimento e avançar na pesquisa. Temos tempo escola e tempo comunidade, dentro da pedagogia da alternância. São os momentos em que voltamos para nossos assentamentos”, conta.
Hoje, Maí está inserido na Brigada Iraci Salete Strosak, que fica em Paranacity, e já trabalha com práticas agroecológicas nos grupos dos assentamentos. Também atua no campo da formação política. “Nesses quatro anos, sofri uma metamorfose, tanto do ponto de vista da minha prática, como da minha forma de pensar, afunilamos alguns conceitos e trabalhamos em linhas gerais dentro dos objetivos dos movimentos sociais. Entrei um militante com pouca formação e estou conseguindo retornar um militante com o mínimo de uma formação ideal para atuar na prática com mais qualidade.”
Maí revela que, para o MST, é importante a formação desses profissionais para propor um projeto alternativo de agricultura, não só para os acampamentos e assentamentos, mas um projeto alternativo para agricultura na América Latina. E o MST também tem abraçado a agroecologia como forma de luta. “Ao conquistar a terra tentamos trabalhá-la não de forma convencional; destruindo a natureza, usando insumos artificiais, agrotóxicos. Mas com o equilíbrio do meio ambiente, baseada na agroecologia”, completa.
GILVANIA DOMICIANO DE AMORIM
PJR – Pastoral da Juventude Rural
Vêm do município de Divino, zona da mata, Minas Gerais. Para Gilvania, a agroecologia é uma proposta de desenvolvimento da agricultura sustentável, que se encaixa na proposta de projeto popular. “Foram quatro anos de vários obstáculos e desafios vencidos, se nos propomos a ir até o final é porque valeu a pena. A juventude é um dos principais alvos da sociedade capitalista. Então a agroecologia também é uma proposta de permanência desses jovens no campo.”
Gilvania relata que vivenciou várias experiências em áreas de assentamento, de agroindústrias, laticínios, na parte de organização das famílias para o cultivo e para a comercialização, também em áreas de faxinais. “O Curso possibilitou, além da técnica, um outro nível de consciência. Temos uma visão da sociedade bem diferente daquela de quatro anos atrás, hoje conseguimos identificar mais os problemas do sistema.” Sobre sua comunidade, Gilvania comenta: “na zona da mata onde eu vivo, é uma região cafeeira, então tem o costume do uso do agrotóxico. Como vencer isso, e como sair as monoculturas. A intenção é que eu possa contribuir com a juventude rural no estado.”
SORAYA REIS KONOSKI
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
Do município de Montanha do Estado do Espírito Santo, indicada pelo movimento porque havia a prática agroecológica das famílias daquela região, Soraya conta que, como forma de resistência ao capitalismo sua comunidade já fazíamos o resgate das sementes e dos saberes populares dos camponeses.
Na formação do curso, ela chama atenção para o “diálogo dos saberes”, uma disciplina na qual se trabalha o resgate da cultura, das técnicas usadas por nossos antepassados. “O curso de agroecologia é uma forma de resistir a esse modelo, fazer o resgate cultural dos nossos saberes, dos nossos princípios, que os índios, os quilombolas, os camponeses, continuam resistindo e trabalhando com essas práticas.”
Em relação ao MPA, Soraya explica que os camponeses estão buscando desenvolver várias experiências agroecológicas e criando novas formas de se relacionar com a terra. Sobre o retorno às origens, a educanda coloca que, retornará a sua comunidade no Espírito Santos para contribuir a partir dos conhecimentos adquiridos, nos campo teórico e científico, durante o curso. “Lá nosso trabalho será com as famílias que já tem práticas agroecológicas e outras que ainda não desenvolvem agroecologia, principalmente no âmbito da produção de comida associada com a proteção ambiental, como as agroflorestas”, conclui.
SHEILA MORAES
MMC – Movimento das Mulheres Camponesas
Veio de um assentamento em Mato Grosso do Sul, e atualmente trabalha como técnica do MST em Goiás. “A agroecologia é um novo modo de vida, e pensamento da ecologicamente no planeta. Esses quatro anos reforçaram os conteúdos: técnico, político, econômico, social.”
Durante o curso, Sheila já está desenvolvendo experiências na sua própria comunidade: “dentro do MST tem a campanha de produção de alimentos saudáveis, no qual trabalhamos com a criação de hortas medicinais e a construção de quintais agroflorestais. Em Goiás esse trabalho já está sendo feito através de mutirões nas comunidades”, conta.
DEISE BREMM
MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens
A militante do MAB vem de Maravilha-SC. “O que melhor levo do curso são as vivências, trocas de experiências com pessoas de outras culturas. Aprendi mais como articular a base, porque a agroecologia é uma opção de vida, que eu acredito que é a melhor.”