Nós não vamos pagar nada
Por Miguel Enrique Stedile
Desde o final do ano passado, as notícias sobre a crise econômica bombardeiam diariamente os trabalhadores. Fábricas fechadas, banqueiros desesperados, governos com medo, marolas e
tsunamis… E as saídas apontadas para a crise seriam todos “apertarem os cintos”, o governo socorrer empresas, muitos trabalhadores serem demitidos até que dias melhorem cheguem. Mas
os motivos dessa crise são pouco explicados ou escondidos numa linguagem econômica para que não se entenda o que realmente se passa. Se entendermos o que é realmente esta crise, vamos
perceber que ela não é uma crise dos trabalhadores. Não fomos nós que a criamos e, portanto, não somos nós que devemos pagar por ela. As crises fazem parte do capitalismo.
É da natureza deste sistema de que de tempos em tempos, pela sua própria lógica, aconteçam crises. Isso porque o capitalismo é baseado numa divisão da sociedade: os trabalhadores produzem a riqueza, transformadas em mercadorias, mas estas riquezas são vendidas pelos capitalistas. A apropriação deste trabalho permite que os capitalistas fiquem cada vez mais ricos, explorem cada vez mais os trabalhadores para produzirem mais e mais, e até mesmo derrubem outros capitalistas, concentrando mais riqueza. E os trabalhadores vão ficando cada vez mais distantes da possibilidade de produzirem para eles mesmos, pois sua separação dos meios de produção, como
a terra, as máquinas etc, se faz como essencial para o sistema capitalista.
Mas esta lógica gera superproduções, onde há mais mercadorias à venda do que condições dos trabalhadores para comprarem. Nestes casos, os capitalistas não conseguem mais ter as mesmas taxas de lucros de outros períodos. As fábricas diminuem a produção, os bancos não conseguem mais cobrar juros e receber dívidas. Os consumidores não conseguem mais pagar suas dívidas e aumentar as compras. E aí, quebram empresas, cai a produção, aumenta o desemprego etc.
A crise que vivemos hoje faz parte desta maneira do capitalismo funcionar, mas também tem suas características próprias.
Nas últimas décadas, os capitalistas passaram a investir mais no ramo financeiro – ou seja, bancos, ações, fundos de pensão – investimentos que não geram riqueza ou produção e que recebem juros sobre os próprios investimentos, ou seja que gera mais dinheiro sobre o próprio dinheiro e não sobre a mercadoria. À medida em que o capital financeiro passou a oferecer mais lucros que o capital produtivo, passou a concentrar também a maior parte do capital, controlado por bancos e empresas transnacionais. Para que tivessem cada vez mais lucros, os bancos e empresas pressionaram os governos para diminuir leis e aumentar a liberdade de circulação deste capital. Era o chamado neoliberalismo. Na prática, isso gerou uma super-acumulação de riquezas e capital na mão de poucos capitalistas, gerando falta de oportunidades para novos mercados para os próprios capitalistas seguirem acumulando e ganhando dinheiro.
No capitalismo, nenhuma saída para a crise que eles mesmos criaram pode beneficiar os trabalhadores. As saídas implicam em demissões, em aumento da exploração de quem se mantiver no emprego, maior destruição ambiental e menos recursos públicos para a área social para que haja mais dinheiro para salvar empresas e bancos. E as conseqüências já podem ser sentidas: segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 20 milhões de trabalhadores perderão
seus empregos até o fim deste ano. Além disso, os governos da Europa e Estados Unidos já gastaram cerca de 11% de toda riqueza produzida no mundo para salvar bancos e empresas. No Brasil, o governo injetou mais de R$ 360 bilhões na economia em diversas medidas que beneficiam apenas empresas.
Para comparação, os governos precisariam investir 1% de toda riqueza do mundo para reverter o aquecimento global ou para acabar com a fome. Bastaria metade do que os bancos receberam.
Crise revela fracasso do agronegócio
A agricultura foi um dos setores que sofreu maior controle do capital financeiro. Nos últimos anos, cada vez mais empresas e agroindústrias foram adquiridas por bancos. Quando estes bancos já
controlavam várias empresas agrícolas, passaram a juntá-las numa mesma empresa, aumentando a concentração e comprando empresas menores. Hoje, dez empresas transnacionais controlam a
agricultura em todo o mundo, desde as sementes até a comercialização.
E, claro, quando a crise atingiu os bancos, o agronegócio, que é subordinado a estes bancos, sentiu o baque. Somente em dezembro, 134 mil trabalhadores foram demitidos no campo. A maior parte das demissões – 70,1 mil trabalhadores – ocorreram no setor sucroalcooleiro. Ou seja, os que mais demitiram foram os usineiros, a quem o presidente Lula chamou de “heróis” em 2007. Ainda no ano passado, inúmeras empresas do agronegócio receberam mais de R$17,2 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Menos de um ano depois, estas mesmas empresas já demitiram mais de 9,3 mil trabalhadores.
Mesmo que a crise exponha o fracasso do agronegócio, o governo não deixa de socorrer estas empresas e permitir que enviem mais lucros do Brasil para seus donos no exterior. No mês passado, o governo anunciou uma nova linha de crédito no BNDES para o agronegócio – agroindústrias, fabricantes de máquinas e usinas – que somam R$ 12 bilhões. Para a agricultura camponesa, nada.
Outras empresas foram salvas antes mesmo do pacote.Com a crise, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) e a Aracruz perderam juntas mais R$ 4 bilhões. Os prejuízos iam impedir a compra da Aracruz pela VCP. Mas, logo, receberam uma mãozinha: primeiro, o Banco do Brasil comprou parte do Banco
Votorantim para injetar dinheiro no conjunto de empresas, gastando R$ 4,2 bilhões para comprar o Banco, o que ajudou a encher o caixa da VCP. Além do dinheiro do Banco do Brasil, a VCP pegou mais R$ 2,4 bilhões com o BNDES a juros baixos.
A compra da Aracruz custou R$ 5,6 bilhões e quase metade veio diretamente Crise revela fracasso do agronegócio dos cofres públicos. Se somarmos o dinheiro que foi pago pelo Banco Votorantim,
isso dá R$ 6,6 bilhões. Ou seja, o governo comprou a Aracruz para a Votorantim e ainda deu R$ 1 bilhão de brinde. E mesmo com o dinheiro do governo, as empresas seguem demitindo.