Servidores do Incra não aprovam MP458

CONGRESSO NACIONAL INSTITUCIONALIZA A GRILAGEM DE TERRAS PÚBLICAS AO APROVAR A MP 458 – QUE AMPLIA A CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE E O DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA LEGAL

A MP 458 de 10 de fevereiro de 2009, disciplinadora da regularização de terras públicas da União, na Amazônia Legal, APROVADA NAS DUAS CASAS DO CONGRESSO NACIONAL, constitui-se num dos mais cruéis retrocessos a já permissiva legislação agrária brasileira, a ponto de configurar um “crime de lesa-pátria”, ante as inconstitucionalidades que encerra, a exemplo da transferência indevida de parte expressiva das terras públicas a entes privados, pessoas físicas e jurídicas, que, não raro, agem ao arrepio da lei – ao se locupletarem as expensas da degradação do meio ambiente e do patrimônio de toda uma nação.

Sob a justificativa de regularizar posses de pequenos agricultores, esta MP, já convertida em Lei, a ser sancionada pelo Presidente da República, possibilita transferir para o domínio privado, mais de 80% das terras públicas apropriadas irregularmente, para apenas 16% do total de ocupantes, na forma de média e grande propriedade: são aproximadamente 140 milhões de hectares a serem destinados à apenas 87 mil ocupantes, em contraposição a 33 milhões de hectares reservados a mais de 460 mil minifúndios e pequenas ocupações, no limite de até 400 hectares.

Nos dizeres de Raimundo Laranjeira, em sua obra Direito Agrário, Editora LTr, 1984, “os permissivos de privatização das terras se abrem tanto para os melhor aquinhoados, cuja idoneidade financeira permite dar juridicidade à ocupação da terra – por via de projetos de exploração agrária – duvidosos sob suas dimensões sociais e ambientais (grifo nosso), como para os pequenos produtores, que recebem a positividade jurídica de suas posses em face da própria ocupação, fundada na moradia habitual e cultura efetiva, que enseja, justamente, a regularização fundiária”.

Prosseguindo com essa lógica, o referido autor conclui: há sempre um privilegiamento dos grandes em relação aos pequenos, em razão da força do capital presente entre os primeiros e ausente dentre os segundos, a desencadear pressões daqueles contra estes, transformando estes proprietários-capitalistas, nos grandes ganhadores com a privatização das áreas pioneiras”. É o patrimônio do povo sendo destinado às oligarquias rurais, para fins especulativos, evidenciando o abandono das ações de reforma agrária e de reordenamento da estrutura territorial da Amazônia, em conformidade com o princípio constitucional da função social da propriedade da terra.

Nesse contexto, a possibilidade de alienação de terras à pessoas jurídicas e ocupantes indiretos, que já tenham outros imóveis rurais, como determina o art.7º, configura a exacerbação de todas as excrescências contidas na referida Lei, enquanto regra a institucionalizar a grilagem no País, com o agravante de descaracterizar a regularização fundiária como ação complementar à reforma agrária e ao ordenamento territorial/fundiário, reduzindo-a a um mero instrumento de transferência de áreas públicas ao domínio privado. Valida-se assim um regime de propriedade marcado pela exclusão social e a concentração excessiva da terra, o qual deveria, isto sim, ser objeto de toda uma reformulação como determina um Estado de essência republicana.

Não menos grave é o fato da dispensa das ações de discriminatória – procedimento decisivo na identificação e separação das terras de natureza públicas das de domínio privado, a emprestar a qualquer programa de regularização fundiária a lisura exigida no trato e na destinação do bem público. A alienação de terras por mera declaração do interessado, sem até mesmo a realização de vistoria prévia, beneficiará os grileiros em detrimento dos pequenos posseiros, cujas dificuldades de acesso ou mesmo de interpretação das poucas informações que lhe chegam, os tornam presas fáceis das ações inescrupulosas desses grileiros, que, não raro, laçam mãos de pequenos ocupantes como prepostos de seus interesses escusos, para viabilizar a obtenção de vastas áreas públicas.

Por último a MP já convertida em Lei, em curso para ser sancionada, fechando o ciclo de benesses concedidas aos agentes do agronegócio, dispensa a licitação para alienação de imóveis entre 400 e 1500 hectares, antecipando de 10 para 3 anos, após sua titulação, a transferência a terceiros, reduzindo a terra a uma simples mercadoria ou reserva de valor, destinada a fins especulativos. Imaginar que essa dispensa de licitação é uma maneira de alienar terras públicas, irregularmente ocupadas, a preços certamente vis, ou aquém do mercado, estimulando novas grilagens, fica mais que patenteado o assalto à coisa pública promovido pelo agronegócio, que estaria a encontrar na MP 458, mesmo sem as emendas dos parlamentares que a agravaram mais ainda, uma grande oportunidade a sua expansão sem freio.

Apenas para ilustrar a dimensão dessa transferência, informações prestadas pela Senadora Marina Silva, por ocasião da apreciação da MP 458 no Senado Federal, com base em dados apresentados pela CNA, na audiência pública da Comissão de Meio Ambiente, em 18 de maio do corrente, indicam que esses 67 milhões de hectares a serem regularizados valeriam em torno de 70 bilhões de reais, dos quais 54 bilhões seriam apropriados pelos imóveis acima de 1500 hectares, compreendidos pela grandes ocupações, ficando as médias e pequenas ocupações com valores correspondentes a 8 bilhões, respectivamente. Em razão de os pequenos ocupantes, até 400 hectares, corresponderem a 81% de todas as ocupações e reterem, em termos monetários, apenas 8 bilhões ou 12% do valor atribuído a área total, fica bastante explicitado sobre quem de fato será beneficiado com essa espetaculosa regularização fundiária.

Tais afirmações também encontram eco na própria disponibilização de crédito para a safra 2009/2010, cujos recursos são da ordem de 103 bilhões de reais, sendo que apenas 15 bilhões acham-se reservados à agricultura familiar, que responde para mais de 60% da produção de alimentos destinado ao mercado interno, ficando os 88 bilhões restantes reservados ao agronegócio, ou seja, àqueles que produzem o mínimo com o máximo e que mais degradam o meio ambiente, além da grande exclusão social que ocasionam, associado tudo isto à invariável prática de trabalho escravo.

É contra este modelo nefasto de apropriação e utilização das terras públicas e particulares que devemos nos insurgir, propondo uma nova ordem de desenvolvimento para o meio rural, em bases absolutamente sustentáveis sob seus aspectos econômico, social e ambiental, tendo a reforma agrária como seu principal vetor e a regularização fundiária restrita à legitimação das ocupações no limite da pequena propriedade, fundada na moradia habitual e cultura efetiva, com a arrecadação e destinação de todo excedente de terras públicas ao assentamento de trabalhadores rurais e a constituição de unidades de conservação. Enquanto isto não acontece, cabe-nos, no mínimo, argüirmos a inconstitucionalidade da Lei a ser sancionada, como forma de manifestarmos nossa indignação e protesto a tamanho descalabro.

DIREÇÃO NACIONAL DA CNASI – CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS ASSOCIAÇÕES DOS
SERVIDORES DO INCRA