Ruralistas voltam a disputar mudanças no Código Florestal

Ontem (14/10), a Câmara dos Deputados deu os primeiros passos para a instalação da subcomissão especial que pretende discutir mudanças no Código Florestal. Os ruralista conseguiram garantir presença na liderança da condução dos trabalhos da subcomissão: o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), da bancada ruralista, foi eleito presidente. O relator será Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Ontem (14/10), a Câmara dos Deputados deu os primeiros passos para a instalação da subcomissão especial que pretende discutir mudanças no Código Florestal. Os ruralista conseguiram garantir presença na liderança da condução dos trabalhos da subcomissão: o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), da bancada ruralista, foi eleito presidente. O relator será Aldo Rebelo (PCdoB-SP).

Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) a criação dessa comissão é um erro político. Em entrevista cedida ao jornal O Globo, Valente apontou que “não deveria nem ter sido instalada. Ela tem como objetivo revogar a legislação ambiental brasileira. Coloca a raposa para tomar conta do galinheiro”.

Muitos ambientalistas alertam que o debate ficará concentrado nas mãos dos parlamentares ligados à agricultura e à pecuária. A posição desse setor é passar para os estados a autonomia de definir o quanto deve ser preservado e quanto pode ser liberado para a produção de alimentos.

O que está em jogo

Apoiados pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes, os representantes do agronegócio nacional se articulam em Brasília com vistas a aumentar sua a exploração predatória pelo país, ignorando a importância da atuação das florestas para a regulação do clima mundial, a manutenção da biodiversidade e dos povos tradicionais.

Elaborado em setembro de 1965 e inspirado em um Decreto Federal de 1934, Código Florestal trata, em 50 artigos, da proteção legal de florestas e outras formas de vegetação em território brasileiro, bem como os critérios para retirada e exploração econômica da vegetação nativa. Considerada progressista, a legislação passou por várias transformações e tentativas de flexibilização ao longo de mais de quatro décadas.
Sob o argumento de que não existem mais terras para a agropecuária em função da vigência do Código Florestal, os ruralistas defendem mudanças relacionadas, sobretudo, aos artigos que abordam a Reserva Legal – área de vegetação nativa cuja utilização é permitida apenas sob regime de manejo florestal sustentável – e as Áreas de Preservação Permanente (APPs), topos de morros, matas ciliares de rios ou nascentes e encostas com alta declividade.

Segundo a Lei atual, o percentual da propriedade que deve ser destinado à Reserva Legal é de 80% para terras localizadas na região da Amazônia, 35% para áreas do Cerrado localizadas na Amazônia Legal e 20% para propriedades situadas em florestas e campos de outras regiões do país, como forma de preservar e reabilitar a biodiversidade originária. Já as APPs são entendidas como necessárias para a preservação dos recursos hídricos.

Atualmente, 33 propostas de alteração do Código Florestal tramitam na Câmara e no Senado brasileiros. Entre elas, está a de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), apelidada pelos ambientalistas de “Floresta Zero”. O projeto defende, por exemplo, que produtores rurais possam recuperar suas Reservas Legais com espécies exóticas (sobretudo palmáceas para a produção de agrocombustíveis), a redução da área de Reserva Legal das propriedades rurais da Amazônia Legal de 80% para 50% e a possibilidade de recomposição da Reserva Legal em qualquer bioma – atualmente, o Código Florestal admite que a recomposição seja feita apenas na micro-bacia hidrográfica onde foi feito o desmate.

Existem alternativas

A crescente ofensiva em torno do desmonte do Código Florestal uniu movimentos sociais do campo e entidades ambientalistas em torno de uma “Aliança Camponesa e Ambientalista em Defesa da Reforma Agrária e do Meio Ambiente”. Para a Aliança, o Código é moderno e não precisa de transformações profundas, mas de aperfeiçoamentos necessários ao desenvolvimento da agricultura camponesa.

As entidades entendem que, para promover de forma efetiva o desenvolvimento rural sustentável no país, é necessária a implementação de medidas de fortalecimento do Código Florestal. A Aliança propõe a construção uma resolução que oriente o manejo florestal e agropastoril em Reserva Legal (visto que, diferentemente da APP, a utilização da Reserva Legal pelos pequenos produtores não é regularizada, o que inviabiliza a aprovação de planos de manejo), a construção conjunta com os movimentos sociais do Macrozoneamento Ecológico e Econômico e dos ZEEs estaduais (que teria o papel de aprofundar as especificidades das regiões que não estão presentes no Código Florestal, além de orientar os ZEEs estaduais) e a criação de um Programa Nacional de adaptação das unidades produtivas camponesas à legislação ambiental – que inclui um programa de Assistência Técnica com continuidade e qualificação para o manejo ambiental, o fomento para a recuperação de APPs e Reservas Legais, uma política de comercialização da produção e o pagamento de serviços aos camponeses que preservam as áreas florestadas, para evitar que a agricultura convencional exerça pressão sobre a área preservada.
Outra proposta da Aliança é a popularização do Código Florestal, para que se discutam mudanças na matriz produtiva e tecnológica de agricultura. Um estudo divulgado em abril deste ano pelo instituto de pesquisa Datafolha mostrou que 94% da população preferem a suspensão do desmatamento das florestas brasileiras ao aumento da produção agropecuária no país.

Para a senadora Marina Silva (PT-AC), a defesa do Código Florestal deve ser encarada como um processo civilizatório. “Temos de pensar naqueles que ainda não nasceram. O lucro de algumas décadas não pode ser mais importante do que nosso futuro”, argumenta.

A preocupação dos ambientalistas com relação à votação do Projeto de Lei de Flexa Ribeiro é que a Comissão de Meio Ambiente tornou-se uma espécie de extensão da Comissão de Agricultura, de maioria composta por ruralistas.

O senador Aloísio Mercadante (PT-SP) considera a tentativa de desmonte do Código Florestal “um grande equívoco”, e defende que a população se aproprie do debate. “Não vai haver rolo compressor nessa matéria, porque a sociedade vai reagir”, garante.