Parlamentares repudiam criminalização do MST
Na última quinta-feira (15/10), os deputados federais Ivan Valente (PSOL/SP) e Iriny Lopes (PT/ES) denunciaram em Plenário a recente ofensiva da bancada ruralista do Congresso contra o MST e a Reforma Agrária no Brasil.
Segundo Valente, “de forma ardilosa, se aproveitando de um caso específico, a grande mídia está jogando todos seus esforços para ressuscitar a CPI e criminalizar o MST”.
“A tentativa de criminalização do MST por parte de ruralistas não é recente. Uma liderança sem terra do Espírito Santo costuma dizer que para os latifundiários ‘pior do que pobre é pobre organizado’”, afirmou a deputada Iriny Lopes.
Leia abaixo os discursos dos parlamentares:
Não admitem o direito do povo de se organizar e lutar
Ivan Valente
A proposta de alteração nos índices de produtividade da terra pegou em cheio naquilo que os ruralistas tanto querem esconder, haveria terra de sobra para reforma agrária se a lei fosse realmente aplicada.
A reação dos ruralistas se deu com o pedido de CPI para investigar o MST. Vale ressaltar, que esse pedido já havia sido arquivado nessa Casa após a mobilização da sociedade civil que reconheceu publicamente o papel do MST na luta pela democratização do acesso à terra em nosso país. No entanto, de forma ardilosa, se aproveitando de um caso específico, a grande mídia está jogando todos seus esforços para ressuscitar a CPI e criminalizar o MST.
O que vimos nos últimos dias no país é uma verdadeira cruzada, todos com o mesmo brado, querendo aniquilar na prática um movimento social que tem história, e que tem raízes populares no nosso país. Mas a cruzada não é só contra o MST, é contra a própria Reforma Agrária, o discurso agora é que se trata de uma política ultrapassada, que não caberia no Brasil moderno do agronegócio, da monocultura e da devastação ambiental.
A pesquisa do Ibope, feita sob encomenda da Confederação Nacional da Agricultura, é a peça que faltava nesse teatro do absurdo. Agora querem sobrepor uma amostra com mil famílias aos dados do próprio IBGE. Trata-se de uma falsificação grosseira para tentar provar uma tese que evidentemente só interessa aos ruralistas.
Nenhuma palavra sobre outros dados que vieram a público recentemente, o resultado do Censo de 2006, que revelou que o Brasil é o país com a maior concentração da propriedade da terra do mundo. Menos de 15 mil latifundiários detêm fazendas acima de 2,5 mil hectares e possuem 98 milhões de hectares. Cerca de 1% de todos os proprietários controla 46% das terras. E o que é pior, essa concentração vem crescendo nos últimos anos.
Nenhuma palavra também sobre o fato de que a Cutrale se instalou em terras griladas, em terras que pertencem a União e que deveriam ser usadas para a Reforma Agrária. Disso ninguém fala, nem tampouco que na guerra diversionista armada pela mídia, a Cutrale teve seus interesses fundiários prontamente assegurados.
A direção nacional do MST já declarou em nota pública, já deixou claro que o ambiente da ocupação da área explorada pela Cutrale, depois da saída das famílias acampadas e antes da entrada da imprensa, foi preparado para produzir imagens de impacto contra o movimento. As famílias declaram que não roubaram nem depredaram nada, mas para isso se faz ouvidos moucos, pois não se quer saber da verdade, mas de se produzir um espetáculo. Por isso, defendemos que haja uma investigação pra valer e isenta que possa chegar à verdade dos fatos. Assim como é preciso não perder de vista que se trata de terras griladas, algo que é confirmado pelo INCRA, mas que agora querem esconder.
Na lógica de se criminalizar os movimentos sociais esses setores ignoram propositalmente o que diz a lei, não reconhecem que o MST faz na prática a luta para que a lei seja de fato cumprida. A Constituição Federal estabelece que devem ser desapropriadas propriedades que estão abaixo da produtividade, não respeitam o ambiente, não respeitam os direitos trabalhistas e são usadas para contrabando ou cultivo de drogas.
Não querem reconhecer também que os trabalhadores rurais são as maiores vítimas da violência no campo. Nos últimos anos, já foram assassinados mais de 1,6 mil sem terras, e apenas 80 assassinos e mandantes chegaram aos tribunais, conforme nota divulgada pelo MST. O caso do Massacre de Eldorado de Carajás paira sobre a sociedade brasileira como um exemplo da ausência de punição aos assassinos.
Por outro lado, não podemos deixar de destacar que é justamente a subserviência do governo Lula aos interesses do agronegócio, a ausência de uma política pra valer de reforma agrária, a falta de investimentos massivos na agricultura familiar que fortalecem as posições dos ruralistas. Querem decidir na truculência, não tem mais reforma agrária e não se toca mais nos seus privilégios, esse é o totem que anima a turma do latifúndio.
Esse é um jogo contraditório que é preciso ter clareza, é óbvio que há interesse eleitoral com essa CPI do MST, que se quer tirar proveito da questão e ainda desmoralizar o movimento e criminalizar a luta social. Mas não estamos diante de um governo que fez reforma agrária, que chamou para si a responsabilidade de reparação desta dívida histórica com o povo brasileiro, pelo contrário, suas ações sempre foram tímidas, morosas, feitas para não gerar resistência, como tem sido na política econômica que remunera como ninguém o capital financeiro. Isso tudo demonstra ainda mais a vileza moral dos ruralistas e da grande mídia que é sua aliada.
É preciso discernir exatamente o que está em jogo nesta grita geral promovida pela mídia e pelos setores conservadores, querem de fato condenar o movimento social, querem usar de erros e fatos isolados para criminalizar uma luta inteira, querem principalmente condenar o direito inviolável, universal a qualquer povo, de se organizar e de lutar contra as injustiças.
Nesse momento de cruzada conservadora, em que tentam colocar a opinião pública contra os movimentos sociais, é preciso não se deixar levar pelas pressões, é preciso ter a firmeza e a clareza da luta. Aos companheiros e companheiras do MST reafirmamos o nosso compromisso em defesa da Reforma Agrária.
DISCURSO DA DEPUTADA IRINY LOPES NA CAMARA DOS DEPUTADOS
A tentativa de criminalização do MST por parte de ruralistas não é recente. Uma liderança sem terra do Espírito Santo costuma dizer que para os latifundiários “pior do que pobre é pobre organizado”. Essa é a história do escravismo reprisada num moto-contínuo desde o Brasil colonial.
Os sem terra de hoje são os negros do passado (e do presente também). Os assentamentos são os quilombos que os senhores de engenho da atualidade pretendem dizimar, usando, como outrora, forças policiais, políticas, judiciárias, além do aparato midiático. Só isso justifica a última investida da CNA contra o MST, ao encomendar ao Ibope uma pesquisa deliberadamente direcionada e com amostragem frágil, para demonstrar o fracasso da reforma agrária. Nenhum pesquisador mais atento consideraria significativo generalizar a realidade de mais de oito mil assentamentos, onde vivem 870 mil famílias, em uma pesquisa feita em apenas nove assentamentos, envolvendo mil famílias. Isso significa 0,1% do total. Um dos locais escolhidos pela CNA/Ibope para o levantamento é um assentamento da década de 70, dentro do Projeto Integrado de Colonização, portanto, da ditadura militar, e que já está incorporado à região metropolitana de Recife. É curioso que tenha sido escolhido um exemplo que não pode sequer se considerado assentamento. Esse é apenas um dos fatos questionáveis nesse trabalho.
É no mínimo desonesto querer analisar a Reforma Agrária sob a ótica do capitalismo e colocar como parâmetro de produtividade o agronegócio que a CNA defende. Reforma Agrária para os sem terra, assim como para quilombolas e índios, igualmente vítimas da invasão de terras, da grilagem desmedida dos grandes negócios, não é apenas ocupação territorial. É questão de vida, de cidadania, de segurança alimentar, de cultura e história de um povo.
Em 1988, a sociedade brasileira, calada e oprimida por um regime militar que durou duas décadas, foi às ruas e exigiu que os parlamentares constituintes garantissem na lei máxima do país direitos negados há mais de 500 anos por uma elite que continua, como antes, voraz, violenta e, para ser redundante, antidemocrática. A Constituição de 88 é o retrato do que nós brasileiros consideramos o mínimo de reparação. Terras devolutas, griladas, improdutivas devem ser, necessariamente, destinadas à Reforma Agrária. Comunidades quilombolas e indígenas têm direito ao reconhecimento de suas áreas.
Em qualquer lugar do mundo lei é para ser cumprida. No Brasil, desde a invasão portuguesa, existe para ser “interpretada” e aplicada conforme o interesse de latifundiários, dos grandes projetos, da elite, com anuência do Judiciário.
Um exemplo claríssimo é o da transnacional de sucos Cutrale, em São Paulo, que a TV repetiu exaustivamente imagens de sem terra destruindo pés de laranja. A Comissão Pastoral da Terra lembra que a área faz parte de um complexo de 30 mil hectares divididos em várias fazendas e que pertencem à União. “A fazenda Capim, com mais de 2,7 mil hectares, foi grilada pela Sucocítrico Cutrale” há quase cinco anos, sabendo que se tratava de invasão de terra pública.
Diz a CPT: “a ação dos sem terra tinha intenção de chamar a atenção para o fato de uma terra pública ter sido grilada por uma grande empresa e pressionar o Judiciário, já que, há anos, o Incra entrou com ação para ser imitido na posse destas terras que são da União. As primeiras ocupações na região aconteceram em 1995. Passados mais de 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e hoje são assentamentos. A maioria das terras, porém, ainda está nas mãos de grandes grupos econômicos”.
Quem foi criminoso nessa história: a multinacional que invadiu deliberadamente uma área pública, contando que terá uma regularização fundiária a seu favor, ou 450 famílias que aguardam há mais de 10 anos, acampadas em lonas na beira de estrada, debaixo de sol e chuva, que o governo e o Judiciário cumpram a Constituição e destinem as terras para reforma agrária?
Temos no Espírito Santo situação semelhante com a Fazenda Ipiranga, em Ponto Belo. Há nove anos, as famílias esperam acampadas pela resolução do caso. O processo já concluiu pela destinação da área para fins de reforma agrária, faltando apenas uma assinatura para conclusão. Reconhecer direitos significa efetivá-los na prática.
Os ataques do que o MST tem sido vítima nos últimos anos não é gratuito. A criminalização faz parte de uma estratégia para dizimar resistências.
O que é crime neste país, cuja lei existe para ser ignorada pelo próprio Judiciário: é 1% de todos os proprietários controlarem 46% das terras (cerca de 98 milhões de hectares), ou mantermos durante décadas 130 mil famílias brasileiras acampadas à beira da estrada, à espera de um pedaço de terra para plantar e sobreviver?
Esse parâmetro cruel e desigual faz com que o país, a despeito dos avanços sociais do governo Lula, não consiga reverter sua sina, a hereditariedade, as sesmarias de antigamente e suas violências diárias contra os pobres desse lugar.
Não são esses poucos latifundiários que colocam alimento na mesa do brasileiro. Isso, o Censo agropecuário de 2006, divulgado recentemente, revelou. A agricultura familiar (na qual se inclui assentamentos), embora ocupe apenas 24,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários, é responsável por 40% do Valor Bruto da Produção gerado. E é ela também quem mais emprega: é responsável por 75% da mão-de-obra no campo.
O Censo nos diz ainda algo que devemos analisar com a responsabilidade que a nossa função pública exige: o Brasil é o país com maior concentração de terras do planeta. Tanta desigualdade é, por si mesma, uma violência que nós parlamentares não podemos assistir passivamente.
E aqui, evoco a memória do amigo, companheiro camponês Adão Pretto, que como deputado federal defendeu durante anos os sem terra dos ataques da imensa bancada ruralista, que queria, inclusive, classificar o MST como entidade terrorista, na CPMI da Terra.
Adão era um, mas quando defendia seu povo parecia um exército. Como se centenas de ancestrais estivessem a lhe dar força necessária para encarar a maior bancada do Congresso. Meu querido companheiro se foi nesse início de ano. Adão não está mais aqui, mas a sua luta não morreu. E é em nome dela que conclamo todos os companheiros de esquerda do Legislativo, àqueles que não toleram a injustiça, a desigualdade, que não conseguem assistir indiferentes a fome e a miséria de um povo construída pelos lucros das grandes empresas, dos latifundiários, que levantem a voz contra a criminalização dos movimentos sociais. Porque eles são maioria de direito e de fato nesse país. E é em nome deles e em memória de Adão Pretto que eu respondo aos que nos julgam distantes da luta: “presente”.