Carlos Marighella será homenageado em São Paulo
Do Brasil de Fato
A vida de um guerrilheiro em cores, movimentos e a céu aberto, para quem quiser ver. Essa é a tônica do espetáculo "O Amargo Santo da Purificação", que a Tribo de Atuadores "Ói Nóis Aqui Traveiz" apresentará no próximo sábado (7/11), em São Paulo.
Do Brasil de Fato
A vida de um guerrilheiro em cores, movimentos e a céu aberto, para quem quiser ver. Essa é a tônica do espetáculo “O Amargo Santo da Purificação”, que a Tribo de Atuadores “Ói Nóis Aqui Traveiz” apresentará no próximo sábado (7/11), em São Paulo.
O espetáculo de rua integra as atividades que marcam os 40 anos da morte do militante Carlos Marighella e será apresentado às 13h, no estacionamento do Memorial da Resistência (Largo General Osório, nº 66, bairro da Luz). No mesmo dia, será aberta no Memorial a exposição “Marighella” para homenagear o revolucionário, assassinado no dia 4 de novembro de 1969 por agentes do Dops durante uma emboscada.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o atuador Pedro De Camillis fala sobre a opção do grupo teatral gaúcho de realizar apresentações de cunho crítico e a dificuldade de se obter recursos e apoio quando se está fora da lógica da arte como mercadoria.
Como surgiu a ideia de realizar um espetáculo sobre Carlos Marighella?
O Ói Nóis Aqui Traveiz tem uma trajetória de teatro de rua desde a década de 80 e o espetáculo anterior, que falava sobre o Antonio Conselheiro, deixou no Ói Nóis um gostinho de continuar falando desses exemplos de brasileiros, exemplos da história que falam da organização e da luta por liberdade. No caso do Antonio Conselheiro todo o movimento de Canudos e a luta por se auto-organizar. Então surgiu essa vontade de falar sobre o período da ditadura militar, já que o Ói Nóis surgiu no finalzinho da ditadura militar [em 1978], e isso, de fato, marca a identidade do Ói Nóis. Teve um texto, nessa época, que se chamava “O Amargo Santo da Purificação”, era um texto criado coletivamente pelos atuadores da época, que não passou pela censura e a montagem acabou não acontecendo. Era um texto que falava da luta armada em um momento super próximo dos fatos. Com o grupo completando 30 anos [em 2008], então fechou: falar sobre a questão da ditadura militar e sobre o maior expoente da luta pela liberdade dos direitos brasileiros, aí o Marighella surgiu. A gente ficou desde 2003, pelo menos, pensando na ideia de falar sobre o Marighella, e a peça estreou em 2008.
Poderia explicar, brevemente, como é o espetáculo?
A gente diz que o espetáculo é uma visão alegórica e barroca da vida, paixão e morte do revolucionário Carlos Marighella. É uma criação coletiva do Ói Nóis Aqui Traveiz que parte dos poemas do Carlos Marighella, porque além de militante político ele escreveu muita coisa. A partir desses poemas, que foram musicados pelo Johann Alex de Souza, que é um músico que trabalha próximo ao Ói Nóis, a gente construiu uma dramaturgia. Passamos muito tempo fazendo uma pesquisa histórica e uma pesquisa com possibilidades estéticas, e para esse espetáculo nos identificamos muito com a estética dos filmes do Glauber Rocha, que tem essa ideia da alegoria e também do barroco, do excesso de informações. Então o espetáculo, além de partir de poemas, tem uma carga visual muito forte, os figurinos são extremamente coloridos, a cena do golpe de 64 é representado pela chegada de um carro alegórico grande, de seis metros de altura, e uma tropa de gorilas. E um espetáculo de teatro de rua já é um acontecimento excepcional nos dias de hoje, cada vez mais a cidade é o lugar em que não se pode acontecer nada público, é uma dificuldade apresentar nas ruas e nas praças hoje. E um teatro de rua é um evento emocionante porque contagia e vai para todos os públicos, é um espetáculo que mexe muito com o físico também, tem muita interação com o público, e isso de certa maneira também impregna os sentidos e os significados do espetáculo.
Como tu analisas o papel do teatro no resgate de histórias e memórias?
Tem uma coisa muito interessante. Eu tenho 26 anos e as pessoas da minha idade ou com um pouco menos que eu absolutamente desconhecem a ditadura militar e não sabem o que aconteceu exatamente. Não tem ideia do quanto hoje ainda acontecem coisas na nossa sociedade, como uma polícia perseguindo os movimentos sociais assim explicitamente, como é o caso aqui no estado, com o governo da Yeda [Crusius]. Quando a gente faz um espetáculo desses, quando o grupo pensa em resgatar esse herói popular, de alguma maneira também contribui para a gente abrir os olhos para que isso não aconteça e para que isso não seja esquecido. E tem a importância mesmo da exposição sobre Marighella no Memorial, o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Memorial da Resistência para manter viva essa chama de que ainda tem coisas que não foram respondidas, ainda tem coisas que não foram resolvidas. E levar essas questões para a maior parte da população como acontece com “O Amargo Santo da Puriticação” é, de uma certa maneira, de novo estar dando direito, devolvendo o direito da população que tem a oportunidade de começar a refletir sobre porque estamos nessa, como a gente chegou aqui. Isso para é extremamente instigante.
Como tem sido a reação do público nos locais em que já foi apresentado esse espetáculo?
Em Porto Alegre estamos apresentando dentro de um circuito que chamamos de Caminho para um Teatro Popular, que leva os espetáculos de teatro de rua e também as oficinas e os trabalhos das nossas oficinas para outros bairros. Temos apresentado bastante para uma plateia de periferia, para pessoas que tem muita dificuldade em ir ao teatro. A maior parte delas nunca assistiu teatro, é a primeira vez na vida, e a reação é muito emocionante. É difícil dizer porque eu sou atuador do espetáculo, e na verdade a relação é muito vibrante. Existe uma relação com o acontecido, com o que é inesperado, aí o público se surpreende, se emociona, ri. É um público para quem é muito gostoso de apresentar, que é o público da periferia. A temos feito isso semanalmente em Porto Alegre e agora, nos próximos meses, estaremos apresentando em assentamentos do MST e nas cidades da região metropolitana. Já existem outros grupos que fazem isso em Porto Alegre hoje em função do Ói Nóis, então tem bastante gente com aspiração a fazer isso ou que já tenha feito. Existe uma questão que é a persistência, e aí o mérito é para todos esses que conseguem fazer essas atividades, de estar chegando à maior parte da população e que sabe das dificuldades que isso significa, de infraestrutura. Um grupo de teatro hoje no Brasil tem que ser muito valente e muito bem-organizado para conseguir realizar isso. Todos os grupos que realizam ou realizaram isso, de alguma maneira, estão fazendo uma grande coisa.
Qual o espaço e o apoio que os grupos teatrais têm para realizar peças com esse cunho crítico?
Hoje, na verdade, o que acontece: existe uma rede de movimentos e de grupos com espaços ou coletivos que trabalham com teatro de grupo e existe também toda uma batalha por viabilizar nas suas regiões e nos seus estados leis de fomento ao teatro. Inclusive uma lei nacional, que seria um prêmio ao teatro brasileiro para estar privilegiando essa lógica da continuidade, essa lógica de quem permanece fazendo um trabalho a longo tempo porque o espetáculo teatral não é fruto do curto [período]. Esse é o espetáculo de um grupo de teatro, um espetáculo formulado a partir da pesquisa, do tempo de maturação das necessidades do grupo e da forma como ele dialoga com a sua sociedade e com as suas comunidades em torno e como não dialoga também. O Ói Nóis Aqui Traveiz, que tem toda uma articulação em Porto Alegre, o movimento Redemoinho RS, e os grupos de investigação cênica de Porto Alegre conseguiram aprovar esse ano uma lei de fomento ao teatro e à dança de Porto Alegre, que ainda está esperando alguns trâmites. Há possibilidade, de no ano que vem, ter algum tipo de financiamento pensando nessa lógica, que é uma lógica inversa à lógica do capitalismo, do comércio, da questão de que arte é um produto, enquanto que, na verdade, a arte e a cultura são direitos do cidadão. As pessoas têm direito de assistir ao espetáculo. Mas esse é um papel que o Estado não tem desempenhado, ao contrário: uma lei como a Lei Rouanet, que privilegia a questão do marketing empresarial, faz com que o departamento de marketing vá lá e invista naquela produção em que ele mais vai ter retorno de mídia, e na verdade o estado é que tem que decidir que atividades ou que produções culturais têm retorno para a população, têm um interesse público.