“Querem nos criminalizar para frear as mobilizações sociais”
Em entrevista à ONG suíça E-CHANGER, o integrante da coordenação nacional do MST João Paulo Rodrigues falou sobre as denúncias sobre a recente ofensiva da direita brasileira contra os movimentos sociais, apresentadas nesta semana à Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Suíça, e à Organização dos Estados Americanos (OEA), nos Estados Unidos.
Leia abaixo a entrevista, feita pelo jornalista Sergio Ferrari*:
A primeira semana de novembro foi a do início da contra-ofensiva internacional por parte do MST. Primeiro, na segunda-feira (2/11), a denúncia foi apresentada em Genebra a Juan Somavía, Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que a acolheu com grande respeito e preocupação. Quatro dias depois, em Washington, a uma comissão de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
O grito de alarme do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é preciso: “…a repressão aos movimentos sociais, em particular ao MST, expressa o desrespeito à Constituição federal, ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e a manutenção da injustiça nas relações agrárias”.
O porta-voz desta maratona internacional que o levou de Genebra a Washington em poucas horas é João Paulo Rodrigues, membro da Direção Nacional do MST e responsável pelo escritório em São Paulo. A entrevista exclusiva foi realizada depois de sua visita à OIT em Genebra.
Difícil entender de fora a repressão que vivem o MST e outros movimentos sociais e sindicais em um país com um governo democrático. Como se explica esta realidade contraditória?
João Paulo Rodrigues: O MST vive uma situação muito difícil. Porque ao mesmo tempo que temos um governo, o de Lula, que não reprime o movimento social, nos confrontamos com um conjunto de aparatos e instrumentos do Estado brasileiro que continua com a velha prática de reprimir e não aceita que as organizações do movimento popular ou sindical tenham autonomia, tanto na mobilização como na organização de sua base.
Pode dar-nos exemplos precisos desses mecanismos ou instrumentos?
Refiro-me, por exemplo, ao Poder Judiciário e ao Ministério Público, tanto em nível federal como estadual, com poder para investigar e criminalizar os movimentos sociais, sejam urbanos ou rurais. Também o Tribunal de Contas da União (TCU), que é um órgão parlamentar de muito poder. E não podemos esquecer, além disso, de muitos dos principais meios de comunicação, que, a seu modo, criminalizam os movimentos populares.
Sua missão a Genebra e Washington é alertar sobre uma ofensiva contra o MST?
É denunciar em importantes espaços internacionais esta situação preocupante. E promover uma ativa pressão internacional para assegurar, sobretudo, a liberdade de organização dos trabalhadores, tanto do movimento social como dos sindicatos. Fomos muito bem amparados pelos nossos interlocutores em Genebra e pelo Diretor-Geral da OIT.
É importante que nossos movimentos sejam realmente reconhecidos e respeitados pelo Estado brasileiro. Um bom funcionamento da democracia, por mais que esta seja capitalista, burguesa, deve respeitar a livre organização e mobilização dos trabalhadores.
Há alguns anos se falava mais da repressão militar contra o MST e seus militantes. Agora, parece que os métodos são mais jurídicos-institucionais. Ou se combinam formas diferentes de repressão?
No nosso caso, percebemos uma combinação de métodos. Há estados, como São Paulo ou Rio Grande do Sul, onde há uma repressão militar de parte do Estado. Em outros lugares, como Pernambuco e o Pará, o principal instrumento repressivo são as milícias armadas de empresas privadas ligadas ao agronegócio. Nas últimas semanas, outro feito especialmente preocupante é a instalação de uma Comissão Parlamentar, proposta pela bancada ruralista, os grandes fazendeiros, os mais atrasados, para investigar o MST.
O que mais nos preocupa é que esta escalada repressiva se dá mesmo que nós, como movimento, não tenhamos modificado nem radicalizado nossos métodos de luta – apesar de a reforma agrária não ter sido realizada. Nossos inimigos, no entanto, passam à ofensiva. São os banqueiros, os grandes fazendeiros, os que defendem o agronegócio, a bancada ruralista.
Vista do exterior, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) não seria um elemento tão preocupante.
O problema, em nosso caso, é que já é a terceira CPI formada para investigar o MST nos últimos quatro anos. Se transforma em uma espécie de palco ideológico, aproveitado também pelos meios de comunicação, para criminalizar o MST perante a sociedade.
Não tememos que nos investiguem. As duas Comissões anteriores não puderam provar nem um só ato ou ação incompatível com a democracia. Temos 25 anos de existência e nunca puderam acusar-nos de nada antidemocrático. Mas insisto, essa CPI implica um desgaste político ante a sociedade. Parece que o MST deve estar permanentemente demonstrando sua inocência. É evidente que o objetivo não é só desgastar o MST, mas a nossa proposta-reivindicação de Reforma Agrária.
Que relação tem esta ofensiva contra o movimento social nesse momento pré-eleitoral? Pode ser também entendida como um meio de desgastar a base social das forças políticas progressistas?
2010 será ano de eleições, mas também de mobilizações sociais, ocupação de latifúndios improdutivos, de exigência ao Governo para que as terras improdutivas sejam destinadas à reforma agrária etc. E no debate eleitoral serão destacados, no plano político, dois projetos básicos e confrontados, que estão ligados a duas visões ou programas de nação. O dos patrões, dos ruralistas, e o nosso, com uma agricultura familiar, de assentamento. Há estudos que demonstram que nosso modelo é muito mais produtivo e mais econômico, sustentável e ecológico. Nesse sentido, a atual criminalização do movimento social tenta frear as mobilizações sociais, colocar-nos na defensiva.
Impossível finalizar este diálogo sem tentar compreender melhor o papel do presidente Lula nesta situação tão ambígua do Estado para os movimentos sociais…
Esse é o termo: ambigüidade. O governo Lula impulsiona uma política séria de não criminalizar os movimentos sociais, mas peca em não realizar a Reforma Agrária. No Brasil costuma-se dizer: “O governo Lula é nosso amigo, mas é também amigo de nossos inimigos”. O mesmo grupo que propôs a Comissão Parlamentar de Inquérito contra nós está entre os aliados do governo.
Outro elemento importante: o governo Lula investiu R$ 15 trilhões para apoiar a agricultura familiar e de assentamento, o que é um montante considerável. Mas ao mesmo tempo, destina R$ 90 trilhões para os ruralistas. Seis vezes mais! Esperamos que em 2010, último ano de sua gestão, o governo inverta essas prioridades para priorizar as famílias acampadas, que são 90 mil Sem Terra no Brasil.
*Colaboração para a E-CHANGER, ONG suíça de cooperação solidária.