A realidade agrária paraense
A conjuntura política e a luta pela Reforma Agrária no Pará são debatidas por Charles Trocate em entrevista ao blogueiro Ademir Braz.
Ademir Braz: Há uma versão em curso, na região, de que o MST perdeu o controle sobre os integrantes do Movimento, de sorte que foi uma ala dissidente quem invadiu as fazendas e teria destruído as construções, à revelia das lideranças. Há fundamento nisso?
A conjuntura política e a luta pela Reforma Agrária no Pará são debatidas por Charles Trocate em entrevista ao blogueiro Ademir Braz.
Ademir Braz: Há uma versão em curso, na região, de que o MST perdeu o controle sobre os integrantes do Movimento, de sorte que foi uma ala dissidente quem invadiu as fazendas e teria destruído as construções, à revelia das lideranças. Há fundamento nisso?
Charles Trocate – Há vários níveis de confusão que soam como versão “oficialesca”. São análises grosseiras, de uma visão sectária da realidade, sobretudo, quando a proposição diz respeito a uma realidade de anulação das contradições sociais do Estado – perceptíveis, por exemplo, na região através dos inúmeros conflitos emergidos da mesma.
Na imprensa burguesa são corriqueiros estes equívocos. Em uma região de conflitos sociais, não conseguem nem sequer dominar os conceitos essenciais, as terminologias e falam à revelia. Suas afirmações carecem de pesquisa e de investigação. Partem de um “ouvi dizer”, julgam sempre, empobrecendo assim o jornalismo.
Assim, não escrevem noticias, sentenciam julgamentos que premeditam ser corretos. E olha que não merecemos isso, não merecemos um jornalismo tão tacanho com tendências à mediocridade e sem originalidade. É claro que existem uns poucos que tratam a questão com a seriedade que ela merece.
Olhando a cobertura que eles fazem, as objeções que foram feitas por parte da imprensa, vimos que foi de um sensacionalismo exagerado e de discursos apavoradores. Discursos, diga-se de passagem, da direita agrária tardia e dos seus analistas de plantão. Foram feitos para consolidar uma versão: de que perdemos o controle sobre as ações e que há dissidentes no MST. É um recurso em que todos se apóiam, do Judiciário a governos que afirmam defender o “Estado de Direito”. Como se as desigualdades não fossem originárias desse mesmo “Estado de Direito”.
Há anos, estamos nos desenvolvendo nessa região e só não desaparecemos – mesmo sofrendo violência e perseguições de todo tipo -, porque fomos construindo uma cultura de luta permanente e organização social de novo tipo, sabendo que não há nenhuma intervenção do Estado e nem de governos, para solucionar um cotidiano de permanente conflito (realidade um tanto conhecida na maior fronteira agrária e mineral do Brasil).
É mais fácil aceitar que tudo está em disputa, até a concepção de desenvolvimento e, entendemos que a natureza da questão é que se trata de um conflito civilizátorio. O capitalismo se desenvolve na região na sua forma mais atrasada, e quem não entender isso corre o risco de ser devorado por ele; os megainvestimentos não trazem progresso e desenvolvimento como seus bajuladores afirmam, ao contrário, geram uma barbárie nas formas de organização da sociedade.
A tríade do projeto de desenvolvimento capitalista na região é determinada por: a) a aplicação do grande capital (nacional e estrangeiro) na espoliação dos bens da natureza: água, da terra, da floresta e da biodiversidade, b) a precarização do trabalho, pelo baixo uso de ciência e tecnologia, pelo pouco ou nenhum desenvolvimento das forças sociais produtivas, c) a concentração de riquezas, chegando mesmo a ser um monopólio da riqueza frente a pobreza social, e uma crescente marginalização da sociedade, indica que os conflitos se agudizarão. E os governos mais progressistas – cuja tarefa é ir constituindo outros marcos regulatórios proibitivos do saque alienado – aceitam de maneira muito pacífica ser apenas gerentes da vontade sem limite desse capital.
Do outro lado, o que ouvimos sempre é uma direita agrária tardia vociferando; uma direita agrária escravocrata e parasitária dos recursos naturais e dos recursos públicos; uma direita profundamente anti-social e anti-popular, que não consegue analisar o chão que pisa. Esses pensam de maneira muito precária e afirmam todos os dias que são a verdadeira saída dos conflitos do modelo agrário (que se baseiam inclusive em “terras públicas grilada” e, por isso são responsáveis até a medula pelo “caos agrário” e não os movimentos sociais que lutam pela Reforma Agrária).
Sem razão, ostentam que a saída é seguir apenas com o uso da violência de classe, e as estatísticas estão aí: centenas de camponeses assassinados. Proclamam pela intervenção drástica do Estado e a manutenção da ação do Judiciário. Sobre esse último, temos inúmeros questionamentos, em que destacamos que ao invés de eliminar o latifúndio como expressão de uma sociedade atrasada, com tendências a patologias e anomalias, não cumpre nenhuma função civilizátoria. Ao contrário: é ele mesmo o proclamador da exclusão.
A lástima é que até o governo de Ana Júlia operou nas mesmas perspectivas que governos reconhecidamente de direita, de conservadorismo em estado bruto. E fez sem usar a razão, optando pela criminalização já que não podia controlar. Chega a ser profundamente contraditório um governo com esse comportamento seguir afirmando ser “democrático e popular”. A pergunta é: a autonomia do movimento de se organizar e fazer as ações pela realização da Reforma Agrária, como uma alternativa a exclusão social, atrapalha a governabilidade desse governo reconhecidamente moderado? Um governo de pacto social para determinado tipo de desenvolvimento?
Por fim, das ações do MST, há equívocos analíticos por parte direita agrária escravocrata (que quer nos eliminar), do governo atual que não tem política agrária (quando bem deveria ter pelo menos para aquelas organizações que estão dentro do governo), e de uma pseudo intelectualidade, (centrada numa determinada cosmovisão e, não sabe nada da luta política real), de interpretação teórica sobre a gênese e o caráter do MST, sobretudo no Pará, cuja tendência histórica é crescer ainda mais, e sobre as formas de luta e da nossa organização social. Isso explica o porque das fabulações, de toda e qualquer natureza sobre o MST.
Porque você e Maria Raimunda, especificamente, tiveram decretada a prisão? Em razão de quê? Vocês lideraram as ocupações e ordenaram a depredação?
O MST é sujeito coletivo, de deliberação e ação coletiva. Não há espaços para “aventurerismos” e nem para dirigentes que agem por conta própria, isolados da vontade da maioria. No caso das ações que percorreram toda a primeira quinzena de novembro, o que passou foi decidido por aqueles que participaram das ações. Não participamos dessas ações. Maria Raimunda foi a nossa porta voz para os aliados e para a imprensa e eu estava numa atividade de estudos fora do estado.
O pedido de prisão, mesmo antes de apurar os fatos, decorre de uma ingenuidade desse governo e que vai lhe custar muito caro, porque governos (sejam eles das mais distintas matrizes) passam; a sociedade e os movimentos sociais organizados, por mais duros que sejam os golpes recebidos, resistem e permanecem. Mesmo para manter a governabilidade de que tanto esse governo precisa, alguns princípios são inegociáveis, princípios que não são só deles – os que governam atualmente – mas que vêm de uma longa tradição de luta da classe trabalhadora; não nos interresa somente os fatos, mas, sobretudo a classe, a política não é fato, é luta de classes. E esse é o prejuízo desse governo, imaginar que só tem governo, ou mesmo sociedade generalizada e ignorar o antagonismo das classes, que estão em disputa, sobretudo no campo. Ante a retórica subordinada de evocar “o Estado de Direito” como todo mundo faz, a governadora deveria se posicionar sobre as contradições sobre as quais ela foi eleita para resolvê-las (mesmo num tempo histórico de quatro anos), e não decidir sobre uma única verdade: a dela.
A tendência dos governos (e não estou falando unica e exclusivamente desse governo) é que, em qualquer situação (e já vivenciamos isso no Pará em governos anteriores), sob qualquer pretexto, militarizam os conflitos e criminalizam do ponto de vista jurídico e social as ações e os dirigentes das organizações – não importando se são justas ou não as disputas e as reivindicações, o que significa um grave erro, e empobrece a materialidade da política. O que é mais grave é que a gênese do PT vem da histórica luta dos camponeses, que interiorizaram o partido e deram a ele um caráter transformador; embora tenha havido outros setores sociais importantes na formação do PT, não chegaram a ser determinantes na fundação e territorialização do Partido e da garantia da sua força.
Sabe-se, e o Incra tem provado isso, assim como o Iterpa, que de fato há grilagem nas fazendas que estenderam seus limites territoriais para além do que fora permitido pelos títulos de Aforamento ou Enfiteuse, emitidos desde os anos 50 do século passado, a título de autorização de exploração dos castanhais. Por que o governo do Estado se recusa a retomá-los, uma vez que houve desvirtuamento da autorização original, quando os castanhais foram destruidos e transformados em fazendas para a criação de gado?
Houve de certa forma uma naturalização da “grilagem da terra”; soa como um mito e não o é; como algo distante da vida cotidiana e não o é. Sobre essa fórmula secular de se apropriar de terras públicas e outros bens públicos, se assenta hoje o conflito de maior densidade, que cada vez mais ganhará projeções e ambições. E, certamente, se não for resolvido em médio prazo, veremos se desenvolver eventos de caráter mais dramático do que esses do tempo presente, com efeitos ainda mais negativos para a sociedade.
Sob que ótica devemos perceber essa contradição que ninguém se encoraja a resolvê-lo?
Não é verdade que o Estado do Pará é um estado ainda em formação. Seu arcabouço jurídico funciona a todo vapor, ainda que dispersos e atrasados, possui mecanismos jurídicos dispostos, jurisprudência para as mais diversas problemáticas. A pergunta é: porque nunca foi objeto de trabalho daqueles que cuja tarefa é essa mesma, formar a coletividade, nas questões em que o próprio Estado está sendo lesado, como é das terras de origem pública, em esfera estadual e/ou da União?
Para resolver a “questão da grilagem” em escala de simples a complexa, por exemplo, as fazendas que originaram os últimos acontecimentos são áreas identificadas, há inúmeros dados que justificam a desapropriação por parte do Incra e do Iterpa, seja pelo desvirtuamento do uso da terra, seja desflorestamento e outros processos já conhecidos; mas não há decisão política e nem jurídica, por dois motivos: o TJE é muito conservador e atrasado, não vejo um desembargador que mereça o nosso apreço nessa questão e seja capaz de liderar uma frente que dê fim, como denominaram o “caos agrário” do Estado, cujos responsáveis são os que se dizem donos dessas terras, numa afronta permanente a sociedade e não aos movimentos que as reivindicam; e, do outro lado da ponta, o governo é medroso, não tem nenhum plano e desconhece a dimensão do problema, o que dificulta encontrar saídas para os impasses.
Mesmo o esforço de encontrar saídas paliativas tem curta duração, não existe saída para um conflito quando a única deliberação é a permanência da mesma idéia e da mesma prática. O Estado não pode pacificar pela miséria seus cidadãos, porque ninguém suporta a miséria, o abandono e nem se sente obrigado a valorar tal situação como se ela fosse única e exclusiva ou mesmo a grande perspectiva de vida. Mais dias, menos dias, a onda de desobediência civil tornará a chegar e vem de forma radical e organizada, ou mais bruta e sem projeto nenhum. Por isso que assinalei anteriormente, as saídas proclamadas têm curta duração, porque a origem do problema é outra e as resoluções certamente são outras, e não para as que estão postas. “Ou deciframos o enigma ou ele nos devora”.
Grosso modo, o que imaginamos para contribuir no debate foi chegarmos a posições mais avançadas do que as que estão sendo sugeridas, ainda no plano ideal. Que o TJE ao invés de impedir a anulação dos títulos falsos, seja ele o indutor de um novo comportamento, por exemplo, é mais fácil e menos burocrático anular quase seis mil títulos falsos de uma só vez do que anular de um por um, é mais fácil saber, porque haveria questionamentos de qual título é verdadeiro, por parte de quem o detém; junto a isso me parece também coerente dar uma nova política para regulamentar o funcionamento dos cartórios e inibi-los das farsas criadas no sentido do registro territorial de imóveis.
Não sei se o TJE tem coragem de se manifestar em relação a isso. Ou mesmo de tomar uma posição, só sei que é necessário um pacto para a resolução do problema. Junto a isso, há de se fazer um esforço de fazer uma nova regularização fundiária, eliminando a grilagem e dando margem para um plano de Reforma Agrária. É até espantoso pensar que não há terras para um amplo programa de Reforma Agrária (a própria direita agrária do Pará reconhece isso); não podemos fazer uma regularização fundiária apenas para criar uma entidade jurídica para as terras griladas que aparecerão sobre fazendas regularizadas. Junto a isso, deve se colocar o Iterpa sobre outras condições e outras perspectivas, e não engessá-lo com tarefas que não são essenciais para essa conjuntura. E penso que se esse governo e até o Judiciário mudar de rumo na questão agrária seríamos aliados nessa tarefa.
Qualquer governante que olha a realidade sobre o estreito olhar da lei, somente, comete equívoco, e o Pará, um estado agrário, sem nenhum nicho de industrialização, com quase quatro milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, não pode se dar o direito de conservar uma estrutura fundiária, de caráter monopolizado pela burguesia agrária, em vez de indicar como saídas para essas pessoas a Reforma Agrária – não como uma solução de conflito apenas, mas como uma matriz de desenvolvimento político, econômico, social e cultural. Uma Reforma Agrária que, entre outros objetivos, tivesse os trabalhadores como guardiões da biodiversidade.
É verdade que, no começo do seu mandato, o governo Ana Júlia procurou o MST e lhe fez algumas propostas? Quais? Em troca de quê? Com que finalidade? O que ainda espera o MST do governo Ana Júlia?
Primeiramente, temos o maior respeito pelo PT como um partido que buscou ser uma força dirigente na sociedade paraense e que, nesse último período, acumulou força para ganhar as eleições. Isso é um fato. E temos a clara compreensão de que, com a vitória eleitoral, não teríamos um governo de rupturas, de grandes reformas, mas que as disputas inclusive com as forças reacionárias fossem mais avançadas, e que iríamos caminhar de maneira definitiva, de uma relação de passividade e submissão, com aqueles que saqueiam o Pará, para uma relação mais ofensiva – de estabelecer, sobretudo, novos fundamentos para o modelo de desenvolvimento econômico e social do Estado.
Hoje é possível identificar os graves erros desse governo e dessa opção de governabilidade. Primeiramente de querer ser um governo de pacto social, quando as elites não o querem. Segundo, de querer ser um governo de desenvolvimento, sem mudar absolutamente nada na ordem de prioridade e na forma de construção e divisão da riqueza. Sabemos que as dificuldades são muitas. A primeira delas é que existe uma direita agrária e partidária (não temos uma direita industrial), são chantagistas de primeira qualidade e operam isso de maneira magnífica para obter diversas concessões. É um erro querer governar assim priorizando somente os partidos, sobre a conveniência de ser um governo moderado, esse modelo de governabilidade é da direita, um governo com ampla maioria do PT deveria a todo custo buscar uma governabilidade com a sociedade, com os que também estão organizados na sociedade, não lhes fazendo seguidores cegos.
Em relação ao MST, nos reunimos poucas vezes e em momentos muito tensos, nunca fomos chamados como parceiros e para parcerias prioritárias, muitas são as razões. Mas nunca nos importamos com essa posição do governo em relação ao MST. Mas, mesmo nesses momentos, deixamos claro de que não negociamos nossos princípios e nossas formas de luta.
Partimos do princípio de que, em qualquer governo, sejam eles de caráter conservador ou progressista, o papel do movimento e das organizações sociais é sempre manter autonomia política e apresentar suas reivindicações. E a função do governo é dizer em que nível pode atendê-la, para resolver os problemas concretos do povo. Só não pode cair no simplismo de dizer que não pode atendê-la em nada. Isso traz também contradições que se acumulam.
Com isso quero dizer que a pauta que apresentamos nas nossas jornadas sempre foi rebaixada, não foi atendida naqueles elementos que seriam básicos para nós: terra (em alguns casos desapropriação, em outros apenas regularização onde já está constatado terra publica), programas do Iterpa, infra-estrutura e licença ambiental para os Assentamentos já criados. Digamos por dois motivos básicos não fomos atendidos: esse governo não que fazer alianças políticas, programática com a luta política entorno de bandeiras civilizatórias, como enfrentar o latifúndio e mesmo o capital, quer fazer alianças eleitorais, segundo, porque, nós do MST, nem hoje e nem amanhã, vamos nos tornar correia de transmissão deste ou de qualquer outro governo, em especial para uma política de Reforma Agrária que não existe.
Se o MST tem algum papel nesse governo, para além do que já fazemos na luta social, se podemos ser aliados, o que nunca descartamos, mesmo sendo um governo de composição, não estamos dispostos a influir no lado moderado, nem na perspectiva democrática e popular, na produção de harmonias, vias políticas públicas de baixo valor político, moral e econômico, que nada altera. Também não estamos reivindicando uma revolução social, só que os atuais marcos estão refratários, bem abaixo do que é possível, e o que possível, só vem se enfrentarmos, o “Estado Econômico”, os megainvestimentos e suas chantagens, que dirigem e sequestram o “Estado Político”. Veja agora, por exemplo, o caso da Vale em Marabá, quer isenção de ISS da prefeitura. O que já falamos é que, se esse governo entrar numa outra rota, o que tiver de progressista no governo, podem contar conosco.
E falamos isso sabendo que não somos nem força numérica e nem principal no campo e nem na sociedade. Mas também não somos inimigos do governo Ana Júlia, ainda existe uma margem de diálogo, e os quadros do governo precisam preservar isso. Se as reações do governo continuarem como a última em novembro agora, essa possibilidade pode se esgotar.
O que o MST espera desse Mutirão agrário, que trouxe até o ministro “Gilmar Dantas” a Marabá, onde nada disse nem deixou dizerem os movimentos sociais?
Não esperamos nada. O Gilmar Mendes é uma farsa e o mutirão é um esforço para nada resolver. Pois buscará solucionar os conflitos por uma lógica já fracassada. A pauta agrária no Pará nesse momento não é de conciliação, como quer o mutirão, é de anular os títulos falsos, que em menor ou maior proporção, para serem contemplados precisariam de dois territórios paraenses – tamanha é a ficção dos que se dizem proprietários.
Seria, ao invés de ter como único e exclusivo foco os despejos, construir, usar todo esse esforço, esses recursos, num plano imediato de criação de projetos de assentamentos. O MST não vai sair das áreas ocupadas sob nenhuma hipótese, não há justificativas para despejos. E mais uma vez, se o governo quiser resolver a situação, terá que operar numa outra margem, a de criar os assentamentos imediatos. Caso contrário terá que fazer a polícia de vigia, de todas essas fazendas irregulares. Isso realmente seria muito vergonhoso.
Quanto ao “Gilmar Dantas”, todo mundo sabe que ele é o lider da direita ideológica, e se transformou no porta-voz do que tem de mais reacionário na sociedade.
Só veio à região a pedido do Banqueiro Daniel Dantas pra demonstrar que está solidário aos outros fazendeiros, só isso! Por que outro interesse iria ao Pará? A abertura dos trabalhos já foi suficientemente clara sobre que plataforma iria trabalhar uma pauta muito nebulosa, que não arranca aplausos e nem aliados. A única ressalva que faço é que há muitas pessoas envolvidas nesse processo, que teriam condições de levar o mutirão para outras perspectivas que não essa.
Além do mais, nessa conjuntura ele expressa a arrogância do Judiciário brasileiro. E são bem conhecidas as posições dele sobre os movimentos sociais, além do mais pensa com a cabeça de fazendeiro. Não há aliança mais perniciosa do que esse “quatrilho” Gilmar Dantas, Daniel Dantas, Kátia Abreu, e Ronaldo Caiado e seus sósias no Pará, como Carlos Xavier e outros mais.
E muito mais do que a crítica que fazem a nós do MST, de sermos radicais e incontroláveis, nunca fizemos um pedido formal em qualquer tribunal para interromper ou desestabilizar o governo Ana Júlia, assim como fizeram os ruralistas e seus parlamentares. Ao contrário, nós queremos é que esse governo dê certo, sobretudo na Reforma Agrária. O que está longe de acontecer, pois a militarização dos conflitos não é a saída.
Como estão hoje os assentamentos que o MST coordena há muitos anos? Que tipo de sustentabilidade já foi alcançada? Há apoio oficial neste sentido? Há escolas, vicinais, assistência técnica, transporte de produção, financiamento?
Primeiro, não aceitamos aquela Reforma Agrária apenas distributiva de terra, que nós chamamos de clássica e, que foi aplicada na região, sobretudo nas décadas de oitenta e noventa. Uma política apenas de distribuir terra. Eliminava o latifúndio, sempre com muita luta, nunca por um maior poder do Estado de intervir, via seus órgãos e etc…
De antemão é bom dizer que nem em outros governos como nesse atual (governo federal), a Reforma Agrária ganhou estatus de programa de desenvolvimento; sempre ficou nessa perspectiva de apenas resolver os conflitos a partir de onde eles são gerados. É nesse ambiente que tanto os nossos assentamentos como os das outras organizações surgiram enfrentando uma situação de marginalização, sobretudo oficial. A política agrícola do governo não é para os assentamentos de Reforma Agrária e nem para os pequenos agricultores, e sim para o agronegócio.
Com isso, quero dizer que dependendo da força política de cada organização e a importância das suas lutas, temos em maior ou em menor grau assentamentos estruturados, mais ainda sofrendo de problemas de infra-estrutura social e, sobretudo, de apoio para a produção. Diria que em meio à miséria brutal, a barbárie social de todo o Pará, onde as pesquisas revelam, mais da metade da população são pobres, os assentamentos conquistados, com todos os seus problemas, cumprem uma função civilizatória.
Temos feito um esforço para combinar de maneira constante a construção dos assentamentos a partir de vários aspectos, cada qual com a sua importância. Que apenas por uma visão produtivista as forças contrárias à Reforma Agrária utilizam em seus discursos e preconceitos para dizer que os assentamentos não produzem, são “favelas rurais” ou “bolsões de pobreza”. Esquecendo eles ou por ignorância mesmo, não podem fazer uma crítica mais politizada, rebaixam o conceito de Reforma Agrária e de assentamentos e comunidades no campo.
Nos assentamentos que o MST organiza no Pará, como disse anteriormente, temos feito um esforço de combinar a luta pela terra e criação do projeto de assentamento com organização da produção (em alguns casos estamos fazendo uma conversão do pasto para uma agricultura diversificada) que quer dizer, mudança na matriz produtiva, produção de alimentos com criação de pequenos animais, e sobretudo, ainda que organizados de maneira tradicional uma nova preocupação com os ecossistemas e a biodiversidade, tudo isso, não que funcione de maneira perfeita, combinando com formação e educação, toda essa combinação para gerar uma nova renda da agricultura, sobretudo para a juventude. Pesquisas recentes, da UFPA, Campus de Marabá, dão conta que a maior porcentagem da juventude que se encontra no campo hoje, estão nos assentamentos e acampamentos do MST.
Por fim, sem querer fazer especificações e nem generalizações, sem demasia os assentamentos organizados pelo MST-PA cumprem a função para qual foram criados, e só foram criados com a luta permanente, e diante da barbárie do latifúndio, os assentamentos cumpre uma função civilizatória, na organização das novas comunidades humanas, na vida social, política, econômica e cultural, numa região tão marcada pelo oportunismo sem piedade, sobretudo de uma tardia classe dominante. Seria o caso de citar, que a maior escola do Campo no Brasil é no assentamento Palmares, uma luta que já se vão quinze anos, atualmente, sobre o lema “Todos Sem Terra Estudando”, o assentamento é livre do analfabetismo, estudam na escola diariamente mais de 1.600 estudantes. Assim também como em nenhuma área de ocupação, a qual a justiça quer despejar, não existe uma só criança fora da escola.
Como o MST viu a prisão dos envolvidos em desvio de recursos do Pronaf pela quadrilha desbaratada parcialmente em Itupiranga e cujos cabeças já foram liberados da cadeia pela Justiça?
A Reforma Agrária é um tema político da mais alta relevância tanto do ponto de vista histórico como conjuntural, os conflitos na sociedade paraense, os atuais e os que iremos viver terão como tema central essa questão.
Por isso, não deixa de ser penoso, no momento que estamos fazendo uma luta significativa pela Reforma Agrária, junto à sociedade pelo fim da criminalização dos movimentos sociais. É mais um cartucho do forte fogo cruzado da mídia ideológica, o que Paulo Henrique Amorim chama de PIG (partido da imprensa golpista); onde os dois maiores associados no Pará, são o Jornal Liberal e o Diário do Pará, e alguns jornais do interior, utilizam esse acontecimento de caráter inescrupuloso para enfraquecer a dinâmica da luta, sobretudo a organização dos assentamentos.
Penso que qualquer máfia, as da direita e as da pseudo-esquerda devem ser neutralizadas pela Justiça. Eventos dessa natureza criam prejuízos enormes, que devem inclusive ser respondidos politicamente por quem está envolvido. Não sabia da liberdade deles, mas penso que tanto no caso deles como de outros aí, na região, onde são visíveis os danos causados, o Judiciário tem sido um tanto complacente, já não sei mais a regra que vale. É esperar.
Qual as perspectivas do MST para 2010, ano de eleições gerais e que, em regra, os governantes praticamente abandonam suas atividades para correr atrás de sua reeleição e permanência no poder?
Para a sociedade e em especial para a luta social é um ano amorfo, os horizontes eleitorais em 2010 são muito tímidos. Ainda estamos debatendo como nos comportar, mas visões dos cenários que se apresentam já são sentidos, tanto no plano geral como no Estado. Há uma tendência, tanto aqui no Pará como a nível nacional da “endireitização” do voto, com pouco crescimento dos partidos de esquerda, inclusive do PT.
As eleições não são nessa conjuntura nossa tarefa principal, mas não podemos deixar que as eleições transformem-se apenas numa disputa inter-burguesa no sentido de que as classes dominantes saiam vitoriosas, seja pelo rebaixamento do programa da esquerda ou pela ofensiva contra os direitos sociais por parte da direita, que buscará sempre se encastelar no congresso nacional e nos palácios estaduais de onde ela dirige seu ideário de sociedade.