Duas visões sobre os índices de produtividade

Do Canal Rural

Do Canal Rural

Eles são colegas de ministério no governo federal, tomam decisões que influenciam diretamente os rumos da produção no campo, mas com frequência mantêm posições antagônicas. Os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, receberam o Canal Rural para duas entrevistas distintas, na qual fizeram um balanço de suas atividades em 2009. Em ambas, ressurgiu a polêmica tentativa de atualização dos índices de produtividade, principal critério para desapropriação de fazendas para reforma agrária. Stephanes defende a abolição do mecanismo. Cassel quer indicadores ainda mais rigorosos. Os índices atuais foram fixados em 1980, com base no censo agropecuário de 1975. A seguir, eles defendem seus pontos de vista no maior conflito entre os dois ministérios no ano que está se encerrando.

DANIELA CASTRO | Brasília

EM LADOS OPOSTOS

“Espero que os índices sejam atualizados o quanto antes”
Guilherme Cassel, ministro do Desenvolvimento Agrário

Pergunta – Por que os índices de produtividade não foram atualizados neste ano como o senhor queria?

Guilherme Cassel – Eu espero que eles sejam atualizados o quanto antes. Tivemos um conjunto de problemas no final do ano. O ministro da Agricultura tinha restrições e, no meio disso, houve problemas com o MST, que acabou gerando uma CPI. Tudo isso criou um ambiente desfavorável. Espero que, no começo de 2010, a gente consiga encaminhar esse tema de uma vez por todas. Já está cansando todo mundo.

Pergunta – Qual sua avaliação sobre o censo agropecuário do IBGE que divulgou a radiografia dos assentamentos rurais?

Cassel – São resultados que orgulham o país. O censo foi feito depois de 10 anos e mostra que o Brasil tem uma agricultura dinâmica, uma das mais potentes do mundo. Dentro dessa agricultura há dois segmentos. As grandes extensões de terra, produção de soja, cana, a chamada agricultura empresarial. E a agricultura familiar, que nunca teve sua vitalidade medida. O censo mostra uma agricultura familiar muito produtiva. Estamos falando de 4,3 milhões de famílias, que ocupam 24% de toda a área agricultável. A renda gerada na agricultura familiar é de R$ 677 hectare/ano ante R$ 358 da agricultura tradicional. Ou seja, é 89% mais produtiva do que a tradicional.

Pergunta – Mas uma pesquisa encomendada pela Confederação da Agricultura indicou exatamente o contrário, que os assentamentos não seriam produtivos.

Cassel – No Brasil, temos discussões sem pé nem cabeça. Um mês após o resultado do censo, feito pelo IBGE durante dois anos e realizado em quase todos os assentamentos, a CNA contratou o Ibope para fazer uma pesquisa a fim de contestar os dados do IBGE. Mas eles foram em apenas nove assentamentos e disso tiraram conclusões. Porém, no Brasil, existem 3,86 mil assentamentos. É o tipo de pesquisa para confundir e não informar. Existem assentamentos que produzem muito e os que são fracos no quesito produção. Assim como existem grandes propriedades que funcionam bem e outras que trabalham mal e produzem pouco

“Deveríamos abolir os índices de produtividade”
Reinhold Stephanes, ministro da Agricultura

Pergunta – O senhor saiu vitorioso na queda de braço com o Ministério do Desenvolvimento Agrário ao conseguir evitar os novos índices de produtividade?

Reinhold Stephanes – Não há ganhador ou perdedor. Tem de haver racionalidade. Não existem índices de produtividade para a atividade humana em nenhum lugar do mundo. Porém, aqui no Brasil temos para a agricultura. A maneira com que os índices foram previstos não tem formulação técnica adequada. Nós utilizamos só espaço e não levamos em conta se há mercado e preço, não dando oportunidade ao produtor de analisar o que é lucrativo ou não. Os critérios não estão corretos. Temos uma questão emblemática: a pressão parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Nós deveríamos abolir a existência desses índices de produtividade.

Pergunta – Por que o decreto adiando a entrada em vigor das novas regras do Código Florestal só saiu no último dia para os produtores se adequarem?

Stephanes – O Ministério da Agricultura não age sozinho. Dependíamos de outras áreas para uma tomada de decisão conjunta do governo. O que se esperava era a mudança de alguns itens do Código Florestal. Como não deu tempo de aprovar uma nova lei, o governo prorrogou o prazo para junho de 2011. Iremos retomar em janeiro as discussões dos principais itens.

Pergunta – Então o governo pode encaminhar ao Congresso, em janeiro, uma proposta de alteração do Código Florestal?

Stephanes – Ainda não sei qual será o instrumento jurídico. Algumas medidas são mais urgentes, como a defesa da permanência do plantio em topo de morro de encostas e de várzeas nas áreas já consolidadas há 50, cem anos. Também defendo que os produtores de extensões menores possam somar à reserva legal a recomposição de beira de rio. Ainda é importante permitir que os produtores possam, ao reflorestar, plantar 50% dessa área com matas comerciais. Além disso, há a necessidade de compensação fora do Estado ou da bacia, que é o caso típico do Rio Grande do Sul. Por último, é preciso encontrar uma solução para a recuperação das áreas de florestas às beiras de rios e de riachos. Temos de encontrar uma fórmula para contemplar estas questões