O Editor Amnésico
Por Wellington Emiliano Morais*
A cada dia, a sociedade brasileira se entorpece mais com os desserviços que algumas empresas de comunicação promovem. Os seus conteúdos parecem não estar relacionados entre si, tudo é organizado com a intencionalidade de não haver conexão, soltos, prontos para serem consumidos pelos indivíduos que os tem em mãos.
Os indivíduos que consomem esse produto entram em estado de anestesiamento perante a realidade que os confronta, tendo apenas sentimentos melancólicos com o mundo em sua volta.
Essa capacidade de transpor os homens e mulheres ao concreto aparente vem na roupagem de imparcialidade dos fatos e acontecimentos que compõem as páginas dos periódicos e dos jornais televisivos. Numa “imparcialidade parcial”, e com uma definição clara de classe, destina todos seus esforços ao trabalho de educar as massas aos ditames burgueses.
Atrelada a essa parcialidade que define a função social destes meios, surgiu também uma espécie de “amnésia aguda tendenciosa”, provocada pela imparcialidade dita, que não permite a compreensão dos fatos e acontecimentos tal como são.
Estes surtos amnésicos têm problemas gravíssimos para a sociedade. Acompanhemos:
Tempos atrás, uma terra da União grilada pela Empresa Cutrale foi ocupada pelo MST com o objetivo de denunciar o crime e o uso abusivo de venenos nas árvores de laranjas. As empresas de informação lançaram seu veneno misturado com insanidade sobre aqueles ocupantes, fazendo transparecer que sucatas que estavam na mecânica e ferro velho da fazenda foram máquinas danificadas ou destruídas pelos Sem Terra – estes que, munidos apenas de foices e enxadas, queriam apenas espaço para poder produzir o necessário para o consumo humano. Enxadas e foices, instrumentos primitivos de uso no trabalho rural, são tomados como armas por aqueles que ignoram a pobreza no Brasil.
Nas Gerais de Guimarães Rosa, o Jornal Estado de Minas demonstrou da forma mais imprudente a sua faceta corrupta . Atacado por um surto amnésico no último dia 3/3, se impacta com a “descoberta” de que na capital mineira, em pleno século XXI, existem trabalhadores Sem Teto, e afirma que estes transtornam a vida política da ilustre cidade.
O que não foi dito a este difamador (jornal Estado de Minas) é que este ‘fantasma’ que ronda a capital e que responde por um singelo nome de Dandara é apenas a manifestação da repulsiva política habitacional, ou melhor dizendo, a falta de uma política habitacional por parte da prefeitura do condado de Belo Horizonte – que no seu horizonte mescla a cinza das fábricas e os barracões de zinco dos seus operários.
O adorado periódico mineiro esbalda titubeações em torno do recém ocorrido, mas o que ele não sabe é que esse fantasma não é novo.
Passado quase um ano de ocupação, ocorrida em abril de 2009, com a participação de vários movimentos urbanos e rurais e com o apoio da sociedade, o jornal assume a tarefa inglória de questionar a legalidade da ocupação, que conta com mais de 887 famílias.
O periódico alega que a ocupação emperra o processo de construção de moradias populares pela prefeitura através do programa federal “Minha casa, minha vida”. Como se explica? Áreas públicas destinadas à construção de moradias populares de um programa público não podem ser ocupadas por Sem Teto? Se de fato essa é intenção da prefeitura, maiores motivos ela tem agora para realizá-lo.
Ali naquela ocupação, senhores editores, existem homens e mulheres, famílias que viviam em encostas e em áreas de risco. Se as Brigadas Populares e o MST, em parceria com os movimentos pela moradia, comunidades religiosas e outros movimentos, não tivessem resgatado essas pessoas para a ocupação, com certeza os periódicos estariam trazendo em suas colunas fotos de seus corpos soterrados pelos deslizamentos de terras, provocados pela penúria de suas moradias nas favelas.
O que sabemos, e a sociedade também sabe, é que vocês, senhores, são lacaios da burguesia, e que se emaranham aos interesses da burguesia mineira; atacam-nos no intuito de construir no imaginário da sociedade um tipo de transtorno com a ocupação que não existe, ocultando com isso o verdadeiro interesse – que é destinar aqueles quase 400 mil metros quadrados de terras para as empresas de construção.
Temos muitos elementos que justificam a permanência daquelas famílias naquele local: o apoio a da sociedade, o trabalho social que eles prestam para os belo-horizontinos, o embargo à liminar de despejo deferida contra eles, o enorme contingente de sem teto que está às margens da capital, entre outros.
Nós, do MST, fazemos parte e apoiamos incontestavelmente essa ocupação. Nós a consideramos legítima e legal. O jornal Estado de Minas se equivoca quando relaciona o MST como único agente desta ocupação, pois sua realização só foi possível com a parceria do movimento com as Brigadas Populares e com o apoio de tantos outros movimentos.
Nós faremos o que for possível para mantê-la, ela é parte integral de nossa luta contra a injustiça nesse nosso Gerais.
* Da direção estadual do MST de Minas Gerais