O MST e a ocupação de terras
Por João Pedro Stedile
MENSAGEM DE JOÃO PEDRO STEDILE AO BLOG DE LUIS NASSIF
Estimado Luis Nassif,
Tenho lido com alguma frequência seus artigos e cumprimento por sua clareza, determinação e coragem. Vi um comentário recente (em http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2010/03/28/sobre-manifestacoes-e-estrategias-politicas/ ), que faz referência a declarações que eu teria dado ao Zero Hora, de Porto Alegre, fazendo uma suposta autocrítica sobre as ocupações de terra.
Infelizmente, o jornalista charlatão me fez uma longa entrevista de mais de uma hora, e depois editou de acordo com os interesses de seus patrões. Mas gostaria de esclarecer o sentido das minhas respostas para você e seus leitores.
No atual período histórico, disse e reafirmo, não está mais em disputa apenas os interesses dos pobres sem-terra e dos latifundiários, que se apropriaram de grandes extensões de terras públicas mantidas ociosas como reserva de valor.
Estamos num novo período histórico, determinado pelo avanço do capitalismo internacional e financeiro sobre a agricultura brasileira, que leva a uma disputa entre dois projetos socioeconômicos para organizar a produção agrícola.
De um lado, os latifundiários “modernizados” (em geral, propriedades acima de 500 hectares), que construíram uma aliança com as empresas transnacionais, fornecedoras de insumos, sementes e compradoras da produção. Dessa forma, impõem o preço e controlam o mercado externo, a quem se destinam as chamadas commodities.
Esse modelo se chama de agronegócio, que se caracteriza pela necessidade de concentrar a propriedade da terra para aumentar cada vez mais a sua escala.
Expulsa o povo do interior para as grandes cidades, porque não oferece oportunidades de trabalho suficientes aos trabalhadores rurais.
É agressor do ambiente, pois o monocultivo destrói todas as outras formas de vida vegetal e animal, e só consegue produzir com elevado uso de venenos agrícolas. Daí porque o Brasil se transformou no maior consumidor mundial de agrotóxicos do mundo – que são, aliás, produzidos por empresas transnacionais.
Do outro lado, temos a agricultura familiar, que prioriza o mercado interno, com a produção de alimentos sadios, por meio de práticas agrícolas em equilíbrio com a natureza, com agricultura diversificada e que demanda muita mão-de-obra.
No outro ciclo histórico, a ocupação de terras era a principal forma de luta. Era suficiente para enfrentar o latifúndio e abrir um processo de democratização da propriedade da terra. E foi com essa prática que o MST nasceu.
Agora a ocupação de terras é insuficiente para enfrentar o modelo do agronegócio. Por isso, além das ocupações, o MST deve desenvolver novas formas de luta, que envolvam todos os camponeses e outros setores da sociedade interessados em mudar esse modelo de exploração agrícola, que agride o ambiente e produz alimentos contaminados.
Ou seja, nas regiões do país em que ainda existem muitos latifúndios improdutivos e trabalhadores sem-terra, certamente a ocupação continuará sendo a principal forma de luta – que vem acontecendo, inclusive, independente da existência do MST -, implementada por diversos movimentos sociais ou como reação à pobreza de comunidades rurais.
No geral, além das ocupações, devemos desenvolver novas formas de luta, para conscientizar a sociedade das perversidades do agronegócio e suas consequências para o nosso povo e para toda a sociedade.
Certo de sua atenção, receba um forte abraço.
Joao Pedro Stedile
Coordenação Nacional do MST