Paraná tem terra para todos os acampados, diz Incra

Da Gazeta do Povo A Constituição brasileira determina que as terras públicas devem ser destinadas prioritariamente à reforma agrária. No Paraná, porém, essa determinação nem sempre pode ser cumprida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Terras da União que estão nas mãos de particulares irregularmente são um entrave à solução do problema.

Da Gazeta do Povo

A Constituição brasileira determina que as terras públicas devem ser destinadas prioritariamente à reforma agrária.

No Paraná, porém, essa determinação nem sempre pode ser cumprida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Terras da União que estão nas mãos de particulares irregularmente são um entrave à solução do problema.

Estimativas feitas pelo Incra mostram que, se um pequeno porcentual – menos de 1% – dessas terras públicas fosse destinado à reforma agrária, elas seriam o suficiente para assentar todas as 6,5 mil famílias acampadas no estado, zerando a fila no Paraná.

De acordo com o Incra, o problema tem duas origens: terras que foram ocupadas irregularmente no passado e títulos concedidos de forma irregular. O segundo caso é o mais expressivo e data das décadas de 50 e 60, quando o governo do estado passou a emitir títulos de propriedade de terra irregularmente, desrespeitando uma competência da União.

Estima-se que hoje existam 35 mil pedidos de ratificação a serem feitos pelo Incra, solicitando que o título concedido pelo governo do estado seja reconhecido como válido pela União.

“O título originário concedido pelo estado não tem valor”, explica a procuradora regional do Incra, Josely Aparecida Trevisan Masssuqueto. Calcula-se que estes pedidos de ratificação refiram-se a aproximadamente 20 mil áreas que, juntas, somam nada menos que 500 mil hectares de áreas localizadas em 139 municípios do Paraná.

Dessas, cerca de 97,1% referem-se a pequenas e médias propriedades, que não devem ser objeto de reforma agrária. Com a documentação correta, a tendência nesses casos é a regularização fundiária. “Caminhamos sempre com a hipótese da regularização, num processo com ampla defesa e contraditório”, diz o superintendente regional do Incra, Nilton Bezerra Guedes.

Apenas os 2,9% restantes dos pedidos de ratificação seriam de grandes propriedades, com mais de 270 hectares. Estas são justamente o alvo do Incra.

Para que os particulares não percam o direito à terra, além da documentação correta, precisam provar que a propriedade cumpre a sua função social, com a produção de alimentos, por exemplo.

Cálculos feitos pelo Incra, com exclusividade, a pedido da Gazeta do Povo, mostram que 1.048 propriedades no Paraná pertencem originariamente à União e são maiores do que 270 hectares: na média, têm 400 hectares.

Se ao menos 20% dessas grandes áreas (0,6% do total de áreas em disputa) não cumprirem a função social ou não tiverem documentação correta, já poderiam ser arrecadadas terras suficientes para assentar todas as famílias acampadas do estado – as análises de quantas efetivamente não cumprem os requisitos ainda estão em andamento.

Esse cálculo não leva em conta ainda as áreas que já receberam o parecer pela não ratificação pelo Incra e, hoje, se encontram em litígio na Justiça. O órgão não sabe estimar quantas áreas do Paraná nesta situação já estão na Justiça.

O ouvidor agrário do Incra, Vinícius Gessolo Oliveira, ressalta, porém, que essas áreas costumam ser palco de conflito no campo. “Os trabalhadores rurais sabem que aquela terra pertence à União, mas que está na mão de particular. A falta de concretização dos assentamentos prejudica a paz no campo”, explica.

Para piorar essa situação, esses litígios costumam levar anos para serem resolvidos. E, sem uma decisão final da Justiça, não é possível destinar a terra à reforma agrária e iniciar a implantação de um assentamento. “É uma matéria muito complexa e há dificuldade de se decidir. Discute-se a origem das terras desde a descoberta do Brasil”, explica Josely.

Outro problema é o conflito de competência entre Justiça estadual e Justiça Federal. “A competência para julgar esses casos é da Justiça Federal, mas o particular procura a Justiça estadual, que costuma dar decisões divergentes. A Justiça estadual não avalia de quem é o domínio, mas de quem é a melhor posse”, afirma a procuradora. “O particular acaba levando vantagem no início. Leva mais tempo até revertemos a decisão”, diz.

Ruralistas

Para os representantes dos ruralistas, no entanto, há um problema adicional a ser resolvido. “A má qualidade dos registros de terra obriga qualquer um a ser cauteloso na hora de afirmar se uma terra é particular ou pública”, afirma Alexandre Kireeff, ex-presidente da Sociedade Rural do Paraná.

“Desconheço esse levantamento do Incra, mas sabemos que realmente há muita disputa entre particulares e poder público pela posse de terras. Claro que, se no fim do processo ficar determinado que a terra é pública, é o poder público que deve determinar o seu uso”.