Câmara recebe 280 mil assinaturas contra trabalho escravo

Por Maurício Hashizume*
Da Repórter Brasil

O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), recebeu, nesta quarta-feira (26), mais de 280 mil assinaturas do abaixo-assinado de apoio à aprovação imediata do confisco de terras de escravagistas.

Por Maurício Hashizume*
Da Repórter Brasil

O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), recebeu, nesta quarta-feira (26), mais de 280 mil assinaturas do abaixo-assinado de apoio à aprovação imediata do confisco de terras de escravagistas.

A expropriação está prevista na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que permanece estacionada, desde agosto de 2004, à espera de votação em segundo turno no Plenário da Câmara dos Deputados. A proposta já foi aprovada no Senado Federal e passou em primeiro turno no próprio Plenário da Câmara.

Na prática, o conteúdo do que prevê a PEC 438/2001 – assinada oficialmente pelo senador Ademir Andrade (PSB-PA), mas na qual está apensada a proposição pioneira no mesmo sentido apresentada pelo deputado federal Paulo Rocha (PT-PA) em 1995 – tramita há exatos 15 anos no Congresso Nacional.

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Michel Temer (ao centro) declarou que atuará para colocar a emenda em votação (Foto: Camille Burgat)


Os ministros Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e Carlos Lupi (Trabalho) estiveram presentes na entrega das centenas de milhares de adesões, bem como os senadores José Nery (PSol-PA) e Eduardo Suplicy (PT-SP) e os deputados federais Chico Alencar (PSol-RJ), Luciana Genro (PSol-RS) e Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), entre outros congressistas.

Também acompanharam a comitiva que esteve com o presidente da Câmara os atores Wagner Moura e Sérgio Mamberti e representantes de organizações sociais como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH), de Açailândia (MA).

No ato de entrega que fez parte da programação do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, Michel Temer afirmou aos presentes que atuará para colocar a proposta em votação e citará a emenda na próxima reunião do Colégio de Líderes da Câmara, que define a pauta final do pleno. Pediu ainda ajuda da sociedade civil e dos outros parlamentares no convencimento dos deputados federais. Levantamento realizado pela Repórter Brasil em março deste ano mostrou a escassa disposição, entre os principais líderes da Casa, de levar a matéria adiante.

Mais de 180 mil assinaturas foram
entregues ao presidente da Câmara
(Foto: Leonardo Sakamoto)

Posição ruralista
A proposta de confisco de terras de escravagista para a reforma agrária esteve no centro do debate sobre “O Papel do Congresso Nacional no Combate ao Trabalho Escravo”, realizada na tarde desta quarta-feira (26) como parte do Encontro Nacional, no Auditório Juscelino Kubitschek da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Representante da bancada ruralista no Congresso Nacional, o deputado federal Moreira Mendes (PPS-RO) repetiu os argumentos do principal grupo parlamentar que se opõe à proposta. Segundo ele, as fiscalizações trabalhistas continuam utilizando critérios subjetivos para a caracterização do trabalho escravo.

O parlamentar também insistiu na tese de que a expropriação das propriedades de escravagistas contraria o devido processo legal, ferindo o direito de defesa e o princípio do contraditório. Para ele, seria mais adequado que punições como a perda da terra viessem apenas após decisões judiciais de última instância.

Proprietário rural, o parlamentar reproduziu o discurso dos fazendeiros que se deslocaram para as fronteiras de expansão da Amazônia (onde, segundo ele, não havia “nada”) e ajudaram a produzir “riqueza” por meio da agropecuária.

A ameaça à propriedade privada e o risco de reflexos negativos para a produção (e acumulação econômicas) do agronegócio foram repisadas pelo representante ruralista, que lamentou não ter tido tempo para reunir materiais que pudessem sustentar com mais consistência o seu ponto de vista. Moreira disse estar disposto a discutir a questão com profundidade e acusou os apoiadores da PEC 438/2001 de “levar uma coisa pronta” que é objeto de “resistências” entre membros da Câmara.

“Da forma como está, dificilmente a PEC [do Trabalho Escravo] vai para segundo turno”, reafirmou abertamente. Quando a palavra foi franqueada para manifestações dos participantes, o padre espanhol Josep Iborra Plans, que faz parte da CPT e vive desde 1993 em Rondônia, condenou a aguda concentração de terras no estado, sublinhou os impactos socioambientais ligados à pecuária e denunciou o desembaraço de fazendeiros escravagistas com mais de 80 mil cabeças de gado que se orgulham de não assinar carteira de trabalho de ninguém.

Deputado Moreira Mendes (PPS-RO) insiste na tese
ruralista de subjetividade da escravidão (Foto: MH)

Moreira Mendes contestou dados de concentração fundiária e rebateu as palavras do padre conhecido como “Zezinho” com o argumento de que se trata de uma “visão ideológica”, que é contra a “produção de Rondônia”.

Depois de afirmar que ser dono de 80 mil bois não é “uma coisa ruim” e de reclamar da estigmatização do produtor rural, ele buscou desqualificar o interlocutor com a suposição de que se o padre trabalhasse talvez também pudesse ter a mesma quantidade de gado.

Nesse momento, pessoas da plateia reagiram e, logo em seguida, o deputado ruralista anunciou que deixaria o encontro por conta de outros compomissos.

Integrante da mesa de debate sobre as possíveis contribuições do Parlamento, o senador José Nery (PSol-PA) defendeu a objetividade das situações extremas e concretas em que se dão as libertações e lembrou que o próprio mercado tende a rejeitar cada vez mais qualquer ligação de produtos ligados à exploração de mão de obra escrava. “Precisamos instaurar um diálogo sincero, honesto e urgente [sobre o tema no Congresso]”, recomendou.

“Se são poucos os escravagistas, por que não punir essa minoria?”, indagou José Nery, antes de condenar a inexistência de uma “legislação forte e coercitiva” para punir empregadores flagrados cometendo o crime. “Esses ecravagistas não podem continuar emporcalhando o nome do país”, emendou.

O senador clamou pela continuidade de coleta de assinaturas em apoio à PEC do Trabalho Escravo – definida por ele como “Segunda Lei Áurea” -, o aumento da pressão sobre as liderenças da Câmara e a continuidade das cobranças relativas ao tema durante o processo eleitoral em cada uma das Unidades da Federação.

*O jornalista viajou à capital federal a convite da organização do I Encontro Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo