Governo federal dá prioridade a grandes frigoríficos
Do Valor Econômico
Arrastados pela crise financeira global de 2008 por falta de capital de giro e exposição à variação cambial, boa parte dos pequenos e médios frigoríficos reclama da falta de auxílio do governo e da política de “vencedores e perdedores” empreendida pelo BNDES no setor.
Mas os bancos que operam no segmento afirmam haver uma “clara tendência” de concentração. Alguns agentes até estimulam indústrias médias a vender o negócio antes de perder mais eficiência em cenário amplamente desfavorável a empresas sem capital e atuação cada vez mais global.
Considerando-se “preteridos” durante a operação de socorro ao setor, os frigoríficos afirmam ser obrigados a trabalhar alavancados em recursos de terceiros, além de ter margens apertadas e capacidade ociosa alta.
“Percebemos mais facilidades para uns grupos e menos para outros”, diz o dono do Frialto, Tadeu Paulo Bellincanta. “Não houve boa vontade de operar conosco. Ficou patente a opção pela concentração”.
O Frialto, que deve R$ 564 milhões, mas faturava R$ 1,3 bilhão, pediu recuperação judicial em maio deste ano. Quatro de suas seis plantas estão paradas por falta de capital de giro. “Mas nosso patrimônio é maior que a dívida. Foi um ‘tropicão’. Vamos sair dessa”, diz Bellincanta.
O advogado Júlio Mandel, que representa o paulista Frigol, diz que a empresa pediu recuperação porque vinha enfrentando problemas de liquidez.
“Eles tentaram recursos com o BNDES e com o Banco do Brasil, mas as propostas não foram aprovadas”.
A empresa tem unidades em Lençóis Paulista (SP), Água Azul do Norte (PA) e Pimenta Bueno (RO), e opera parcialmente. A dívida do Frigol, que fatura R$ 750 milhões, está na casa dos R$ 160 milhões.
Em março de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou uma ajuda aos frigoríficos. Não queria que as indústrias do setor repetissem o drama da multinacional Parmalat, cuja quebra provocou desarranjo no setor lácteo, prejudicando pequenos produtores.
Uma linha de R$ 10 bilhões foi criada para garantir capital de giro em um momento de retração de crédito e forte aversão a riscos.
Mas os frigoríficos médios ficaram de fora dos benefícios. Seja porque o custo do crédito era muito elevado (11,25% ao ano) ou porque as exigências de garantias reais estavam acima da capacidade do segmento.
“O governo não tem uma política de apoio a esse segmento”, aponta o presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar. “O auxílio que chegou não pôde ser acessado”.
No governo, avalia-se como correta a política do BNDES. Muitos desses frigoríficos médios têm gestão antiga, instalações velhas e são bastante endividados, apontam fontes. Como o setor exige muito capital, escala, logística e gestão profissional, algumas empresas estariam “fragilizadas” para receber novos aportes.
Para essas fontes, a fusão da Perdigão e Sadia na Brasil Foods pode gerar novos negócios. “Um frigorífico de nicho pode surgir de mercados onde a BRF deixará de atuar”, avalia um executivo.
A americana Tyson Foods, única estrangeira grande no Brasil, também poderia ser beneficiada nesse novo momento do setor, pós-julgamento da fusão pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O cenário ainda é nebuloso no setor e alguns analistas avaliam que mais frigoríficos de porte médio podem pedir recuperação judicial. Uma das razões é que enfrentam forte concorrência na compra da escassa matéria-prima e na venda da carne.
Para algumas empresas, a situação começa a se normalizar. “Fomos lá no BNDES durante a crise, mas disseram que já tinham dado muito dinheiro para frigoríficos”, relembra o diretor de Controladoria do FrigoEstrela, Rubens Andrade Ribeiro Filho.
O frigorífico, que deve R$ 188,4 milhões, está em recuperação desde novembro de 2008. Dos três mil funcionários, sobrou metade. “Mas já voltamos a 2,2 mil. Agora, o faturamento ainda é 70% de antes da crise”, diz.
Socorro beneficiou sobretudo grandes
Os grandes frigoríficos ficaram com metade dos recursos da linha de crédito criada pelo governo em abril de 2009 para socorrer agroindústrias em dificuldades. Do orçamento global de R$ 10 bilhões, foram desembolsados R$ 6,4 bilhões até junho deste ano, informa o BNDES.
E pouco mais da metade desse total foi emprestada por um agente financeiro, segundo fontes do governo. Dois frigoríficos, JBS e Marfrig, contrataram ao menos R$ 400 milhões do Programa de Crédito Rural Especial (Procer).
Os empréstimos dentro dessa linha de crédito tiveram problemas de operação. Primeiro, porque o risco das contratações eram majoritariamente dos bancos. Depois, porque houve atrasos no repasse dos recursos da linha pelo Tesouro Nacional e alguns bancos preferiram não emprestar pelo Procer.
A maior parte, em plena seca de crédito derivada da crise financeira global, preferiu oferecer linhas com juros de 15% a 20% ao ano aos seus clientes agroindustriais. O Procer oferecia dinheiro a 11,25% ao ano, além “spreads” (diferença de custos de captação e empréstimo) de 3% cobrados pelos bancos operadores e de 1% pelo BNDES.
“Durante a crise, até era bom negócio porque não tinha crédito em lugar nenhum. Mas depois do auge da crise, esse custo ficou alto demais e tirou o apetite de muitos frigoríficos”, avalia um executivo de um banco operador.
À época, o governo estimava que ao menos 18 indústrias precisavam da linha para garantir capital de giro e reduzir sua exposição a riscos cambiais. De lá para cá, 10 frigoríficos arrendaram suas plantas ou pediram recuperação judicial, o que mostra ter havido um disgnóstico correto. “O que faltou mesmo foi o acesso aos recursos”, constata o diretor de Controladoria do FrigoEstrela, Rubens Andrade Ribeiro Filho. “Os bancos reduziram o crédito, liquidamos posições de R$ 70 milhões que tínhamos, mas não tivemos mais acesso ao giro”.
Ainda assim, os frigoríficos viam nesses recursos a melhor chance de evitar os impactos negativos da crise. “Era uma boa opção, mas os recursos não saíam”, diz o dono do Frialto, Tadeu Paulo Bellincanta. O presidente da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), Péricles Salazar, lembra que a linha poderia ter ajudado a garantir uma solução à falta de giro. “Era aquele o momento mais adequado de ajudar”, diz o executivo. A linha previa dois anos para a quitação e até 12 meses de carência.
Mesmo com a tentativa do governo, as indústrias médias apontam a falta de um planejamento para o setor. “Não há política específica para esse frigoríficos”, diz Salazar. O Ministério da agricultura, porém, aponta modalidades de crédito ao pecuarista que, na ponta, ajudariam a indústria.
As linhas de crédito para retenção de matrizes e para estocagem de produtos como leite e carne seriam uma ajuda desconsiderada pelos frigoríficos. “Nosso foco maior está no produtor, mas a agroindústria também pode ser beneficiada”, argumenta o secretário de Política Agrícola do Ministério da agricultura, Edílson Guimarães. (MZ)