Uma homenagem a Victor Jara e à Revolução no Chile

Por Felipe Canova Brigada de Audiovisual da Via Campesina Coletivo de Cultura do MST Para o Jornal Sem Terra

“Yo no canto por cantar ni por tener buena voz, canto porque la guitarra tiene sentido y razón”




Por Felipe Canova
Brigada de Audiovisual da Via Campesina
Coletivo de Cultura do MST
Para o Jornal Sem Terra

“Yo no canto por cantar
ni por tener buena voz,
canto porque la guitarra
tiene sentido y razón”
Manifiesto, de Victor Jara



Arte como ferramenta de resistência do povo trabalhador. O cantor chileno Victor Jara, em sua obra, apresenta o sentido e a razão do seu cantar: a luta de seu povo pela libertação.

Nascido em 28 de setembro de 1932, no povoado de Lonquen, filho dos camponeses Manuel e Amanda, desde pequeno ajudava o pai nas lidas do campo. “Éramos seis irmãos. Quando comíamos carne era uma festa. Éramos muito pobres”, comentava o próprio Victor sobre essa época.

Seu primeiro contato com a música foi escutando a mãe, que com seu violão animava as festas das redondezas. Quando tinha um aniversário ou mesmo um velório, ia a mãe levando a tiracolo o caçula Victor e o violão, deixando marcadas no menino as melodias camponesas.

Victor vai cantar as lembranças desse tempo em canções como El Arado, Plegaria a un Labrador, La Pala, El Lazo, entre outras. Ele acreditava que “a melhor escola para o canto é a vida”. Coerente com essa afirmação, cantou seu tempo e também se envolveu nas lutas de seu povo.

Já na capital Santiago, para onde se mudou com a mãe e os irmãos após a separação dos pais, estuda teatro no fim dos anos 50. Na década seguinte, dirige e atua em diversas peças. Dedica-se à
música, participando de grupos de música folclórica, apoiados pela já conhecida Violeta Parra (autora do clássico Gracias a la Vida). São grupos como Quilapayun, Inti-Illimani, La Peña de los Parra (em que Victor foi solista), que vão lançar as bases para o movimento conhecido como
Nueva Canción Chilena, que misturava canções folclóricas com música engajada e de resistência, em contraponto à indústria cultural imperialista que chegava à América Latina.

O período em que esse movimento crescia era de efervescência não apenas cultural, e sim de transformações políticas e sociais. O ascenso de massas leva ao governo da Unidade Popular (UP),
coalizão de esquerda dirigida por Salvador Allende e eleita pelo voto em 1970, que em três anos promove mudanças como a nacionalização do cobre – principal riqueza do país – que estava nas
mãos dos Estados Unidos, a participação dos trabalhadores na gestão das fábricas e uma incipiente Reforma Agrária.

O direito de viver em paz




Militante comunista, Victor Jara defendeu a Unidade Popular com seu violão e suas músicas que expressavam o ponto de vista da classe trabalhadora do campo e da cidade. Tornou-se
embaixador cultural do governo da UP, viajando por todo o mundo para difundir os ideais e luta chilena, mas se sentia à vontade mesmo, segundo lembram seus companheiros de cantoria, em uma
tradicional peña de guitarra, como os chilenos chamam a roda de viola.

Os avanços da UP em plena Guerra Fria, comemorados e defendidos pela ampla maioria do povo trabalhador chileno, evidentemente não foram vistos com bons olhos pelos Estados Unidos. A disputa nas passeatas e nos meios de comunicação é intensificada cada vez mais. Jara atua junto ao povo nas mobilizações e na televisão. Ao lado do poeta Pablo Neruda, denuncia o avanço do fascismo e defende a paz.

Entretanto, após uma sequência de ações de sabotagem, desabastecimento de alimentos e contra-informação, os estadunidenses – em uma intervenção direta da CIA com apoio de setores reacionários locais – articularam um golpe militar que derrubou o governo de Allende, no dia 11 de setembro de 1973.

Os passos seguintes são de martírio para os lutadores chilenos, pois a brutalidade dos militares leva à prisão e à tortura no Estádio do Chile mais de 5 mil militantes. Dentre eles, Victor Jara.
O que aconteceu exatamente com o cantor é motivo de controvérsias e relatos variados. Entretanto, atualmente se afirma que foi duramente torturado ao ser reconhecido pelos oficiais do Exército.
E teve suas mãos quebradas antes de ser morto, no dia 16 de setembro. Foi o fim da vida de um militante-artista, um lutador que amou seu povo e se entregou à luta pela sua libertação.

Em uma entrevista a quatro dias do golpe, perguntaram a Victor Jara o que representava o amor para ele, ao que respondeu:

“O amor ao meu lar, minha
mulher e meus filhos
O amor à terra que me ajuda a viver
O amor à educação e ao trabalho
O amor aos demais que trabalham
pelo bem comum
O amor à justiça como instrumento do
equilíbrio para a dignidade do homem
O amor à paz para gozar a vida
O amor à liberdade, não
ao livre arbítrio.
Não a liberdade de uns para o viver
de outros e sim a liberdade de todos.
A liberdade para que eu exista e
existam meus filhos, e meu lar e o
bairro e a cidade e os povos e todos
os contornos onde nos toca forjar
nosso destino.
Sem jugos próprios nem
jugos estrangeiros”