“Unidade cria condições para lutas sociais”

Por Fábio Rogério Ramalho Do Portal CTB* No dia 1º junho, as cinco principais centrais sindicais reuniram 30 mil trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, e aprovaram a Agenda da Classe Trabalhadora: pelo desenvolvimento com soberania, democracia e valorização do trabalho.


Por Fábio Rogério Ramalho
Do Portal CTB*

No dia 1º junho, as cinco principais centrais sindicais reuniram 30 mil trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, e aprovaram a Agenda da Classe Trabalhadora: pelo desenvolvimento com soberania, democracia e valorização do trabalho.

Esse importante documento propõe medidas de ampliação dos mecanismos de crédito para agricultores familiares e camponeses como forma de enfraquecer o êxodo rural. “Desta forma estamos construindo programas comuns, buscando ter mobilizações e lutas comuns, entre movimentos do campo e da cidade, rumo a um projeto político para estabelecer uma sociedade mais justa e igualitária”, afirma João Pedro Stedile, integrante da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Em entrevista ao Portal CTB, Stedile falou sobre reforma agrária, a campanha do MST pelo combate aos agrotóxicos e eleições 2010.

O que a Agenda da Classe Trabalhadora representa para a luta pela efetiva realização da reforma agrária no nosso país?

Nós, do MST e da Via Campesina Brasil, consideramos esse documento importantíssimo para toda classe trabalhadora brasileira por três motivos. Primeiramente, ele representa uma plataforma política da classe trabalhadora, de forma unitária, e se posiciona mais à esquerda do que os próprios programas dos partidos. Em segundo lugar, porque ao produzir um documento unitário ajuda a construir uma unidade, que será necessária no próximo período para que a classe retome as mobilizações sociais. Em terceiro lugar, é um documento que abarca todos os temas importantes e necessários para o conjunto da classe trabalhadora, tanto para quem vive na cidade como no meio rural.

Nosso movimento se alinha à leitura de que o Brasil conseguiu frear as políticas neoliberais com o governo Lula, mas ainda não conseguimos ter mudanças estruturais na sociedade brasileira para garantir, de fato, a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Porém, essas mudanças sociais necessárias somente se viabilizarão com uma nova correlação de forças na sociedade, construída com a conjugação de dois polos: a luta institucional no Estado (por meio dos governos e do legislativo) e a luta social.

Uma das alternativas para reduzir os problemas do campo, a Agenda da Classe Trabalhadora propõe medidas que ampliem o financiamento a agricultura familiar. Qual a importância dessas medidas?
É essencial, mas é preciso saber que existem diferentes setores da classe trabalhadora que vivem no meio rural brasileiro. Nós temos na base da pirâmide os assalariados e migrantes, que vivem de salário e precisam de todo o apoio para lutarem por direitos sociais e trabalhistas.

No entanto, ainda estão muito longe das conquistas, inclusive mínimas, que os trabalhadores urbanos já adquiriram. Esse setor está atomizado, disperso, sem organização sindical ou política. Por isso, está a mercê da ditadura do patrão. Para eles, carteira assinada, trabalhar o ano inteiro e usufruir direitos trabalhistas já seria um avanço enorme.

Há um segundo segmento que são os camponeses, os sem-terra, os semi-proletarizados que constituem a base social do MST. Para esses, precisamos de uma Reforma Agrária que desaproprie os maiores latifúndios do país, em especial os de propriedade do capital estrangeiro e de empresas que atuam em outros setores, como os bancos.

O terceiro segmento representa cerca de 3 milhões de famílias de camponeses, pequenos agricultores, micro proprietários de até 10 hectares, que são os camponeses pobres que não tem acesso ao crédito do Pronaf. Em relação a esse setor, o Estado precisa ter uma política ampla. Em primeiro lugar, garantir apoio para a produção em outros moldes, como fornecer sementes, planos de aquisição de máquinas agrícolas e, sobretudo, fortalecer a Cobab, garantindo a compra de toda a sua produção.

Para camponeses, o banco é um perigo. E é mesmo! Se levarmos acesso a educação, em todos os níveis, essa situação de risco começa a mudar, uma vez que cerca de 70% dessas pessoas não têm ensino fundamental completo e, aproximadamente, 30% são analfabetos.

Existe ainda um quarto segmento: os pequenos proprietários, camponeses remediados que possuem menos de 100 hectares, que somam 1,2 milhões de famílias. Esses acessam o Pronaf e estão integrados ao mercado. Para esses, é necessária uma ampla política que os ajude a organizar agroindústrias na forma de cooperativas, para que fujam da exploração das grandes empresas transnacionais.

O MST está com uma ampla campanha de combate ao agrotóxico. Fortalecendo a agricultura familiar e a soberania alimentar também formas de lutar contra o uso indiscriminado de agrotóxicos? Por quê?
As grandes propriedades não conseguem produzir sem venenos, pois o modelo de produção deles é o monocultivo para buscar escala e lucro máximo.

O Brasil se transformou no maior consumidor mundial de venenos. Consumimos um bilhão de litros por ano. E nem por isso aumentou a produção de alimentos.

Os únicos que conseguem produzir sem venenos, utilizando técnicas agroecológicas, agricultura diversificada e mão-de-obra intensiva, é a agricultura familiar e camponesa. Diante disso, há por trás do combate aos venenos uma luta de classes. De um lado, as grandes empresas transnacionais produtoras de veneno e seus aliados, os fazendeiros monocultores; e de outro lado, os camponeses e a sociedade brasileira, que consome esse alimento.

Nos últimos anos vários latifúndios foram flagrados exercendo o trabalho escravo. O que representa a aprovação da PEC 438 para a melhoria da vida no campo?

A PEC 438 é uma iniciativa de entidades da sociedade brasileira que, através de alguns senadores progressistas, conseguimos em 2003 aprovar no Senado, em dupla votação, a proposta de que em todas as fazendas onde fosse encontrado trabalho escravo deveriam ser expropriadas como pena e distribuídas para Reforma Agrária.

No entanto, desde 2003, está parada na Câmara dos Deputados, pela força da bancada ruralista, que durante todo o tempo chantageou o governo e a sociedade. Assim, não foi para votação. Esperamos que a nova composição do Parlamento, resultante das atuais eleições, seja mais progressista e que tenhamos força de aprová-la e banir de uma vez por todas o trabalho escravo de nossa sociedade.

Apesar de a reforma agrária ser um projeto capitalista, qual a importância de sua realização para o desenvolvimento de um Brasil mais justo e igualitário para todos os brasileiros?

Há muitas formas e projetos de Reforma Agrária. A expressão mais conhecida é a clássica, que foi implantada na Europa, Estados Unidos e no Japão pelas burguesias, como uma necessidade de desenvolvimento do capitalismo industrial.

Os burgueses, cientes de que precisavam de mercado interno para seus produtos, promoveram a reestruturação e democratização da propriedade da terra, como forma de distribuir terra e renda aos camponeses. Por isso, as reformas agrárias que estão na base de todos os países desenvolvidos e industrializados.

Aqui no Brasil a burguesia industrial nunca quis fazer a Reforma Agrária. A única vez que chegamos perto foi na crise capitalista da década de 1960, quando o querido Celso Furtado propôs uma Reforma Agrária para sair da crise e criar mercado interno. Em minha opinião, foi até hoje a proposta mais radical de Reforma Agrária que tivemos. Mas foi apresentada pelo governo ao povo, em um grande comício no dia 13 de março. E no dia 1º de abril, a burguesia com seus lacaios do norte impôs um golpe militar.

Mas por que a burguesia não quis fazer reforma agrária?

Porque em vez de promover a expansão do mercado interno e ter lucro vendendo mais produtos, eles optaram por outro caminho. Aumentar seus lucros com baixos salários, mesmo que vendessem menos. Então, ao longo do século XX, após a revolução política promovida por Getúlio Vargas, em 1930, que deu inicio à nossa industrialização tardia e dependente, a burguesia passou a promover o êxodo rural, em vez de distribuir a terra aos camponeses, estimulando a saída dos camponeses pobres para a cidade, buscando formar o chamado exército industrial de reserva.

Depois de tantos anos, os migrantes acabaram por pressionar os salários industriais para baixo. Por isso, até hoje, o ganho de um trabalhador das indústrias brasileiras são um quinto – e às vezes até um décimo – do que ganha o mesmo operário, da mesma empresa, mas que trabalha na Europa ou Estados Unidos.

Já que a burguesia industrial não quer fazer a Reforma Agrária clássica, hoje os movimentos camponeses brasileiros consideram que precisamos lutar por uma Reforma Agrária Popular. Um modelo baseado na agricultura diversificada (em vez de monocultivo), priorizando a produção de alimentos para o mercado interno e alimentos sadios, garantindo a soberania nacional no controle das sementes.

Nesse contexto, é necessário instalar pequenas e médias agroindústrias em todos os municípios do Brasil, na forma de cooperativas. Além de universalizar o acesso à educação em todos os níveis para os trabalhadores do campo. Para libertar as pessoas da opressão da humanidade, da humilhação e da exploração, o conhecimento e a educação são tão importantes quanto ter terra.

Por isso, o nosso programa de Reforma Agrária, agora não é apenas distribuir terra. É mais amplo. E somente poderá ser alcançado com uma ampla aliança popular de toda classe trabalhadora.

Até que ponto a realização da reforma agrária e do fortalecimento da agricultura familiar beneficia os moradores da cidade?

Tem tudo a ver com os trabalhadores da cidade e com a sociedade em geral. Parar o êxodo rural e garantir condições de vida para a população que vive no meio rural já afeta imediatamente os níveis salariais pagos na indústria. Ou seja, os salários da cidade dependem do exército de reserva. Sendo assim, frear o êxodo aumenta, de imediato, os salários.

A democratização da terra vai influenciar na diminuição das favelas e do inchaço das grandes cidades, além de criar condições para termos alimentos mais saudáveis. A população da cidade que compra barato azeite de soja não sabe que compra junto veneno da Monsanto ou da Bunge. Isso, mais cedo ou mais tarde, vai ter efeito no seu organismo. Com uma Reforma Agrária, vamos garantir a melhoria alimentar e, consequentemente, influenciar na saúde da população e nos gastos públicos.

Nos últimos oito anos a reforma agrária não aconteceu, mas o país avançou em questões relacionadas a políticas públicas. O que o governo Lula representou para a luta do campo?

O governo Lula é um governo de composição de classes. Não foi um governo da classe trabalhadora e muito menos de esquerda. Foi um governo que tinha dentro dele, desde a burguesia internacional, setores da burguesia industrial brasileira, classe média e a classe trabalhadora do campo e da cidade. Por essa composição, representou uma situação de equilíbrio de forças, que ao longo dos oito anos tivemos medidas que, às vezes favoreciam o agronegócio, às vezes favoreciam os camponeses.

Assim, o agronegócio avançou durante o governo Lula, porque teve mais apoio de crédito. O agronegócio nos impôs o maior consumo de venenos e as sementes transgênicas. Impôs também o desmatamento e agressão ao meio ambiente. O agronegócio se expandiu no monocultivo para o etanol de exportação e ampliou as áreas de cana, que só trazem pobreza.

Já a agricultura familiar e camponesa, tivemos a recuperação de políticas públicas, ou seja, o Estado começou a apoiar esse setor com algumas medidas. Não só do Pronaf, que beneficiou uma parcela pequena do campesinato (apenas 1,2 milhões de famílias). Mas políticas importantes, como o Bolas Família, que tirou milhões de famílias da fome, mesmo do meio rural e das pequenas cidades.

A valorização do salário mínimo afetou diretamente milhões de aposentados no campo. Tivemos também as enormes conquistas do Programa Luz para Todos e de compra de alimentos da Conab, que compra produtos da agricultura familiar. O camponês é camponês, não é comerciante. Outra importante medida foi a garantia de que 30% de toda merenda escolar e das compras governamentais de alimentos tem que ser da agricultura familiar.

Por último, durante o governo Lula os movimentos sociais não sofreram repressão do governo federal. Foram tratados como interlocutores da população. A repressão ficou a cargo dos governos estaduais, que em alguns casos, como no Rio grande do Sul, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, trataram as lutas sociais no cassetete.

O quadro que se desenha para o pleito 2010 é de que a população optou pela continuidade dos programas do governo Lula. A seu ver, o que isso representa para o luta do campo e o que os movimentos sociais podem esperar destes próximos quatro anos?

Particularmente, estou vendo o próximo período com ótimos olhos. A burguesia brasileira é poderosa, econômica e politicamente, porque continua controlando o Estado brasileiro, mas é burra e sofre as contradições da luta de classes. Durante as eleições, transformaram o Serra no porta-voz das teses de direita. Assim, ficou mais claro para a classe trabalhadora do que se trata as eleições.

Com isso, acho que as urnas trarão mudanças nos governos federal, estaduais e no Parlamento. Mudanças progressistas que representarão uma nova correlação de forças na institucionalidade, favorável à classe trabalhadora.

Precisamos aproveitar esse clima de debate político-ideológico para estimular que a classe trabalhadora, em todos os níveis, melhore sua organização e que possamos ter no próximo período uma ascensão do movimento de massas. Com isso, conjugaríamos as forças necessárias para um programa de mudanças estruturais: a luta institucional com a luta social.

(*com edição da Página do MST)