A grande festa do boi e da riqueza
Por Frei Henri Burin des Roziers
Advogado da Comissão Pastoral da Terra
Assistindo ao espetáculo que foi a Cavalgada de abertura da Feira Agropecuária de Xinguara, no dia 18 de setembro, fiquei impressionado com a grandiosidade do evento, os inúmeros cavalos enfeitados, com seus cavaleiros e amazonas, as carroças, os carros antigos puxados por bois fortíssimos… até uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, com um locutor profissional fazendo uma oração.
Contemplei a apresentação de várias fazendas, destacadamente, daquelas pertencentes ao “Grupo Quagliato”.
Em primeiro lugar, desfilou a comitiva da Fazenda Rio Vermelho, a qual estava muito bonita, com expressivo número de animais e trazia uma faixa parabenizando o povo de Xinguara. Naquele momento, lembrei-me de que dentro dessa Fazenda existem 2.000 hectares de terra pública pertencente à União Federal, que foram indevidamente apropriados pelo “Grupo Quagliato”.
Recordei-me também que este imóvel foi classificado neste ano como improdutivo pelo Incra, não cumprindo a sua função social, diante da existência de 11.000 hectares sem nenhuma utilização e com desmatamento ilegal, bem como de quantas denúncias de trabalho escravo foram feitas, desde os idos de 1980.
Em seguida, foi a vez da Fazenda Brasil Verde, igualmente bonita, com belos animais e muitos enfeites, exibindo uma faixa onde dizia: “Parabéns ao Sindicato Rural”. Essa Fazenda também foi alvo de diversas denúncias de trabalho escravo, que deram origem inclusive a processo criminal, que ora tramita na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Logo após estavam ainda a Fazenda Colorado e a Fazenda São Sebastião. Como não me lembrar que a faz Colorado também já foi denunciada pela prática de trabalho escravo? E que assim como a Fazenda Rio Vermelho e a Fazenda Brasil Verde já apareceu na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho? Essa “Lista” relaciona todos os imóveis que foram flagrados escravizando trabalhadores.
Por fim, passou a Fazenda Santa Rosa, com uma grande e bonita comitiva, ocasião em que me veio ocorreu a lembrança de que, assim como a Fazenda Rio Vermelho, este ano também a Fazenda Santa Rosa foi classificada como improdutiva pelo Incra, uma vez que não cumpre a sua função social.
Tem-se noticia ainda de que em vários imóveis do “Grupo Quagliato” foi verificada a prática de crimes ambientais.
Diante de tudo isso, fiquei refletindo sobre que oração poderia ser feita a Nossa Senhora Aparecida? O “Grupo Quagliato” é riquíssimo, com propriedades no Pará, Goiás e São Paulo, mas de onde vem essa riqueza? Será que a história desse enriquecimento não teria sido feita com suor e lágrimas do povo? Será que se trata de um enriquecimento realmente justo?
Qual seria o sentido dessa oração a Nossa Senhora? Será que todos esses grandes fazendeiros, membros do Sindicato Rural, rezavam para que esse enriquecimento injusto – segundo o Evangelho – continuasse? Será que nesta região o gado não se tornou também um ídolo como o bezerro de ouro no Livro do Êxodo (Ex, 32,1-8)?
No auge dessa grande festa, em cujo centro está o boi e a riqueza que gera para poucos, tivemos o Evangelho do domingo, 19 de setembro, que falou sobre a parábola de Jesus acerca do “dinheiro injusto”, que por medida de prudência deve ser partilhado (Lc, 16, 9).
Em Santana do Araguaia, na praça da Bíblia tem uma grande escultura da Bíblia, diante da qual a alguns metros, há uma imensa estátua de um boi. O que escolher: o bezerro de ouro ou a palavra de Deus?
O livro do Êxodo, fala que o povo de Deus, na sua caminhada rumo à Terra Prometida, se revoltou contra o Deus que os tinha libertado do Egito porque a Sua Lei – diferente da lei dos homens – era dura demais e por isso passaram a adorar o bezerro de ouro.
Será que o bezerro de ouro não se tornou hoje também nessa região o deus de muitos?