Seca prejudica assentados no interior de São Paulo
Por Vanessa Ramos
Da Página do MST
O clima estava seco, a temperatura alta e a umidade do ar extremamente baixa, variando entre 6 e 9%. Nem o plantio de cana-de-açúcar conseguia vingar com o solo sem umidade. Até o leito dos rios diminuía e a vegetação secava. O cenário é desolador e suscitava um deserto.
Foi o que os agricultores do interior de São Paulo enfrentaram durante aproximadamente 115 dias sem chuva, de junho até o mês passado.
“Essa foi a seca que mais se agravou, porque ela chegou a 115 dias. Fazia tempo que não ficávamos tantos dias sem chover nada. Além disso, no estado de São Paulo, ficar 60 dias sem chover já é considerado seca porque o solo é muito arenoso”, explicou Cledson Mendes da Silva, do setor de produção, cooperação e meio ambiente do MST, assentado no Pontal de Paranapanema, localizado no extremo oeste do estado de São Paulo.
Embora tenham caído boas chuvas nas últimas semanas, os quase quatro meses de seca causaram muitos danos aos agricultores do interior de São Paulo. Segundo Silva, um dos maiores problemas enfrentados foi a alimentação do rebanho.
“A principal renda econômica dos assentados aqui da região é o leite. Em função da seca, a alimentação dos animais foi prejudicada. As vacas não tinham o que comer e essa situação acabou fazendo com que o leite das vacas secasse. E também houve várias mortes de animais por não ter o que comer”, disse.
As famílias que tiveram condições de preparar o solo, plantar mandioca, cana-de-açúcar, conseguiram alimentar o gado. No entanto, não há políticas públicas suficientes para a maioria dos assentados possuírem ou não tem acesso aos equipamentos necessários para preparar o solo e o alimento do gado, como: trituradores, colhedoras, picadoras e roçadoras.
“O povo não está preparado para enfrentar a seca. Além disso, não há nenhum incentivo do governo federal, principalmente do Incra, para incentivar o povo a ficar no campo. Porque, se a renda principal dos agricultores é o gado e o governo não ajuda com nada, imagina então a situação”, desabafou Silva.
Diante disso, Silva cobra medidas do governo para que os assentados enfrentem os impactos da seca.
“Nossa proposta é que o governo federal crie uma forma de custear os alimentos para o gado, independente de qualquer época do ano. Não é porque choveu agora que o gado vai ter o que comer. Nós queremos políticas do o Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário para a aquisição de farelo de soja ou milho, para ser distribuído gratuitamente para os assentados alimentarem o gado o quanto antes, porque, junho do ano que vem, a previsão é a mesma”, alertou Cledson Mendes da Silva, assentado no Pontal de Paranapanema.
Meteorologistas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), órgão do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), consideram, no mês de agosto, o oeste paulistano a região mais seca do país.
No dia 30 de agosto, no site do Inpe podia-se ler uma declaração de José Felipe Farias, meteorologista do CPTEC, em que dizia o seguinte: “Com esses valores tão baixos, eu nunca tinha visto”, diz, referindo-se aos índices de umidade do ar 8%, 6% e 9% registrados no final do mesmo mês.
De acordo com João Lima Sant’Anna Neto, Professor Titular do Departamento de Geografia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o período entre julho e setembro sempre foi seco no centro oeste do Brasil e no oeste paulista.
“Faz parte do ciclo natural da sazonalidade do clima. Anos com invernos particularmente secos (3 meses consecutivos secos) ocorreram em 1981, 1985, 1988, 1996 e 1999. Entretanto, este ano foi realmente excepcionalmente mais seco, só comparável com 1985, quando tivemos uma situação dramática na região (abastecimento urbano e seca na agricultura que se estendeu até novembro)”, relembrou.
Imagens de satélites do Inpe, em setembro, também mostraram os efeitos da seca em outras regiões brasileiras. Na Amazônia, por exemplo, imagens revelaram o avanço acelerado da vazante nos baixos Negro e Solimões. Com base nessas imagens, pesquisadores afirmam que a estiagem na região deve se prolongar até meados de novembro.
Para piorar, as expectativas para os próximos anos são desanimadoras. Na opinião de Neto, com a substituição da vegetação natural pela monocultora, pela pecuária e pela falta de áreas preservadas, a tendência é o processo de savanização do oeste paulista e do norte do Paraná é se agravar ainda mais.
“Isto significa que com o aquecimento global e a degradação dos recursos hídricos, cada vez mais a seca de inverno (que é normal) tende a se expandir para o início da primavera. Isto tem um enorme impacto para os tratos culturais e preparação do solo para as culturas de verão, pois as chuvas de início de primavera estão começando cada vez mais tarde (outubro)”, completou.