Uma contribuição do MST para a discussão sobre saúde
Por André Carlos Rocha
Do Setor de Saúde MST
Para a Página do MST
A questão ambiental vem sendo discutida no mundo todo, principalmente pela preocupação com o aquecimento global e o futuro do planeta. Neste sentido, os estudos sobre o meio ambiente vem ganhando importância em várias áreas do conhecimento.
Na área da saúde, não é diferente e somente nos últimos anos a temática tem sido tratada com mais relevância, colocando em foco a Saúde Ambiental.
O Ministério da Saúde adota o conceito definido na Instrução Normativa nº 01/2005, da Secretaria de Vigilância em Saúde: “saúde ambiental compreende a área da saúde pública afeta ao conhecimento científico e a formulação de políticas públicas relacionadas à interação entre a saúde humana e os fatores do meio ambiente natural e antropogênico que a determinam, condicionam e influenciam, com vistas a melhorar a qualidade de vida do ser humano, sob o ponto de vista da sustentabilidade”.
Para Freitas e Porto (2006, p. 57-58), “o processo de industrialização e o desenvolvimento da economia global baseiam-se em uma lógica na qual o crescimento a curto prazo se sobrepõe ao crescimento a longo prazo, degradando os ecossistemas e os serviços por eles oferecidos”, colocando em cheque dimensões básicas da definição de desenvolvimento sustentável.
O MST sempre se preocupou com o meio ambiente, porém colocando os homens e as mulheres na centralidade da discussão, como demonstra o documento “Nossos Compromissos com a Terra e com a Vida”, que afirma que “os seres humanos são preciosos, pois sua inteligência, trabalho e organização podem proteger e preservar as formas de vida” (MST, 2009). Com isso, o Movimento se compromete em combater qualquer prática que agrida o meio ambiente.
O objetivo deste texto é expor o que significa saúde ambiental para o MST, construído ao longo dos seus 25 anos e mais especificamente a partir das experiências vivenciadas, e reflexões realizadas, no “Curso de Especialização Técnica em Saúde Ambiental para a População do Campo”.
A partir do curso, o Movimento tem construído a práxis da saúde ambiental orientada em dois eixos:
1) produção saudável e
2) saneamento ecológico e habitação saudável.
Esses eixos são diretrizes da luta e do trabalho em saúde ambiental, que precisam ser feitas pelos movimento sociais e a partir disso garantir políticas públicas que respeitam a realidade dos sujeitos sociais do campo.
Produção saudável
O eixo da produção saudável tem por base a Agroecologia, incluindo a produção orgânica, sem agrotóxicos, sem adubação química e sem transgênicos, de modo que garanta segurança e soberania alimentar das famílias camponesas.
Para tanto, inclui-se na discussão a saúde do trabalhador e a geração de renda, sempre levando em consideração o armazenamento, distribuição e comercialização da produção.
O modelo capitalista de agricultura dominante, hoje conhecido como agronegócio, impõe aos camponeses e camponesas o uso de venenos, de hormônios e fertilização química do solo, além uso de sementes transgênicas.
Essas práticas prejudiciais a saúde e ao meio ambiente precisam ser superadas pela classe trabalhadora, sendo a Agroecologia um caminho para uma vida saudável.
A soberania alimentar vai além da segurança alimentar, que por si só não questiona o modelo atual de produção agrícola, pois bastaria que as pessoas tivessem alimentos em quantidade, frequência e nutrientes necessários, porém não questiona o modo como foi produzido ou mesmo os danos que deixou no meio ambiente. Neste conceito cabe inclusive alimentos transgênicos.
Já o conceito de soberania alimentar, defendido pela Vía Campesina, é “o direito dos povos de definir usa próprias política e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito a alimentação para toda a população com base na pequena e média produção, respeitando suas próprias culturas e a diversidade de modos camponeses, pesqueiros e indígenas de produção agropecuário, de comercialização e de gestão dos espaços rurais, nos quais a mulher desempenha um papel fundamental.” (Declaração final do Fórum Mundial de Soberania Alimentar, assinada pela Via Campesina, Havana, Cuba/2001, citada por Campos, 2006, p. 154/155).
Ou seja, é um conceito mais abrangente, que inclui o conceito de segurança alimentar, mas que se contrapõe ao agronegócio.
Transgênicos e Machismo
Pode não parecer, mas existe uma estreita relação entre os transgênicos e o machismo. Como a produção orgânica necessita de bastante trabalho, a família toda precisa participa do processo produtivo na roça. Se esta produção for agroecológica, esse trabalho coletivo é mais necessário ainda.
Quando se implementa uma matriz tecnológica, baseada em transgênicos, poucas pessoas dão conta das tarefas de cuidados na roça, estabelecendo-se, geralmente, uma divisão sexual do trabalho, na qual a mulher cuida do trabalho dentro da casa e o homem das atividades ditas “produtivas”, em que a mulher só participa nos momentos de maior exigência, como nas épocas de colheita. Muitas vezes esse trabalho não é pago pelas cooperativas, em que consideram somente o trabalho do homem.
Saneamento e habitação
O saneamento ecológico e habitação saudável é o segundo eixo, baseado na Permacultura, com objetivo de facilitar as atividades de vida e o trabalho diário sem prejudicar o meio ambiente. Com esse conhecimento construir habitações e espaços saudáveis, embelezar os assentamentos e acampamentos, cuidar da água (armazenando, tratando e reaproveitando), tratar e utilizar dos dejetos humanos (fezes e urina), tratar e utilizar dos dejetos animais, controlar os vetores, bem como reduzir, reutilizar e reciclar o lixo.
Os princípios básicos do saneamento ecológico são três: conservar água, proteger o meio ambiente da contaminação de resíduos que não tenham sido tratados e reconhecer a urina e as fezes como recursos, contribuindo para a produção de alimento e renda.
Estudos mostram o quão rico em nutrientes é a urina humana. Wolgast (1993) calculou que cada pessoa urina em média, anualmente, cerca de 4,5 kg de nitrogênio, mais de 0,5 kg de fósforo, e cerca de 1,2 kg de potássio, esses nutrientes são suficientes para adubar por um ano o cultivo dos grãos consumidos por uma pessoa.
Considerações finais
A luta do MST não termina quando se conquista a terra. Os desafios apenas mudam de natureza, pois o capitalismo tem muitas armas, muitos modos de se reproduzir. Neste sentido, o setor de saúde do MST tem alguns grandes desafios.
No campo da saúde ambiental os desafios são: lutar contra o envenenamento da terra pelos agrotóxicos, contra o envenenamento dos corpos dos seres humanos por causa de alimentação inadequada, insuficiente ou envenenada, lutar a favor vida e do meio ambiente, cuidando dos seres humanos e da natureza e embelezando os acampamentos e assentamentos.
Para isso, a Agroecologia e a Permacultura são ferramentas importantíssimas e, assim, garantir soberania e segurança alimentar para as/os camponesas/es e para o povo brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Saúde (2005). Instrução Normativa Nº
01, de 07 de Março de 2005. Diário Oficial da União Nº 55 de 22 de março de 2005 – seção 1.
CAMPOS, C. S. S. Campesinato autônomo – uma nova tendência gestada pelos movimentos sociais do campo. Rev. Lutas & Resistências, n. 1, p. 146-162, UEL/Gepal, Londrina, setembro de 2006.
FREITAS, C. M.; PORTO, M. F. Saúde, ambiente e sustentabilidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. 124 p.
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Nossos compromissos com a terra e com a vida. 2009.
Wolgast, M. Clean waters: thoughts about recirculation. Uppsala, Sweden: Creanom HB. 1993.