Apoios ao MST demonstram contradições da mídia
“Eu nasci sem terra, Sim, é o filho nativo nascido nas armas de Zapata, passeie pelas cabanas E pelos escombros das cidades, Mesmos corpos enterrados famintos Mas com sobrenomes diferentes, Estes abutres roubam tudo Não deixam nada além de correntes, Escolha um ponto no globo, Sim, é tudo igual” Calm Like a Bomb (Rage Against de Machine)
Por Tiago Egídio Avanço Cubas
Pesquisador do Núcleo de Estudos,
Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária–Nera
“Eu nasci sem terra,
Sim, é o filho nativo nascido nas armas de Zapata,
passeie pelas cabanas
E pelos escombros das cidades,
Mesmos corpos enterrados famintos
Mas com sobrenomes diferentes,
Estes abutres roubam tudo
Não deixam nada além de correntes,
Escolha um ponto no globo,
Sim, é tudo igual”
Calm Like a Bomb (Rage Against de Machine)
Chico Buarque, cantor e compositor; Zack de La Rocha, Tom Morello, Tom Commenford e Brad Wilk, músicos e integrantes do RATM (Rage Against the Machine) (1); Noam Chomsky, intelectual e lingüista; Wagner Moura, Benício Del Toro e Osmar Prado, atores; Dom Pedro Casaldáliga, bispo; André Singer, cientista político; o que essas pessoas têm em comum?
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Elas apóiam o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra). Quando fazemos essa pergunta, estamos pensando na conotação política do discurso e na expressão do pensamento dessas personalidades que tem visibilidade social (capital social).
E com o simples ato de dizerem “eu apóio o MST”, estão espacializando a luta pela terra e fortalecendo o território imaterial do campesinato.
A Rede Globo – uma das maiores transnacionais de comunicação no mundo, parte do grupo empresarial Organizações Globo e que detém o poder de dizer e assim estabelecer juízo de valor (BOLANOS e BRITTOS, 1995) – no caso da globo.com e jornais televisivos, exprimiram no discurso de reportagem noções não-pejorativas em relação ao MST e um corte de imagem na transmissão ao vivo da banda RATM num festival.
Questões intrigantes que revelam a dinâmica da imprensa, nas suas projeções imateriais, contraditórias e totalmente parciais.
Em um primeiro momento vemos na Figura o ator holywoodiano, Benício Del Toro, de origem Porto Riquenha, junto a João Pedro Stédile (Coordenador Nacional do MST), Fernando Morais (escritor) e Priscila Camargo (atriz) na Escola Nacional Florestan Fernandes em Guararema (SP) no dia 16 de setembro de 2010 (2).
O mesmo ator dos filmes, conhecidos mundialmente, “Snatch, entre porcos e diamantes”, “21 gramas”, “Caçado”, “Sin Sity” e “Che” nas partes 1 e 2 como o próprio Ernesto Che Guevara, disse: “O MST traz oportunidade e esperança ao ser humano. Oportunidade de educação, de mudança. Tem os mesmos princípios que defendia Che Guevara, é portanto um movimento guevarista”.
Palavras essas noticiadas na primeira página do globo.com do dia 16 de setembro de 2010. A fama mundial desse ator superou, momentaneamente, a imagem negativa das ocupações retratadas como “invasões” e dos sem-terra e trabalhadores rurais retratados como “baderneiros”.
Novos elementos foram levantados para formação social da população, o MST como movimento legítimo, como escola de formação, como uma idéia e opção de um mundo melhor.
Em um segundo momento, pudemos ver a reportagem também de página inicial da globo.com publicada no dia 9 de outubro de 2010 (3), onde o guitarrista do Rage Against The Machine, Tom Morello, disse que forneceria ingressos gratuitamente ao MST por ser um movimento legítimo.
Após isso, no show, a Rede Globo interrompeu ao vivo a transmissão do festival SWU (Start With
You) quando essa banda se apresentava. E como vemos na Figura 2, Tom Morello vestia um boné do MST e dedicava a música People of the Sun a esse movimento, numa alusão a civilização Maia relacionada a construção de uma nova sociedade.
Mesmo com esse corte é interessante notarmos a possibilidade de um novo discurso levantado por essa banda que demonstra sua ideologia ao escancarar a realidade contraditória capitalista pelas suas músicas e atitudes, e assim legitima o território imaterial do camponês, do não-capital.
A partir disso pensamos o poder do discurso, e de quem o faz, e de quem pode fazê-lo como inerente a todo esse processo de espacialização política que culmina no território, suas conflitualidades, intencionalidades, mas, sobretudo a formação da identidade cultural coletiva.
A comunicação então passa a ser uma questão de mediações, uma questão cultural (BERGER,
1996). Por conseqüência um reforço ou ao território imaterial do capital, ou território imaterial do
não-capital.
As condições sócio-históricas influenciam direta e indiretamente a formação da identidade
cultural, e a cultura coletiva que reage dialeticamente com a formação do território imaterial que se expressa no território material (FERNANDES, 2009).
Assim também Herman e Chomsky (2003) e Chomsky (2010) em seus estudos relatam a influência da mídia na formação social ao fazer julgamentos apressados, legitimar acontecimentos, simplificar fatos, desviar a atenção do público, etc. como estratégias para expor a sua ideologia.
Desse modo os meios de comunicação contribuem para a formação social e conseqüentemente estigmatizam condutas de organizações legítimas, como o MST (CUBAS, 2009), legitimam o território do capital, e partir disso concretizam territórios imateriais (FELÍCIO, 2010).
“Eu apoio o MST”, que também é uma campanha do próprio movimento disponibilizada no seu site, pôde ser vista em todo o país revelando novos ingredientes para a formação da identidade cultural da população brasileira. A contradição é a atitude do editorial da Rede Globo no corte a programação ao vivo.
Contudo é nítido nos textos das notícias, na disposição e enquadramento das fotos, a perspectiva de uma realidade não contemplada pela população em geral no seu cotidiano, ou seja, a ideologia camponesa aparece sem traços de conflitos e/ou agressividade.
O discurso hegemônico, dessa vez abre uma possibilidade para a Questão Agrária, incorporando novos elementos que podem expor uma realidade não conhecida, a realidade da luta pela terra a partir da ótica de construção de um outro modelo de reprodução econômica, política, cultural e sobretudo, social.
Notas
1-Banda norte-americana da década de 1990 e que tem posições políticas com base numa sociedade socialista, por isso o significado do seu nome como “A Fúria contra a Máquina”. Suas músicas revelam uma sociedade construída em torno de fetiches, mentiras, e que a única saída é o rompimento.
2- Reportagens coletadas: “Benício Del Toro visita escola do MST em São Paulo”. Disponível em: www.globo.com, visitado em 16 de setembro de 2010 as 19:35. E “Benício Del Toro visita escola do MST”.
3-Disponível em: www.mst.org.br, visitado em 16 de setembro de 2010 as 19:47.
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – Artigo DATALUTA: novembro de 2010. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 3
4- Disponível em: www.globo.com, visitado no dia 9 de outubro de 2010 as 22 horas.
NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária – Artigo DATALUTA: novembro de 2010. Disponível em www.fct.unesp.br/nera 4
Referências
BERGER, Christa. Campo em confronto: jornalismo e movimentos sociais. Tese de Doutorado
(ECA), USP. 1996
BOLANOS, Cézar e BRITTOS, Valério. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo:
Paulus Editora. 2005.
CHOMSKY, Noam. Chomsky e as 10 estratégias de manipulação midiática. Disponível em:
http://podereinformacao.wordpress.com/2010/07/29/chomsky-e-as-dez-estrategias-demanipulacao- midiatica, visitado em 8 de Agosto de 2010 as 15:00.
FELICIO, Munir Jorge. O territótio imaterial do campesinato. CAMPO-TERRITÓRIO: revista de
geografia agrária, v. 5, n. 9, p. 18-32, fev., 2010.
FERNANDES, Bernardo. Sobre a tipologia de territórios. In: SAQUET, Aurélio Marcos;
SPOSITO, Eliseu Savério. Org. Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos, p.
197-215. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
HERMAN, Edward S.; CHOMSKY, Noam. A manipulação do público: política e poder
econômico no uso da mídia. São Paulo: Editora Futura, 2003.