Trabalho escravo financia candidatos ao Parlamento
Do Contas Abertas
Combatente declarado do trabalho escravo, o deputado federal reeleito Paulo Piau (PMDB/MG) recebeu ajuda financeira de R$ 1 mil de um fazendeiro acusado pelo Ministério do Trabalho de ser responsável pelo uso de mão-de-obra escrava em Ananás (TO).
Outro peemedebista, o empresário e eleito deputado federal pelo estado de Sergipe, Fábio Reis, também foi agraciado com uma doação de R$ 50 mil, neste caso de um fazendeiro incluído na “lista suja da escravidão” em dezembro de 2008 por manter 48 pessoas sob condições consideradas subumanas.
Em março de 2007, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Tocantins libertou oito trabalhadores da Fazenda Guanabara, pertencente a Marco Antônio Andrade Barbosa.
“O Marco Antônio é de Uberaba (MG), onde também fica minha base política. Nós temos uma convivência lá por meio do Sindicato Rural de Uberaba e das cooperativas agropecuárias. Então, a nossa ligação chama-se Uberaba. Não tem nada a ver com o Tocantins e, aliás, eu nem tinha conhecimento desse processo de trabalho escravo”, garante Paulo Piau.
De acordo com o parlamentar – que em 2002 atuou como membro da CPI das Carvoarias, de combate ao trabalho escravo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais –, a contribuição de Marco Antônio representou apenas 0,05% frente à receita de R$ 2,3 milhões declarada. “A doação dele foi espontânea e eu a considerei comum, como as dos demais”, afirma.
“Acho que na campanha de Barack Obama, por exemplo, possivelmente um traficante tenha doado dinheiro para ele. Isso é um fato incontrolável para nós candidatos. É impossível que um candidato, no calor da campanha, tenha essa preocupação. Aliás, a gente não fica sabendo e nem tem tempo de acompanhar”, disse.
Piau diz ainda que só recusaria a doação se o doador figurasse como condenado pela Justiça. “Eu não sei a extensão desse processo do trabalho escravo. Infelizmente os fiscais [trabalhistas] também erram e tem muita gente comprada por organizações de outros países”, alerta.
Segundo o MTE, o nome do infrator só entra no cadastro após a conclusão do processo administrativo gerado pela fiscalização de liberação dos trabalhadores. “Tenho muita restrição aos termos ‘trabalho escravo’ e ‘crime ambiental’. O Marco Antônio é uma pessoa de bem, então eu não tinha o menor conhecimento dessa história”, afirma Piau.
No caso do doador ligado a Fábio Reis, fiscais trabalhistas encontraram 48 trabalhadores dormindo no curral e escravizados nas Fazendas Ilha e Veneza, em Capinzal do Norte (MA). As propriedades pertenciam a José Rodrigues dos Santos, responsável por 12% das doações realizadas em favor do deputado federal eleito. Equipamentos de proteção individual, materiais de higiene e gêneros alimentícios eram descontados dos “salários”. Todos os dias, um dos empregados caminhava 12 km na ida e na volta até a sede da fazenda para pegar a comida dos outros, de acordo com informações da ONG Repórter Brasil.
Reis afirma desconhecer e não acreditar que Rodrigues tenha se envolvido com “esse tipo de coisa”. “Conheço o trabalho dele. A única coisa que sei é que o empresário [Rodrigues] é um homem honrado e correto. Acredito ainda que, se houve esse fato, ele não tenha tido conhecimento”, defende. O futuro deputado federal garante ser absolutamente contra o trabalho escravo, embora não tenha tido experiência política de combate à escravidão, já que exercerá seu primeiro mandato a partir do próximo ano.
Ao todo, quatro pessoas autuadas por manter trabalhadores em condições análogas à de escravo doaram R$ 54,5 mil para a campanha eleitoral de candidatos que participaram apenas do primeiro turno. Além dos dois deputados federais eleitos, outras duas candidatas aos parlamentos estaduais, Juscimaria Ribeiro da Cruz (PR/MT) e Maria Betânia Bastos Palhata (PT/PA), também foram beneficiadas pelas doações.
Na lista suja
O cadastro de empregadores, conhecido como “lista suja do trabalho escravo”, que contém infratores flagrados explorando trabalhadores na condição análoga à de escravos, é atualizada semestralmente. Consiste basicamente na inclusão de empregadores cujos autos de infração não estejam mais sujeitos aos recursos na esfera administrativa e da exclusão daqueles que conseguem sanar irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho.
A última relação, publicada no início deste mês, implica 148 empregadores de 15 estados diferentes, entre pessoas físicas e jurídicas. O maior número deles é do Pará – 39. Em seguida aparecem os estados de Tocantins (23), Maranhão (20), Goiás (14), Mato Grosso do Sul (13), Mato Grosso do Sul (11), Bahia (8), Piauí (5), Minas Gerais, Paraná e Ceará (3), Santa Catarina e Rondônia (2), Amazonas e Rio Grande do Norte (1). Veja aqui a lista completa.
Para sair da lista suja, a propriedade tem de se submeter a dois anos de monitoramento do Ministério do Trabalho. Nesse período, o empregador deve pagar todas as multas resultantes da fiscalização bem como todas as pendências trabalhistas. Além disso, não pode haver reincidência do crime.