Maria do Rosário defende confisco de terras por exploração de trabalho escravo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Por Leonardo Sakamoto
Do
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Por Leonardo Sakamoto
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A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), que ocupará o cargo de ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República no governo Dilma Rousseff, afirmou nesta segunda (13) que irá se empenhar pela aprovação da proposta de emenda constitucional 438/2001.

A chamada “PEC do Trabalho Escravo” prevê o confisco de terras em que esse crime for encontrado e sua destinação à reforma agrária. Aprovada em dois turnos pelo Senado e em primeiro pela Câmara dos Deputados, a PEC está engavetada desde 2004, muito por pressão da bancada ruralista. A declaração foi dada durante reunião da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, em Brasília.

Uma afirmação como essa pode parecer óbvia, mas não é. Porque isso significa comprar uma boa briga com um grupo relevante de parlamentares que tem força e peso econômico e tem atuado contra mudanças na legislação dessa área.

A PEC 438/2001 faz uma alteração ao artigo da Constituição que já contempla o confisco de áreas em que são encontradas lavouras de plantas usadas na produção de psicotrópicos. E, na verdade, se considerarmos as versões anteriores do projeto, ele está tramitando no Congresso Nacional desde 1995, quando o primeiro texto foi apresentado pelo então deputado Paulo Rocha.

Considerando que esse tipo de mão-de-obra é usada para garantir competitividade ao produtor, a sua adoção representa, na prática, concorrência desleal com relação àqueles que operam dentro de formas contratuais de trabalho. Contudo, mesmo assim, há entidades de classe ou parlamentares que têm defendido o associado envolvido no crime, ignorando uma ação comercial lógica, que seria retirá-lo do grupo ou suspendê-lo enquanto apresentasse pendências, para evitar uma contaminação da imagem da entidade e do setor e, conseqüentemente, perdas econômicas para o país. Mas, em verdade, o que é preservado com essa defesa não é um interesse comercial particular, mas algo mais profundo.

O trabalho escravo contemporâneo não é resquício do processo de expansão agrícola, mas um de seus instrumentos. Fazendo uma analogia, o trabalho escravo contemporâneo não é uma doença, mas sim uma febre, o sintoma de um problema maior que se manifesta nas situações de “franja” do sistema. Portanto, a sua erradicação não virá apenas com medidas civilizatórias como a libertação de trabalhadores, equivalentes a um remédio antitérmico – necessário, mas paliativo. É necessário um tratamento maior, que inclua mudança na própria estrutura do modelo de desenvolvimento. Como falamos sempre disso aqui no blog, não vou voltar ao tema.

Apesar de serem poucos os empreendimentos que usam trabalho escravo, são muitos os que empregam sem os direitos garantidos por lei ou que superexploram a força de trabalho, gerando lucros ou facilitando a competição. Por isso, da mesma forma que o combate à escravidão contemporânea tem sido ponta-de-lança para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores rurais (ele pressiona pela ampliação da estrutura de inspeção do trabalho e de punição de infratores, o que é util a toda a sociedade, por exemplo) a defesa dos empresários que utilizam esse expediente tem servido de bandeira para a manutenção do status quo no campo.

Por mais que a proporção de empregadores que utilizam trabalho escravo contemporâneo seja muito pequena diante do universo de produtores rurais, há representantes políticos no Congresso contrários à proposta. Pois, para eles, o que está em jogo é a propriedade da terra, considerada inviolável por parte dos seus representados. Mas, vale lembrar, que a Constituição diz que toda a propriedade deve ter função social. Ou seja, ela não deve ser usada como porte de arma, para a exploração de terceiros e sim para o desenvolvimento da sociedade. Dessa forma, a “PEC do Trabalho Escravo” é, pelo ponto de vista de alguns membros da classe ruralista, um risco à sua própria existência e, portanto, lutar contra a sua aprovação representa mais do que manter a exploração de formas não-contratuais de trabalho. Muita gente teme que ela “abra a porteira”, abrindo o precedente para outras leis de confisco – em caso de crimes ambientais ou por trabalho infantil, por exemplo.

Só assim, no campo simbólico, é que se pode compreender a importância do trâmite dessa proposta por ambos os lados da questão. Pois, sabemos que a aplicação da lei – como todas aquelas que dizem respeito aos direitos de trabalhadores – encontraria várias dificuldades nos tribunais, não sendo, portanto, um “golpe final” nos escravagistas, ao contrário do que desejam as entidades que atuam no combate a esse crime.

Nesta hora, lembro-me de uma frase do deputado federal Ronaldo Caiado dita no ano passado sobre o tema, extremamente objetiva e esclarecedora do que estou falando (tenho divergências profundas com o deputado sobre visões de mundo, mas respeito muito o fato dele não esconder o que defende – ao contrário de outros parlamentares que flutuam ao sabor da brisa): “Podemos até decretar prisão perpétua nesses casos [trabalho escravo], mas não podemos colocar em risco o direito de propriedade”.

Que a PEC ganhe o ar das discussões e dos debates democráticos. Pois já ficou tempo demais com o cheiro de mofo da gaveta.