Gerson Teixera comenta PL de Vaccarezza

Em 2009, Gerson Teixera, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), redigiu artigo criticando o projeto de lei de Cândido Vaccarezza que libera a tecnologia genética terminator da restrição de uso. Confira abaixo.

PL nº 5.575/2009 de autoria do Deputado Cândido Vaccarezza.

Em 2009, Gerson Teixera, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), redigiu artigo criticando o projeto de lei de Cândido Vaccarezza que libera a tecnologia genética terminator da restrição de uso. Confira abaixo.

PL nº 5.575/2009 de autoria do Deputado Cândido Vaccarezza.

Síntese: libera a tecnologia genética de restrição de uso – TERMINATOR. Em complemento, veda a “adoção de qualquer símbolo ou expressões na rotulagem dos alimentos que contenham OGMs ou derivados que possam induzir o consumidor a qualquer juízo de valor, positivo ou negativo, sobre o produto.” Em outros termos, defende os alimentos transgênicos de discriminações…..

Comentários

A proposição envolve matéria de extrema controvérsia. Objetiva revogar a atual proibição, no país, da utilização, comércio, registro, patenteamento e do licenciamento de tecnologias genéticas de restrição de uso na agricultura (GURT) imposta pelo art. 6º, inciso VII, da Lei nº 11.105/2005.

Soma-se, pois, aos esforços permanentes das lideranças ruralistas mais radicais pela reversão de recente deliberação do Congresso Nacional, homologada pelo Poder Executivo. Aludida decisão, ancorada em folgada maioria dos membros do Congresso ocorreu após intensos debates dos quais restou pacífico o entendimento de que a utilização no país do chamado gene terminator  colide com os direitos dos agricultores brasileiros e, caracteriza ato temerário, sob a perspectiva da soberania nacional.
A iniciativa em exame, ainda que legítima, denota, em meu juízo, equívocos evidentes no julgamento das razões arroladas pelos lobistas dos grandes laboratórios multinacionais acerca dos supostos benefícios que essas tecnologias propiciariam ao desenvolvimento científico, à biossegurança, à agricultura e aos agricultores brasileiros.
Na realidade, as pressões das multinacionais pela liberação de sementes Terminator, visaram, visam e visarão, sempre, o impedimento da reprodução das sementes por terceiros, incluindo os próprios agricultores. Isto estaria assegurado via a imposição de uma espécie de “patente biológica”, mais difícil de “piratear” do que no caso da patente jurídica.

Sobre o assunto, vale registrar que grande parte do 1 bilhão e quatrocentos milhões de agricultores, em todo o mundo, principalmente agricultores de pequena escala, dependem da semente colhida como principal fonte de sementes para o novo ciclo agrícola.

Calcula-se que cerca de 60% das sementes utilizadas pelos agricultores brasileiros são guardadas de uma safra para a outra.
Com o Terminator estes agricultores estarão na dependência total de fontes externas de suprimento desse insumo, pondo fim, assim, à prática milenar de seleção, melhoramento e troca de sementes entre agricultores de pequena escala, comunidades indígenas e tradicionais, que constituem um verdadeiro seguro de países como Brasil para a segurança alimentar e para a preservação da biodiversidade.

A respeito das supostas vantagens para a biossegurança relativas à utilização de plantas estéreis, não passa de ardiloso recurso adicional de marketing das multinacionais em seu lobby contra a moratória dessas tecnologias na Convenção da Biodiversidade. Na verdade, tais vantagens não se confirmam na prática, pois existe sim polinização cruzada com outras variedades da espécie, cujas sementes poderão não ser estéreis. Como a característica de restrição ao uso envolve um complexo de muitos genes, ela dificilmente será transmitida por completo (junto com o gene “de interesse” tipo inseticida) no cruzamento fortuito ou aleatório com outras plantas na natureza. A transmissão vai acontecer de uma maneira imprevisível e incontrolável, fazendo com que a presença do complexo genético Terminator no campo (inclusive dos tais “biorreatores”) seja muito mais um risco do que uma garantia para a biossegurança.
Corroborando a avaliação acima, o “Grupo Ad Hoc de Especialistas Técnicos sobre Tecnologias de Restrição de Uso Genético”, formado para assessorar a Convenção sobre Diversidade Biológica apontou em seu relatório que: “…..que as plantas GURTs produzem pólen GM capaz de fertilizar cultivos próximos e plantas silvestres ou invasoras aparentadas. Os transgenes contidos no Pólen GM e (potencialmente) qualquer proteína expressa por esses genes estarão, assim, presentes na semente de polinização cruzada, independentemente se essa semente tornou-se estéril”.
Portanto, as tecnologias de restrição de uso impedem que a semente germine, mas não impedem a produção e dispersão de pólen. Dessa forma, a característica da esterilidade pode ser transmitida para outras plantas, inclusive para plantas silvestres.
Cumpre assinalar que a Conferência das Partes (COP-8) da Convenção da Biodiversidade, de 2006, em Curitiba, reafirmou a proibição ao plantio de sementes GURT adotada na COP-5. Apesar de as Decisões dos países membros de uma convenção já em vigor não serem “vinculantes”, o país que as violam perdem respeito e credibilidade em futuras negociações, podendo ser cobrado pela “falha” por interlocutores inclusive em negociações sobre outros temas, sejam militares, comerciais, etc. Assim, no mínimo, é do interesse nacional que o Congresso não exponha o país a vexames ou se desmoralize internacionalmente, sendo aconselhável, neste caso, como em outros, que o Brasil mantenha a coerência entre compromissos assumidos junto a outras nações e sua própria legislação nacional.

As conseqüências da proposição em referência, na ampliação do monopólio transnacional das sementes seriam desastrosos para economia, para os agricultores e para a soberania nacional. Em um cenário onde 100% das sementes precisassem ser compradas pelos agricultores, no Brasil, somente no caso do milho, por exemplo, o gasto anual com sementes aumentaria de R$ 162 milhões para R$ 1,17 bilhão.
Entre agosto de 1994 e agosto de 2006, o preço médio da semente aumentou em 246% no Brasil . Este custo é muito mais impactante sobre os agricultores familiares que usam pouco ou nenhum insumo e que trabalham com tração animal, onde as sementes podem representar até 100% do desembolso dos recursos que os agricultores utilizam para a produção agrícola. No Estado do Paraná, principal produtor de milho do país, a Secretaria de Agricultura estimou, para a safra 2007/2008, que o custo da semente correspondeu entre 6% a 10% do custo de produção (SEAB/DERAL, 2007). No caso da soja, o custo da semente correspondeu a 5.8% em plantio convencional e 6.4% em sistema de plantio direto.  

No caso do milho, a região mais penalizada com a obrigatoriedade de compra de sementes a cada safra seria a região Nordeste.  Desta forma, além de onerar significativamente a agricultura brasileira, a tecnologia Terminator teria um impacto catastrófico nos segmentos mais pobres da população rural, conforme dito, antes.
Portanto, a modificação genética de plantas para produzir sementes estéreis tem sido objeto de ampla condenação pela sociedade civil, por organismos científicos e pelos governos de numerosos países, por considerá-la, no mínimo, uma forma imoral e antiética de aplicação da biotecnologia.

Não bastassem tais implicações desastrosas desde as perspectivas dos interesses coletivos e da soberania nacional, a iniciativa em tela mostra-se absolutamente inoportuna para o PT. Ocorre às vésperas da Convenção do Clima de Copenhague onde a temática ambiental em geral será abordada.


Brasília, em 14 de agosto de 2009
Gerson Teixeira