Agricultura familiar quer atuar mais na cadeia do agrocombustivel
Por Antônio Biondi
Do Repórter Brasil
Por Antônio Biondi
Do Repórter Brasil
Seis anos se passaram desde o lançamento do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) e, a despeito do reconhecimento de avanços (como o surgimento de um novo mercado, o estabelecimento de melhores preços e a geração de emprego e renda), os agricultores familiares que têm alguma ligação com o setor querem mais. Mais autonomia e atuação nas definições e etapas da cadeia produtiva, mais diversificação nas matérias-primas, mais diferenciação entre o modelo da pequena propriedade e o das grandes empresas e mais apoio do governo e da iniciativa privada.
A avaliação dos próprios representantes da agricultura familiar acerca do processo é importante não apenas para entender as falhas ocorridas, mas também para projetar futuros acertos. No Piauí, por exemplo, onde o programa de biodiesel gerou grandes esperanças (e enormes decepções), a expectativa agora é a de que o diálogo com a Petrobras Biocombustível (PBio) permita que os pequenos produtores sejam reinseridos na cadeia produtiva do biodiesel. E, desta vez, de forma consistente.
Claudionor Vieira, o Neguinho, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Piauí, explica que o movimento está em tratativas com a empresa, uma vez que existe a perspectiva de ampliação das parcerias da PBio com os pequenos agricultores para atender a capacidade instalada da usina de Quixadá (CE). A possibilidade inicial é de que os Estados de Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco sejam incluídos, sendo que a inclusão de Pará e Maranhão estaria também em análise.
Consultada pela Repórter Brasil sobre seus diveros projetos nos estados, a assessoria de comunicação da PBio informa que a parceria com os agricultores se iniciou no Rio Grande do Norte em 2008 e, no Piauí, em 2009. Em Pernambuco e na Paraíba, a empresa já começou a implantar núcleos de produção com agricultores familiares. Por ora, não há projeto previsto para o Maranhão. E, no Pará, a PBio possui dois projetos para utilizar óleo de palma como matéria-prima para a produção de biodiesel.
O primeiro projeto prevê a construção de uma usina de biodiesel, com capacidade de 120 mil m³ por ano, para o abastecimento da região norte do país. Os pólos de produção agrícola serão nos municípios de Mocajuba (PA), Baião (PA), Igarapé-Miri (PA) e Cametá (PA).
O viveiro para produção de mudas de palmas está em fase de implantação. O segundo prevê a produção de biodiesel (300 toneladas por ano de óleo de palma) em Portugal para o mercado ibérico. Os pólos de produção estão sendo desenvolvidos nos municípios de Tomé-Açú (PA) e Tailândia (PA). A fase de plantio deve se iniciar este mês.
Aprendizados e mudanças
No Piauí, a única experiência dos pequenos na cadeia do biodiesel foi com a Brasil Ecodiesel. O modelo derrocou. Em lugar da esperança de uma vida melhor, as famílias envolvidas tiveram de lidar com a frustração, os prejuízos, e, em alguns casos, com a fome e a miséria.
“A Brasil Ecodiesel fechou e não foi por falta de aviso”, ressalta Claudionor Vieira, do MST. Segundo ele, existem algumas experiências funcionando no Piauí atualmente, sem escala. Mamona é a principal cultura, o girassol é residual. A demanda das usinas tem sido basicamente pelos conhecidos grãos de soja, até pela baixa produção das outras culturas.
Para o dirigente do MST, “o modelo começou errado”, pois se baseou na superexploração do trabalho, no endividamento familiar e na monocultura. “Chocava-se frontalmente com a nossa concepção de agricultura familiar e camponesa”. Ele avalia que “não se aproveita nada” do modelo de produção verificado nas parcerias iniciais. Ou melhor: “aproveita-se a comprovação de que esse modelo não se aproveita de forma alguma. Nem do ponto de vista ambiental, nem do social e nem do econômico”.
Na região da usina da PBio em Quixadá (CE), o MST desenvolve projetos com a empresa levando em conta boa parte dos ensinamentos advindos da experiência no Piauí. Iniciada em 2007, a produção contava primeiramente com cerca de 300 produtores, em quatro municípios. Em 2008, a quantidade de famílias envolvidas passou para 1,6 mil, chegando a pouco mais de 3,3 mil em 2010. “São famílias, de várias regiões, sobretudo do Sertão Central, Sertão do Canindé e Sertão dos Inhamus, áreas mais secas e onde há mais assentamentos”, explica Antonia Ivoneide Melo Silva, a Nenê, que também é do MST e vive no Assentamento 25 de Maio, em Madalena (CE).
Os agricultores trabalham com mamona e girassol, e se organizam numa cooperativa em parceria com a PBio. Em 2009, a Cooperativa de Trabalho das Áreas de Reforma Agrária do Ceará (Cooptrace) comercializou cerca de um milhão de toneladas de mamona junto à empresa. O girassol não conta com mais de 100 famílias adeptas. “Ainda é pouco conhecido, e recente no uso por parte do movimento aqui”, diz Nenê.
A assentada explica que o movimento trabalha com a perspectiva de não implantar o monocultivo nas propriedades das famílias, nem substituir as culturas de alimentos por oleaginosas. Em média, a área destinada às culturas de biocombustíveis é de dois hectares. “Avaliamos que deve haver um limite de três hectares dessas culturas nas terras de cada família”, destaca, ressaltando a importância de o cultivo ser consorciado com culturas como feijão e milho. “Utilizamos também a mandioca, gergelim e algumas frutas, como o caju, que pode ser consorciado com o girassol”.
No projeto da Cooptrace, o respeito às questões ambientais e o vínculo com a agroecologia são essenciais. “E defendemos que haja participação dos agricultores em todo o processo, via cooperativa”.
Nenê explica que a cultura da mamona “tem se destacado pelo uso baixo, quase zero, de agrotóxicos e agroquímicos em geral”, exigindo, em alguns casos, mais adubo do que em outras áreas. Segundo ela, alguns produtores já possuíam uma tradição e conhecimento no plantio da mamona, além de solos mais adequados. “Tanto para esses quanto para os que começaram agora, a mamona gerou fonte adicional de renda”, diz, explicando que, mesmo no caso dos que não ampliaram a produção, o mercado de biodiesel gerou alguma renda. Com o novo mercado, o preço ficou melhor.
A produtividade da cultura ainda é considerada baixa. Em algumas áreas no Ceará, chega a mais de 1 mil kg por hectare, em outras fica entre 200 e 300 kg, o que não gera renda relevante. Devido principalmente à seca, 2010 foi ruim para a mamona no Estado – ao contrário de 2009, que trouxe renda aos agricultores. Esses ganhos impediram, por exemplo, que tivessem que vender bens, como animais de criação, em 2010.
Apesar do aumento do número de agricultores ligados ao projeto, os desafios do biodiesel no Ceará não são poucos. A avaliação é de é preciso ampliar a estrutura e insumos disponíveis. Melhorar o acesso aos bancos e créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – o que depende da obtenção da Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) junto ao MDA. Hoje, cerca de um terço das famílias envolvidas conta com o registro. Além disso, o zoneamento agrícola para o Ceará precisa ser aprimorado. As regras determinam o plantio do começo do ano, mas a chuva na região onde vive Nenê chega no mês de março, quando o prazo estabelecido no zoneamento já se encerrou. “Com isso, não temos acesso ao crédito. Estamos em diálogo com o Ministério da Agricultura e o MDA”, completa.
A agricultora destaca ainda a necessidade de melhorar a produtividade da mamona, para que a produção possa realmente ir para o biodiesel. Com o preço atual, o oléo de mamona, muito valorizado no mercado, acaba sendo utilizado por outras indústrias, como a de cosméticos e aviação, tornando-se difícil que vá para o biodiesel. É necessário também buscar alternativas para o destino da torta da planta, bastante tóxica.
“Sem resolvermos essas questões, fica inviável a cooperativa assumir o esmagamento”, explica a assentada Nenê. “Com o girassol, poderia ser mais interessante, mas a produção é baixa. Já existem, porém, discussões no sentido de assumirmos essas etapas”.
Dilema na Bahia
Na Bahia, onde a PBio conta com uma usina em Candeias (BA), a produção dos parceiros da empresa está concentrada na região da Chapada Diamantina, com destaque para Itaitê (BA). Assim como no Ceará, a possibilidade de assumir mais etapas da cadeia é um horizonte. Na Bahia, porém, “existe um dilema quanto ao esmagamento dos grãos, não aceito por parte da PBio”, explica Julio César Vasconcelos Campos, do MST.
Segundo ele, as famílias avaliam a possibilidade de, caso a empresa não concorde com o novo modelo, adquirir equipamentos e organizar o processo por conta própria. Hoje, há cerca de 1,4 mil famílias ligadas ao movimento envolvidas na produção de matéria-prima, em dez municípios. A meta é chegar a três mil famílias envolvidas, com o limite de três hectares de cultivo voltado ao biodiesel (basicamente a partir da mamona), e apostando sempre na diversificação (consórcio com milho e feijão).
A parceria com a PBio viabiliza a assistência técnica e o fornecimento de sementes, ao passo que o MST assume o compromisso de vender a produção à estatal, que garante os preços. “Trabalhamos a organização e inserção do agricultor no programa. Escolhemos os técnicos, e a assistência se dá por meio deles e dos dirigentes das cooperativas”, relata.
Entre as grandes vantagens para os agricultores, Júlio destaca que a PBio é uma opção ao atravessador, e que houve melhora do preço – passou de cerca de R$ 50 para até R$ 80 por saca de 60 kg. Além disso, nos anos em que a chuva escasseia, e a produção do milho e feijão se perde, a mamona costuma apresentar melhores resultados.
A expansão gradativa no plantio da mamona tem gerado melhorias nas culturas consorciadas (cultivadas na mesma área), pela renda adicional e novos investimentos gerados. Os ganhos permitem, por exemplo, a compra de animais para a produção de leite ou ovos.
Os agricultores colhem a mamona ao longo de três safras anuais, à proporção de 25%, 50% e 25%, chegando a um total de cerca de 500 kg por hectare. É uma média obtida mesmo diante de dificuldades com pragas, clima e solo. “Com melhorias, podemos chegar a 1 mil kg”, afirma.
Júlio defende que o programa ganhe musculatura, com aquisição de maquinário e contratação de mais pessoas para ajudar na organização das famílias. “Não queremos que se prenda à mamona. Queremos que as cooperativas passem a contribuir com as outras culturas”. Com mais estrutura e produtos de melhor qualidade, a comercialização tende a se ampliar.
Os pequenos agricultores, salienta Júlio, não pretendem permanecer somente no contrato de entrega de matéria-prima do grão. A ideia é trabalhar para passar a fornecer o óleo de mamona – e ficando com a torta para outros usos, como adubação do solo e outros subprodutos. “Queremos ajuda da empresa para estruturar isso, mas sentimos uma certa resistência”, ressalva. “Vamos buscar outros apoios se for preciso”.
Na visão da PBio, a implantação de esmagadoras diretamente pelos pequenos agricultores exige cuidados. “Como o aporte de recursos para a instalação de uma esmagadora é muito elevado, destacamos que as organizações da agricultura familiar devem analisar criteriosamente se existe produção de grãos em escala e alternativas de mercado que justifiquem esse investimento”, diz a assessoria da companhia.
Idas e vindas em MG
Além das usinas na Bahia, Ceará e Piauí, a PBio conta ainda com uma unidade em Montes Claros (MG), no norte das terras mineiras. Na região, a dificuldade em estruturar a produção e a falta de incentivo para os agricultores assumirem outros itens da cadeia produtivsa se coloca como o principal limite ao avanço de parcerias. A análise é de Cledinei Carneiro Zavaski, engenheiro agrônomo do MST-MG. Segundo ele, “a linha de relacionamento da PBio caminha em sentidos divergentes a tais elementos, o que limita as parcerias e a inclusão social que ela pode efetivar”.
Conhecido como Nei, Cledinei explica que as famílias locais não cultivam as oleaginosas comumente. “Assim, é preciso que sejam incentivadas, além de estarem inseridas em modelos produtivos de convivência com o Semi-Árido”, acrescenta o membro da Cooperativa Camponesa Veredas da Terra. A agricultura familiar local é voltada ao auto-consumo. Para impulsionar a atividade, ele destaca a necessidade de um subsídio inicial e do apoio à organização e agroindustrialização da produção primária.
Para Nei, o programa com a PBio apresentou uma primeira fase na qual a construção de parcerias com as entidades se fazia mais forte. Havia apoio à mobilização dos agricultores e fomento ao cultivo das oleaginosas em consórcio com alimentos. Num segundo momento, contudo, ele afirma que a parceria alterou-se, restando a política de preços mínimos e assistência técnica – exigências para o Selo Social. “Fechou-se a possibilidade do esmagamento sob controle dos agricultores, alegando-se por vezes incapacidade dos mesmos em gerenciar agroindústrias”, explica.
Após um início em que PBio e organizações locais atuaram em sintonia, a empresa, de acordo com Nei, alterou sua política. Passou-se ao incentivo à integração, com o esmagamento monopolizado pelos grupos privados. Sem a renovação das parcerias, a unidade de Montes Claros (MG) utiliza matéria-prima oriunda essencialmente de grandes produtores. “Estão abertos canais de negociação. Porém, pouco se tem avançado para novas parcerias”, destaca. Uma mudança de postura da PBio, calcula, será fundamental para alterar o quadro. Apoiar a autonomia dos agricultores no controle de parte da produção, ao menos até o esmagamento, seria um aspecto a ser considerado. “Aumentaria a margem de renda dos agricultores e seria um incentivo ao maior cultivo e ao associativismo e cooperativismo”.
Consultada sobre as críticas às suas operações em Minas gerais, a PBio informou à Repórter Brasil que os contratos tem vigência de cinco anos. “Os nossos registros indicam que o número de contratos de aquisição de grãos e de prestação de serviços com essas entidades segue crescendo, visando atingir as metas da Petrobras Biocombustível. Nas relações comerciais, a empresa segue o estabelecido em contrato”, diz a assessoria.
A companhia também informa que possui contratos para a aquisição de soja, mamona e girassol de agricultores familiares e que atende aos requisitos do Selo Combustível Social, buscando o suprimento de pelo menos 30% de sua usina, com matéria prima produzida pela agricultura familiar. “O planejamento para suprimento com óleo vegetal nas usinas de biodiesel leva em consideração a capacidade produtiva das entidades e agricultores familiares contratados, com base no 4º laudo de assistência técnica (medição dos serviços de assistência técnica) e o complemento é realizado por meio de aquisições no mercado de óleos”, diz a empresa estatal.
Organização e desafios no Sul
Na região de Palmeira das Missões (RS), o modelo das cooperativas mostra conquistas para os trabalhadores – que também enfrentam desafios para ampliá-las. Romário Rossetto, dirigente da Cooperbio e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) conta que 75 famílias estão inseridas no projeto de cultivo do tungue voltado ao biodiesel. A área plantada hoje, que envolve também agricultores ligados à Cooperfumos, é de aproximadamente 250 hectares, distribuídos em cerca de 30 municípios. O plantio destina-se também ao aproveitamento da torta do tungue (para adubo do solo e alimentação animal). Junto ao tungue, os agricultores também cultivam eucalipto para lenha, além de outras árvores, sobretudo frutíferas.
A Cooperbio possui, também, parceria com a PBio, voltada à compra de soja. “Vendemos 420 mil sacas nesta safra”, destaca Romário. A Cooperbio tem contrato para venda de 420 mil sacas, e a Cooperfumos, de outras 100 mil sacas. A produção é adquirida pela unidade da PBio na Bahia. A empresa oferece bônus de R$ 1 por saca produzida para o biodiesel. A Cooperbio compra dos agricultores e vende para as empresas, e os agricultores são todos cooperados da Cooperbio e ligados ao Pronaf.
As duas cooperativas estudam a possibilidade de fornecimento de 1,1 milhão de sacas de soja, em 2011, à usina Delta, do Mato Grosso. Segundo Romário, na região de atuação da Cooperbio (63 municípios) a agricultura familiar responde pela produção de cerca de 51% da soja. No Estado, as propriedades com até 50 hectares respondem por 33% da soja.
No horizonte da Cooperbio, ao lado do tungue e outras culturas, está a perspectiva de substituir gradativamente a soja. Ao mesmo tempo, existe a expectativa de ativar um sistema de produção de etanol por meio de micro-destilarias e de uma unidade central retificadora. A Cooperfumos, por sua vez, conclui a implantação de uma usina de óleo.
Desde o início do PNPB, os agricultores têm a expectativa da instalação de uma usina da PBio na própria região. A estratégia da empresa até agora, contudo, tem focado a ampliação da produção na Região Nortdeste, consolidando as usinas já instaladas. O projeto na Região Sul não parece ter avançado nem regredido nos últimos anos. A demora na instalação de uma unidade própria da PBio no Rio Grande do Sul, contudo, fez com que usinas privadas avançassem e ocupassem potenciais espaços.
Para Romário, a nova configuração política do Estado fortalece e amplia as chances de novidades. “Não tivemos nenhum apoio, em nenhum momento, do governo do Estado”, destaca ele, ressaltando que o novo governo, com a eleição, em 2010, do petista Tarso Genro, poderá criar a secretaria estadual de Desenvolvimento Rural e Cooperativismo.
Também no Estado do Rio Grande do Sul, a União das Associações Comunitárias do Interior de Canguçu (Unaic) conta com um programa de produção para o biodiesel, com 150 famílias em 11 municípios. “O programa encolheu estrategicamente”, explica André Santos, presidente da Unaic. “Chegamos a ter 800 famílias”. O pólo do projeto é Canguçu (RS), onde existem 14 mil pequenas propriedades. “É a maior quantidade de minifúndios em um município da America Latina”, gaba-se.
De acordo com André, o programa, iniciado em 2006, foi diminuído “pela necessidade de se dar maior autonomia à agricultura familiar no processo e depender cada vez menos das compras das grandes empresas”. O excesso de produção é vendido quase todo para indústrias – como para a gaúcha Oleoplan. A auto-sustentabilidade – em todos os aspectos – é outro objetivo. A mamona é a base da produção, rendendo cerca de 1,4 mil kg por hectare. O girassol, utilizado em menor escala, rende 1 mil kg. E a soja produz 1,9 mil kg. “A cultura mais rentável é, sem dúvida, a mamona”, avalia. Cada produtor de mamona destina entre dois a três hectares à cultura. Os que se dedicam à soja plantam em áreas um pouco maiores. O representante da Unaic estima que 95% do biodiesel gaúcho venha da soja. Canola, mamona e girassol viriam em seguida, nessa ordem.
No caso do girassol, existe comercialização para empresas menores. “Óleo de girassol para caminhão? É quase um absurdo!”, afirma André. Para ele, “o mercado de biodiesel pode ser uma válvula de escape, uma possibilidade quando há excesso de oferta, mas não ser o centro da comercialização e produção”. A crescente demanda escolar também tem criado alternativas – sobretudo após a aprovação da lei federal que prevê que ao menos 30% da merenda seja comprada da agricultura familiar.
André destaca que a Unaic está trabalhando em alternativas para que eles próprios esmaguem os grãos, com o aproveitamento do farelo e do óleo. Mas as esmagadoras industriais disponíveis no mercado destinam-se essencialmente a grandes empreendimentos. A Unaic iniciou, ainda, trabalhos com o etanol, testando a batata-doce e cana. E mantém um processo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a universidade federal locais para a autonomia na produção de sementes.
Assim como no Nordeste, os problemas da Brasil Ecodiesel geraram impactos sobre a Unaic, que mesmo assim assegurou seu projeto entre aqueles com maior experiência e longevidade. A avaliação de André é que o PNPB precisa evoluir para afastar a dependência das famílias com relação às grandes empresas. “Elas não têm interesse de comprar da agricultura familiar. Só compram uma parcela mínima, para garantir algumas questões. E com muita pressão”. Para ele, a atual configuração confunde os modos de funcionamento da agricultura familiar e do agronegócio.
“A agricultura familiar tem condições de ocupar nichos do mercado, como a produção orgânica, ou o fornecimento dos melhores produtos”, emenda o presidente da entidade. Ele destaca que o PNPB vem permitindo a abertura de novas oportunidades. Graças ao programa, “surgiu a possibilidade de investimentos na mamona na nossa região, o desenvolvimento de tecnologias, a busca de outros mercados e a rotação de culturas”. Segundo ele, melhorias também se deram na implantação de novas técnicas, ao lado de avanços políticos e de organização. “A Unaic mesmo criou uma cooperativa na área de bioenergia, a Cooperativa União”.
O envolvimento do governo federal foi positivo, na avaliação feita por André. “Mas há muito para se aperfeiçoar, especialmente no relacionamento com as empresas e na diversificação das culturas, com o incentivo a outras que não a soja”, continua a liderança de Canguçu (RS). O governo estadual, por sua vez, não teve participação, e “fez muita falta”.
No Paraná, Richardson de Souza, do programa de bioernergia da secretaria estadual de Agricultura e Abastecimento, destaca avanços nas parcerias dos agricultores familiares com as usinas construídas no Estado, como a BSBios-Petrobrás, em Marialva (PR), a Biopar, em Rolândia (PR), e a Oleoplan, em Ponta Grossa (PR). “Estamos trabalhando para essa aproximação, sobretudo por meio das organizações, principalmente cooperativas”. Em Rolândia (PR), além da Biopar, o grupo Bigfrango conta com uma usina de biodiesel, produzido a partir da gordura dos animais abatidos na empresa. O combustível é destinado a consumo próprio na frota de caminhões.
Para as parcerias com as cooperativas ocorrerem – no sentido de as empresas compradoras poderem aderir ao Selo Combustível Social -, ele explica que a entidade deve possuir o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) de agricultura familiar, com pelo menos 70% dos integrantes ligados ao Pronaf. “Temos um cooperativismo muito forte, mas ainda com poucas cooperativas consideradas de agricultura familiar”.
A secretaria possui um projeto envolvendo uma grande gama de atores – da Companhia Paranaense de Energia (Copel) a cooperativas de agricultores, passando pelo poder público. A proposta teria os pequenos produtores no centro, com apoio da Copel e da secretaria, e com a prefeitura de São Jorge do Oeste (PR) fornecendo o terreno para instalação da usina de biodiesel. O projeto depende de um acordo entre a Copel e as cooperativas, para que se definam os termos do convênio e o desenho institucional a ser dado à administração por parte dos agricultores familiares – que podem criar um ente jurídico específico para se dedicar à empreitada.
O representante da secretaria confia no projeto. “Está tecnicamente testado, com os devidos encaminhamentos junto à ANP (Agência Nacional do Petróleo) e ao governo estadual, inclusive quanto aos incentivos tributários”, diz. Resolvida a questão das contrapartidas, o projeto deve ganhar vida própria – mesmo com a mudança de governo estadual, com a eleição de Beto Richa, do PSDB. “Pode haver algum ajuste nos parceiros, mas acredito no avanço ainda neste ano ou início do próximo”, conclui.