Livro sobre conflito em Porecatu é lançado na Jornada de Agroecologia

Por Michele Torinelli 

Marcelo Oikawa lança livro na 10ª Jornada de Agroecologia. Imagem: Joka Madruga
Na última quinta-feira (23), o jornalista Marcelo Oikawa apresentou ao público o livro “Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram” (Editora Expressão Popular). Quatro mil camponeses, militantes, estudantes e pesquisadores lotaram o ginásio da Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde ocorre até sábado (25) a 10ª Jornada de Agroecologia.

Estiveram presentes, e foram colaboradores da obra, o advogado Laércio Souto Maior, a vereadora Lenir de Assis (PT-PR), o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) João Pedro Stédile, o professor da Universidade Federal do Paraná UFPR) Osvaldo Heller da Silva e a ex-deputada estadual Elza Correia, filha de Manoel Jacinto, um dos líderes da guerrilha de Porecatu.

 
Oikawa declarou-se honrado em coroar seu trabalho de 20 anos de pesquisa na presença de tantos amigos e, principalmente, de trabalhadores rurais que hoje são assentados e acampados da região de Porecatu. “Eles estão nas mesmas fazendas em que na época os trabalhadores entraram em greve por melhores condições de trabalho e em apoio à luta dos posseiros em defesa de suas terras”, acrescenta. Elza acredita que seus pais estão muito contentes com o trabalho do jornalista, onde quer que estejam. “Hoje eu vejo aqui, na luta pela terra, muitos Manoeis e Anitas Jacinto”, diz.
 
O objetivo da obra é romper o silêncio em torno desse conflito. “Em Porecatu, a palavra camponês foi usada pela primeira vez no Brasil, para designar o trabalhador rural sem terra, arrendatário, colono ou pequeno proprietário. Foi também por causa de Porecatu que no Brasil se assinou pela primeira vez um decreto de desapropriação de terras para fins sociais. Apesar de tudo isso, a guerrilha de Porecatu é praticamente desconhecida”, conta o escritor.
 
 
Histórico do conflito
 
Era final da década de 1930, implantava-se o Estado Novo de Getúlio Vargas. A política nacional, baseada no exemplo estadunidense de Abraham Lincoln, realizava a “Marcha para o Oeste”, com o objetivo de povoar o então esvaziado interior do país. O interventor Manuel Ribas aplicou a iniciativa no Paraná, e milhares de pessoas de todo o Brasil atenderam ao seu chamado.
 
Em 1945 caem Getúlio, o Estado Novo e Manuel Ribas. Moisés Lupion assume o governo estadual e, para favorecer a elite agrária, estabelece uma nova divisão das terras. “Aqueles que haviam sido convidados agora eram considerados intrusos”, esclarece o jornalista.
 
O movimento começou com a instalação de cerca de 300 posseiros em 1940 e chegou ao fim com o envolvimento de três mil pessoas, em 1951. A luta armada iniciou-se em 1944; quatro anos depois, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) assumiu a liderança e chegou a controlar uma área de 40 km².
 
“Uma parte do PCB acabou considerando Porecatu como um dos maiores erros cometidos pelo Partido. Uma outra parte silenciou”, declara o escritor. Ao final do conflito dois dos comandantes guerrilheiros receberam a incumbência de reconstituir a luta. Escreveram quinhentas páginas que foram encaminhadas ao dirigente Carlos Marighella. A partir daí não houve mais notícias sobre o documento.
 
“Os posseiros queriam a terra, os comunistas queriam o poder”, aponta Oikawa. Ele acredita que justamente por essa dicotomia posseiros e comunistas acabaram sendo derrotados por um forte aparato militar que mobilizou centenas de homens das forças públicas de São Paulo e Paraná, além do Batalhão de Fronteira do Exército sediado em Foz do Iguaçu e a Força Aérea Brasileira.
 
 
Luta e mobilização
 
Apesar da derrota sofrida, diversas conquistas ocorreram em decorrência do conflito: foi nessa região que surgiram as duas primeiras Associações de Lavradores do Brasil, em 1944. A primeira em Porecatu, com 270 famílias; a segunda em Guaraci, com 268 famílias. Até o final do conflito existiam doze associações, já com o nome de Ligas Camponesas.
 
A guerrilha foi o motor não só da organização camponesa, mas também da comunista. Segundo Oikawa, dezenas de sindicatos foram fundados por comunistas em todo o norte, noroeste e oeste do Paraná, chegando a 67 em 1964.
 
Stédile apontou a importância de que conheçamos nossa história. Quando militantes decidiram fundar o MST em 1984, não sabiam direito que forma o movimento assumiria, por isso optaram por ouvir àqueles que lutaram antes deles. “Nós só fazíamos duas perguntas: no que vocês acertaram e no que erraram?”, conta Stédile.
 
O coordenador do MST apelidou Oikawa de “novo Lênin de Porecatu”, porque assim como o líder soviético, teve a sabedoria de registrar em livro o que o povo fez na prática. Já a vereadora Lenir de Assis agradeceu o escritor por não deixar apagar da memória as conquistas feitas com tanta luta, tanto sangue, e nesse caso, tão próxima dos paranaenses. “Quero agradecer também ao MST e à Via Campesina por não deixarem essa luta morrer”, enfatizou Lenir.