“A redução de 15 m no novo Código baseia-se em nada”



Do Instituto Humanitas Unisino



Do Instituto Humanitas Unisino

Antes de aprovar um novo Código Florestal, é preciso reavaliar o Código vigente e atualizá-lo com o conhecimento científico adquirido nos últimos anos. Essa é a proposta defendida pela Academia Brasileira de Ciência – ABC e pela Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência – SBPC. “Sugerimos, em encontro no Senado e na Câmara, que o Código em vigor seja reescrito incorporando o conhecimento científico existente, pois não podemos pensar a questão ambiental separada da questão agrícola”, disse o biólogo e membro da ABC e SBPC à IHU On-Line por telefone.

Ricardo Rodrigues integra o grupo de pesquisadores responsáveis pelo estudo O Código Florestal e a Ciência – Contribuições para o Diálogo, organizado pela SBPC e pela ABC. Recentemente, ele e outros cientistas apresentaram sugestões de alterações ao Código Florestal aos senadores da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) e da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Segundo ele, o encontro foi positivo e a perspectiva é que o texto do Código Florestal seja alterado e aprovado até dezembro.

Na entrevista a seguir, Rodrigues diz que o novo texto do Código Florestal apresenta equívocos e não soluciona os problemas do Código atual. Entre as limitações da nova proposta, ele aponta a redução da mata ciliar de 30 para 15 metros. Segundo ele, o conhecimento científico disponível hoje já é enfático em relação à questão. “O conhecimento científico mostra que 30 metros é extensão mínima para o cumprimento do papel da mata ciliar. Com certeza a redução de 15 metros proposta no novo Código Florestal baseia-se em nada”.

Ricardo Ribeiro Rodrigues é graduado em Ciências Biológicas e doutor em Biologia Vegetal pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente é docente na Universidade de São Paulo – USP e coordena o Laboratório de Ecologia e Restauração Florestal da instituição.

Confira a entrevista:

Qual é a proposta da Academia Brasileira de Ciência e da Sociedade Brasileira de Progresso da Ciência para o novo texto do Código Florestal?

Defendemos que o atual Código Florestal tem problemas e precisa ser atualizado em termos de conhecimento científico para depois pensarmos na criação de um novo Código Florestal.

Acreditamos que é possível construir uma política ambiental brasileira ou um novo Código Florestal sustentado no conhecimento científico disponível. Sugerimos, em encontro no Senado e na Câmara, que Código em vigor seja reescrito incorporando o conhecimento científico existente, pois não podemos pensar a questão ambiental separada da questão agrícola.

Aqueles que defendem a criação de um novo Código Florestal justificam que não existem florestas remanescentes no Brasil para o cumprimento da Reserva Legal dentro da perspectiva do Código vigente. Portanto, como não tem floresta para o cumprimento da Reserva Legal, a proposta é mudar o Código. Entretanto, em nenhuma das análises foi incorporada uma reflexão sobre as áreas que já foram inadequadamente disponibilizadas para agricultura. Com a evolução da tecnologia no campo, muitos territórios acabaram se transformando em áreas marginais e foram abandonados e agora querem revertê-los com uma nova ocupação dentro do conceito da Reserva Legal.

Quais são os principais equívocos do novo texto do Código Florestal?

Uma das propostas do novo Código é reduzir a área das matas ciliares de 30 para 15 metros. Se existe uma faixa de Área de Preservação Permanente – APP de 30 metros, mas só se recupera 15m, o que se faz com o restante? Essa aérea ficará abandonada? O conhecimento científico mostra que 30 metros é extensão mínima para o cumprimento do papel da mata ciliar. Com certeza a redução de 15 metros proposta no novo Código Florestal baseia-se em nada.

Outro equívoco é tentar compensar as degradações da Reserva Legal dentro do bioma. Quando se faz compensação do bioma, compensa-se uma formação ambiental muito diferente daquela que foi degradada, pois dentro do mesmo bioma existem vários ecossistemas. Quando se degrada uma área da Reserva Legal, é preciso recuperá-la e conservá-la. Através do conhecimento científico, mostramos que essas compensações têm um limite espacial de distância que precisa ser respeitado.

O senhor esteve reunido com os senadores da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle e da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária para falar sobre os impactos do Código Florestal. Como foi o encontro?

Foi muito positivo. Estava desanimado com a aprovação do Código Florestal na Câmara, mas fiquei animado com a recepção dos senadores em relação às nossas propostas. Conseguimos expor nossa posição; apontamos os itens do Código Florestal que precisam ser alterados e fundamentados no conhecimento existente e, principalmente, defendemos que é preciso integrar a questão ambiental com a agricultura. Não existe essa dicotomia, que foi colocada no texto do novo Código Florestal, de que a questão ambiental briga com a questão agrícola. Elas são complementares.

Para se ter uma ideia, as usinas de cana-de-açúcar são altamente impactantes em termos ambientais e não respeitam o Código Florestal atual, no que diz respeito à Reversa Legal, e as áreas de preservação. Ou seja, elas estão irregulares em termos ambientais. Mas quando se faz um diagnóstico ambiental e agrícola destas propriedades, percebe-se que a taxa de ocupação agrícola com cana-de-açúcar é em torno de 70%, enquanto a ocupação de áreas de preservação permanente fica em torno de 8%. Portanto, falta no Brasil um planejamento ambiental e agrícola da atividade de produção.

Outro grande problema ambiental do país é a pecuária: 2/3 da área agrícola é utilizada com pecuária de baixa produtividade. Nesse sentido, é preciso aumentar a produtividade da pecuária, o que permitirá a redução de área com pecuária, a qual poderá ser utilizada para a expansão da agricultura de grãos ou de cana-de-açúcar, por exemplo. Até 2030 o Brasil precisará de 15 milhões de hectares para a expansão agrícola. Ou seja, a solução da agricultura está na própria agricultura.

Alguns argumentam que o café, o arroz e o maracujá estão em áreas de restrição ambiental, mas estas são situações isoladas em relação ao todo. Para esses casos, podem-se pensar alternativas específicas, pois existem algumas soluções técnicas que permitem diminuir o impacto ambiental destas culturas. É besteira mudar um Código inteiro por causa de situações que representam 5% da atividade agrícola brasileira.

Como os agricultores reagem diante da possibilidade de preservar as APPs?

Quando se propõe aumento de tecnificação da agricultura, eles aceitam preservar as APPs. Eles não conseguem cumprir as regras do Código Florestal por causa da baixa produtividade agrícola.

Como é possível recuperar os 61 milhões de hectares de terra que estão degradadas?

É possível recuperá-las através da agricultura. Existem práticas agrícolas que permitem esta recuperação. Terras de baixa aptidão agrícola devem ter realocação de uso e podem ser destinadas à Reserva Legal.

Vocês apresentaram aos senadores novas tecnologias para o mapeamento e estudo sobre os recursos naturais brasileiros. Que tecnologias são essas?

Hoje, dispomos de um pacote tecnológico de imagens de radares e de novos programas de computador que permitem o planejamento agrícola ambiental de forma muito mais efetiva do que 40 anos atrás, quando o Código Florestal foi aprovado. Atualmente, temos imagens de alta resolução que permitem monitorar metro a metro a produção agrícola.

Qual sua expectativa em relação à aprovação ou não do novo Código a partir deste encontro com os senadores?

Segundo os senadores, a decisão final será da presidente. Até dezembro serão realizadas novas discussões, votações, e certamente o texto voltará para a Câmara com alterações. A expectativa dos senadores é que até dezembro o Código seja aprovado. Saí deste encontro com a perspectiva de que vamos conseguir fazer um planejamento agrícola e ambiental com conhecimento científico.