Propaganda enganosa do agronegócio


Por Tiago Bueno Flores
Militante do MST e mestrando em
Geografia Humana da Universidade de São Paulo

Por Tiago Bueno Flores
Militante do MST e mestrando em
Geografia Humana da Universidade de São Paulo

Que recentemente o agronegócio tem procurado atrelar sua imagem ao discurso da chamada “sustentabilidade” não é novidade. O que é inédito é a sua tentativa de expropriar dos autores originais os termos corretos para a conversão ecológica da agricultura.

Matéria intitulada Leontino da cana verde, publicada na edição número 50 da revista “Brasileiros”, de setembro, é praticamente uma ode a um dos donos do grupo Balbo, grande representante do setor sucroalcooleiro.

O texto faz um breve histórico do surgimento da organização, limitando-se a mencionar o ano de início das atividades, em 1946, e os patriarcas que fundaram o atual império, desconsiderando o rastro de prejuízos sócio-ambientais decorrentes da cultura canavieira convencional.

Embora a história do grupo Balbo sozinha seja tema para uma longa argüição em relação as suas atividades nocivas na cidade de Sertãozinho, no interior de São Paulo, aqui abordamos o processo revolucionário na forma de produzir alimentos, do qual o senhor Leontino Balbo se auto intitula pioneiro. Trata-se da Agroecologia.

Baldo é dono e diretor da Native, empresa especializada na comercialização de açúcar orgânico, sendo a maior produtora do mundo, com exportações para 64 países. Seu principal público é a classe A dos Estados Unidos e Europa, que consumirão 54 mil toneladas de açúcar orgânico das 63 mil toneladas previstas para 2011.

Ele começou suas atividades no final da década de 1980, o que de fato lhe rende a roupagem de inovador, pois ao contrário de seus familiares, abandou as queimadas da cana-de-açúcar para investir na mecanização da colheita. Mas para além disso não existe novidade nenhuma no que querem que acreditemos.

Historinha pra boi dormir

O maquinário seria adaptado para a colheita da cana e possui estruturas que evitam a compactação do solo, tornando-o bioestruturado. Na monocultura canavieira que Leontino Balbo mantém, também é utilizado um processo onde as pragas são combatidas pelos seus inimigos naturais.

A matéria relata que “Leontino conta com um exército de vespinhas criadas em laboratório (lá na fazenda mesmo) e liberadas no momento certo, no meio do canavial”. A revista ainda destaca que devido à eliminação dos venenos químicos, parte da fauna retornou aos canaviais e de forma ingênua os identificam como “uma imensa variedade formigas, besouros e outros bichinhos”. Mas o ápice do conteúdo é que todo esse processo foi idealizado e batizado por Leontino Balbo como um novo sistema de produção: a “agricultura revitalizadora”.

Quando o diretor da Native levanta a bandeira da Agroecologia não é possível determinar se se trata de oportunismo ou desinformação – embora acreditemos na primeira opção.

Não é necessário ser especialista em nenhum ramo da agricultura alternativa para observarmos que o processo desenvolvido pelo grupo Balbo não é compatível com tal ciência. Leontino Balbo nem sequer cita os teóricos e pesquisadores que contribuíram historicamente para a construção de uma agricultura alternativa, se é que ele conhece algum.

Balbo simplesmente esquece o Processo Indore, de Albert Howard, sobre compostagem e adubação orgânica. Não menciona Rudolf Steiner e a sua proposta da Agricultura Biodinâmica, a Agricultura Natural de Mokiti Okada e muito menos o clássico Manejo Ecológico do Solo, de Ana Primavesi.

Todos verdadeiros pioneiros que desenvolveram seus estudos quatro décadas antes do brasileiro se aventurar em um processo similar. O usineiro nem mesmo se lembra que, desde 1928, Cuba desenvolve o controle biológico para insetos, quando naquele momento inseriu em seus canaviais um grande número da variedade de moscas Lixophaga diatraeae para o controle da broca da cana.

O que o diretor da Native promove, com intuito de valorizar seus produtos, é uma distorção da Agroecologia, pois tenta confundir e ludibriar a sociedade com um discurso falho e egoísta. O pesquisador Francisco Caporal, autor do livro Agroecologia: uma ciência do campo da complexividade, atenta que “é comum confundir Agroecologia com a simples adoção de determinadas práticas ou tecnologias agrícolas ambientalmente mais adequadas ou com uma agricultura que não usa agrotóxicos ou, simplesmente, com a substituição de insumos”.

O que Leontino Balbo não sabe é que a partir de suas grandes propriedades monocultoras é impossível mencionar a Agroecologia, pois esta, ao contrário do latifundiário e sua família, é fundada na solidariedade, nos valores humanos e na compreensão de que a terra é muito mais do que uma simples mercadoria. Nesse ponto, quando Leontino pensou em pegar a faca, nós já havíamos cortado o queijo.