Em um ano mais que dobrou o número de pessoas ameaçadas de morte no campo
Por Gustavo Uribe
Do O Globo
A tensão no campo tem se agravado no Brasil. Em um ano, o número de pessoas ameaçadas de morte mais que dobrou. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no ano passado, 172 pessoas estavam na lista de “marcadas para morrer”, contra as 83 de 2010. Este ano, nove pessoas já foram mortas – uma delas, assassinada no último sábado, em Rondônia, integrava a relação da CPT. No país, entre 2001 a 2011, a violência no campo deixou um saldo trágico de 405 vítimas fatais.
Embora a Secretaria Nacional de Direitos Humanos tenha anunciado, ano passado, que quintuplicou a lista de protegidos na área rural, saltando de 30 para 165 pessoas, dados inéditos do relatório anual de conflitos no campo da CPT revelam que 29 lideranças locais, entre sem-terras e indígenas, foram mortos em 2011. Este ano, em apenas uma semana, houve cinco registros de morte.
Entre os crimes do ano passado, o assassinato do casal de ambientalistas Maria do Espírito Santo e José Cláudio Ribeiro, ocorrido em maio, no Pará, causou forte impacto internacional,mas não amenizou a situação no campo, pois apenas dois dias depois, também na cidade de de Nova Ipixuna, um assentado foi morto, tragédia que se repetiu outras 16 vezes até o fim do ano.
A CPT espera ampliar a segurança aos ameaçados de morte. Essa será uma das reivindicações da entidade que, em maio, concluirá o relatório anual de conflitos no campo. A Secretaria Especial de Direitos Humanos informou disponibilidade para aumentar a lista de protegidos, caso haja a solicitação, mas a CPT queixa-se da demora na inclusão de novos nomes. No ano passado, uma liderança ameaçada teve de aguardar seis meses para receber proteção, período bem maior do que a espera média de dois a três meses anunciada pelo governo federal.
– O problema não é só proteção. O governo federal tem de desenvolver políticas para o campo, como a reforma agrária, que, no ano passado, assentou pouco mais de 20 mil famílias -afirma Isolete Wichinieski, da coordenação da CPT.
Segundo dados da entidade, o número de mortes em 2011 foi menor que em 2010, quando foram registrados 34 homicídios. Mas, com o aumento da proteção dada pelo governo federal, esperava-se uma queda maior nas estatísticas:
– Era para ter uma redução maior de mortes, mas o que houve foi um aumento no número de ameaçados – observa acoordenadora da CPT.
Atualmente, de acordo com o governo federal, estão incluídas no Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos 299 pessoas, entre ativistas da áreas urbana e rural. O foco de atuação são os estados de Minas Gerais, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco, Pará, Rio Grande do Sul e Rio.
No ano passado, o governo federal deu mais atenção aos estados do Norte, nas chamadas fronteiras agrícolas. Mas a preocupação dos movimentos ligados ao campo, como a CPT, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é de que os conflitos rurais têm ocorrido também fora dessas tradicionais áreas de tensão. Este ano, três mortes em Minas Gerais e duas em Pernambuco, ocorreram em regiões ocupadas pelo agronegócio.
– Houve um avanço do capital no campo, com grandes projetos de infraestrutura, onde agora estão os conflitos, além das regiões de agronegócio – diz Isolete.
O Cimi divide a mesma preocupação com a CPT:
– A violência no campo está em um clima de ascensão porque há um favorecimento do governo federal para um projeto de desenvolvimento. A isso se associa a impunidade – avalia o missionário Egon Heck, do Cimi, que abandonou sete anos de militância no Mato Grosso do Sul porque está “jurado de morte”.
Heck atuava em defesa dos índios Guarani Kaiowá e foi avisado pela Justiça que seu nome estava em uma lista de ameaçados de morte. Ele optou por não receber proteção do federal, mas retornou a Brasília no fim do ano passado.
– Os indígenas são os que mais sofrem as ameaças. A proteção do governo federal não vai adiantar. É preciso uma solução definitiva. O quadro no Mato Grosso do Sul é um dos mais violentos de que se tem notícia no país contra os povos indígenas. Não desisti porque é uma luta da qual não podemos abdicar.