Crise econômica piorou correlação de forças no meio rural

Pedro Rafael Ferreira
Do Brasil de Fato

Pedro Rafael Ferreira
Do Brasil de Fato


Para representantes das organizações sociais do campo, o meio rural brasileiro está sendo “sequestrado” para satisfazer o lucro de poucas grandes empresas multinacionais do agronegócio. O quadro teria sido agravado como reflexo da crise econômica internacional, a partir de 2008. Com essa avaliação, os movimentos sociais organizam, até quarta-feira (22), o Encontro Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e da Floresta, em Brasília (DF). O objetivo é definir estratégias comuns em favor de politicas públicas para populações excluídas, como camponeses, quilombolas e indígenas.

“A sociedade brasileira vem sendo sequestrada pelo modelo de produção agrícola chamado agronegócio”, sentenciou João Pedro Stédile, da Via Campesina, durante coletiva de imprensa realizada na abertura do encontro, na manhã de segunda-feira (20). Há mais de quatro anos, como efeito da crise internacional, tem ocorrido uma fuga de capitais internacionais para aquisição de bens de produção nos países em desenvolvimento. “Parte dos capitalistas do mundo inteiro está vindo para o Brasil comprar terra, usinas de combustível, hidrelétricas, agredindo o meio ambiente, forçando a mudança da legislação indígena e levando a uma maior concentração da propriedade da terra e da renda”, acrescentou.

Para exemplificar seu raciocínio, Stédile comentou o mercado do etanol, em que 70% da produção estão nas mãos de apenas três corporações: Bunge, Cargill e Shell. Ainda segundo o líder da Via Campesina, o preço da terra aumentou, em média, cerca de 200% nos últimos anos. “O que vai sobrar é um enorme passivo ambiental, com a imposição da lavoura de monocultivo em grandes extensões de terra, que não incorpora os trabalhadores”, afirmou.

O esvaziamento do meio rural também foi apontado como consequência do atual modelo de produção agrícola. “Nosso mundo rural está cada vez mais deserto. Não dá para ter uma agricultura familiar que produz a maior parte dos alimentos sem pesquisa, sem tecnologia, sem assistência técnica e sem o acesso a terra, pela reforma agrária”, criticou Elisângela Santos, da Federação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf). Segundo Elisângela, o encontro servirá para reafirmação da importância política da agricultura familiar para o desenvolvimento do país. “O conjunto das medidas [do governo] não tem levado em conta a importância da agricultura familiar, mas para acabar com a miséria e a fome somente um setor produtivo diversificado”, defende.

 

Sem negociação

Dessa vez, os movimentos sociais não pretendem dialogar diretamente com o governo federal. “Para deixar claro, não temos nenhuma agenda com o governo. Nós já conversamos no primeiro semestre e não queremos um encontro pontual para ouvir mais do mesmo. É um momento nosso e vamos dedicar especial atenção aos trabalhadores da base”, esclareceu o secretário de política agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Willian Clementino. Segundo o dirigente, o encontro continuará pautando a “luta por reforma agrária e pelo direito ao território, desenvolvimento rural e produção de alimentos saudáveis”.

“Nós não viemos aqui para propor negociação, quem está em dívida são eles [governo]”, observou João Pedro Stédile. Apesar da previsão de uma passeata nas ruas de Brasília até o Palácio do Planalto, na próxima quarta, os movimentos sociais vão priorizar um plano de ação local nos estados.

“Vivemos em um território muito rico de terra, água e diversidade, mas que foi apropriado apenas para dar lucro a alguns. Queremos que a terra seja destinada para produção de alimentos saudáveis. Esse ano o país importou feijão preto da China e todo ano temos que importar 28 milhões de toneladas de fertilizantes químicos, porque não se usa insumos locais”, pontuou Stédile, da Via Campesina.

 

Agronegócio ameaça indígenas e quilombolas

     

      Indígenas e quilombolas participam do encontro – Foto: Ruy Sposati

A situação de quilombolas e indígenas vive momento delicado, segundo relatos de lideranças que participam do Encontro Unitário. Otoniel Guarani, da etnia Guarani-Kaiowá, de Mato Grosso do Sul – um dos porta-vozes dos indígenas no evento – citou os mais recentes episódios de violência contra indígenas no país, como o desaparecimento de duas lideranças Guarani em MS e a perseguição contra Tupinambás no sul da Bahia. “Os fazendeiros estão ser armando contra os indígenas no Mato Grosso do Sul e afirmando isso publicamente. Cadê os nossos direitos? Queremos demarcação das nossas terras, segurança e punição daqueles que não nos respeitam”, exigiu.

Para Denildo Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a pressão sobre indígenas e quilombolas tem uma razão clara. “A mineração e a abertura de fronteiras agrícolas são os ovos de ouro do agronegócio e do capital especulativo. E terras indígenas e quilombolas, uma vez demarcadas, não voltam mais para o mercado. Há vários setores que não querem isso”, observou. Denildo comentou ainda sobre as ofensivas para retroceder a política de regularização dos territórios tradicionais, como a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 3239, que praticamente inviabiliza a demarcação de terras quilombolas, assim como a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) nº 215, que transfere do Executivo para o Legislativo a regularização de áreas indígenas.

O líder quilombola criticou ainda as ações do próprio governo sobre áreas tradicionais, como a expulsão de centenas de famílias da região de Alcântara, no Maranhão, para construção de uma base aeroespacial, e da recente disputa entre o quilombo Rio dos Macacos e a Marinha, no interior da Bahia. “O próprio Estado brasileiro, que tem o papel de defender, é justamente quem age como violador de comunidades quilombolas”, afirmou.

 

Encontro histórico

 

     

      Encontro em Brasília (DF) vai até a quarta-feira (22) – Foto: Ruy Sposati

Considerado a maior articulação entre as organizações sociais do campo, o Encontro Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e da Floresta marca os 50 anos da realização do I Congresso Camponês, de 1961. Na ocasião, também foram reunidos os principais movimentos sociais, de todas as orientações ideológicas. Dessa vez, aos movimentos camponeses se somaram indígenas e quilombolas. “Nossos inimigos daquela época continuam sendo inimigos de hoje, agora com a força do capital internacional do agronegócio”, destacou Willian Clementino, da Contag.

A programação inclui grupos de trabalho que vão discutir acesso à terra, território, política de produção e desenvolvimento com base na agroecologia, políticas públicas com enfoque em educação no campo, soberania energética e estratégias de organização social. “O crescimento que é imposto pelo agronegócio pode desalojar as comunidades do seu território. Precisamos saber qual o Brasil a gente quer no futuro. O encontro é uma conquista, aqui vamos traçar nossas metas futuras e conjuntas, acredito que o campo brasileiro está de mãos dadas, está unido”, avaliou Denildo Rodrigues, da Conaq.