Flexibilização das unidades de conservação são um risco ambiental

 

Do IHU Online

 

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A sinalização do governo federal de flexibilizar ou alterar o limite das unidades de conservação na região amazônica é dúbia e contribui para o aumento do desmatamento na região. De acordo com o agrônomo Adalberto Veríssimo, “toda vez que o governo sinaliza uma disposição para negociar” com os grileiros que ocuparam unidades de conservação de modo irregular, e oferece um percentual do território para ocupação, “há uma queda de braço, que acaba resultando em um aumento do desmatamento. É como se fosse uma corrida em que os ocupantes ilegais tentam desmatar ainda mais, para que o governo exclua a área como unidade de conservação, porque ela já está desmatada. É isso que está acontecendo agora”.

Segundo ele, esta é uma prática comum na região. “Tradicionalmente, na Amazônia, a forma como os atores socioeconômicos procuram assegurar o direito da propriedade é desmatando para, de um lado, gerar o fato consumado e, de outro, gerar a ideia de que eles estavam tentando desenvolver alguma atividade produtiva. É um conceito antigo, ultrapassado, mas ainda é uma forma que predomina nessas regiões do Brasil”, relata à IHU On-Line em entrevista concedida por telefone.

Na avaliação de Veríssimo, a possível flexibilização das unidades de conservação também está relacionada com a construção do complexo hidrelétrico do Tapajós, embora o processo de estudo na área ainda não tenha sido concluído. “A redução das áreas de conservação sinaliza que esse empreendimento poderá ser realizado. Se isso acontecer, uma área do Tapajós será desmatada. O governo alega que será uma área mínima, e que a construção do complexo hidrelétrico do Tapajós será diferente de Belo Monte, porque não terão grandes canteiros de obras. Mas sabemos que as hidrelétricas na Amazônia geram impactos sociais, como a migração excessiva, o caos urbano, aumento da violência, além de afetar as comunidades indígenas”, frisa.

Para ele, apesar de o discurso governamental ser otimista em relação aos cuidados sociais e ambientais, “a história recente tem mostrado que o governo está com muita dificuldade de operar esse tipo de empreendimento”. E dispara: “Temo que o Tapajós se torne uma área mais crítica do que Belo Monte, porque no Tapajós há três fatores perigosos: o asfaltamento da BR-163; a possibilidade de construção das hidrelétricas, que poderia, juntamente com o asfaltamento, criar uma onda muito forte de ocupação naquela região; e o crescimento do garimpo de ouro, porque o preço do ouro aumentou no mercado.

Adalberto Veríssimo (foto) é engenheiro agrônomo, pós-graduado em Ecologia, pela Universidade Estadual da Pensilvânia, EUA. Cofundador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia – Imazon, atualmente é pesquisador sênior da instituição.

Confira a entrevista:

Como vê a retomada dos investimentos federais na BR-163 (Cuiabá-Santarém) e na BR-230 (Transamazônica)?  A que atribui tais investimentos e quais as implicações destas obras para a região Norte, considerando o subdesenvolvimento da região? 

Nos últimos dois anos, o asfaltamento da BR-163 tem avançado, mas não há nenhum investimento significativo nesse momento. Em relação à BR-230, o principal problema é a obra de Belo Monte, que fica numa área de influência de um trecho da BR-230. No caso da BR-163, as pessoas que acompanham de perto o desmatamento da Amazônia estão alertando para o fato de que ali existe uma combinação de fatores, que podem gerar o aumento do desmatamento. Primeiro, tem o asfaltamento da BR em si. Esse asfaltamento atrai aventureiros, ocupantes ilegais, que querem entrar nessas áreas para desmatá-las e revendê-las. 

Em 2005, o governo federal tentou “vacinar” essa região, criando um conjunto de unidades de conservação. Essa foi uma maneira de evitar que o asfaltamento trouxesse essa leva de ocupantes ilegais, e aumentasse o desmatamento na região. Essa medida protege a floresta, porque evita a “corrida” pela posse da terra, uma vez que o governo se apropria definitivamente daquele território. Porém, nos últimos anos, o governo sinalizou a possibilidade de rever os limites de duas unidades de conservação, entre elas a Floresta Nacional do Jamanxim, para reconhecer que, em alguns casos, o contorno da unidade precisaria sofrer alguns ajustes. 

Grilagem 

Os ocupantes ilegais dessas áreas reivindicam uma redução muito significativa das unidades de conservação, mas o governo estava sinalizando uma redução pequena. Toda vez que o governo sinaliza uma disposição para negociar, há uma queda de braço, que acaba resultando em um aumento do desmatamento. É como se fosse uma corrida em que os ocupantes ilegais tentam desmatar ainda mais, para que o governo exclua a área como unidade de conservação, porque ela já está desmatada. É isso que está acontecendo agora. 

Tradicionalmente, na Amazônia, a forma como os atores socioeconômicos procuram assegurar o direito da propriedade é desmatando para, de um lado, gerar o fato consumado e, de outro, gerar a ideia de que eles estavam tentando desenvolver alguma atividade produtiva. É um conceito antigo, ultrapassado, mas ainda é uma forma que predomina nessas regiões do Brasil.

Então, os problemas não estão restritos somente à infraestrutura. O problema é que o governo tem dado sinais dúbios do que quer fazer com as unidades de conservação da região amazônica, em relação aos limites originários. Esse é o principal fator que tem contribuído para o aumento no desmatamento na região da BR-163. O governo diz que não está flexibilizando as regras nas unidades de conservação, mas essa é a leitura que chega lá na ponta. Isso é o suficiente para gerar essa corrida especulativa.

A resolução do governo federal de diminuir e alterar o limite de unidades de conservação, como a Floresta Nacional do Jamanxim, tem alguma relação com o complexo hidrelétrico de Tapajós? 

No caso da floresta do Jamanxim, tem um laudo técnico, feito pelo governo, que reconhece que uma parte, cerca de 10% da área, poderia ser excluída da unidade para atender a reivindicações de moradores que teriam direitos. Fiquei com algumas dúvidas quando li o documento, mas vamos admitir que de fato os moradores tivessem direitos, e o governo resolvesse então diminuir a reserva em 10%. Isso em si não resultaria em um grande problema. Mas o que o governo deve ter percebido ao longo do tempo é que as pessoas não queriam só 10% da área, elas queriam muito mais. Então, todas as vezes que o governo se dispunha a negociar, a resposta não era de boa fé.

Recentemente, o governo também diminuiu, com medida provisória, cinco unidades de conservação da região para construir o futuro Complexo Hidrelétrico do Tapajós. Então, o governo também está desafetando, ou seja, diminuindo as unidades para facilitar o processo de licenciamento e permitir a construção das hidrelétricas. O governo não precisava ter desafetado essas unidades. Pode-se fazer o empreendimento hidrelétrico, desde que ele seja licenciado pelas unidades de conservação como área de entorno. Esta seria uma maneira de proteger o próprio empreendimento, porque é precisa ter um “cinturão” de áreas protegidas para evitar a ocupação irregular na região. Por enquanto, o complexo hidrelétrico de Tapajós não está provocando o desmatamento, mas há uma sinalização de que o governo está querendo flexibilizar as regras das reservas de conservação por várias razões, seja para construir hidrelétricas, seja para atender às reivindicações de moradores locais. 

Essa informação se generalizou e passou uma percepção geral na região de que os grileiros podem forçar o governo a lhes conceder as terras desmatadas. O governo precisa dar um recado muito claro e dizer exatamente o que ele quer na região, se quiser evitar essa onda especulativa.        

O complexo hidrelétrico de Tapajós, no Amazonas, tem gerado muitas críticas e polêmica por causa das comunidades indígenas que serão afetadas pelo projeto de expansão energética. Qual é a situação do Tapajós hoje? Já é possível estimar como o complexo hidrelétrico irá afetar as comunidades e que terras indígenas serão prejudicadas?

Ainda há um longo processo de estudos a ser feito na área. Entretanto, a redução das áreas de conservação sinaliza que esse empreendimento poderá ser realizado. Se isso acontecer, uma área do Tapajós será desmatada. O governo alega que será uma área mínima, e que a construção do complexo hidrelétrico do Tapajós será diferente de Belo Monte, porque não terão grandes canteiros de obras. Mas sabemos que as hidrelétricas na Amazônia geram impactos sociais, como a migração excessiva, o caos urbano, aumento da violência, além de afetar as comunidades indígenas. Então, embora o governo tenha um discurso de que vai fazer tudo com cuidado, sem prejuízos sociais ou ambientais, o histórico não indica isso. Temo que o Tapajós se torne uma área mais crítica do que Belo Monte, porque no Tapajós há três fatores perigosos: o asfaltamento da BR; a possibilidade de construção das hidrelétricas, que poderia, juntamente com o asfaltamento, criar uma onda muito forte de ocupação naquela região; e o crescimento do garimpo de ouro, porque o preço do ouro aumentou no mercado. Aquela região já foi grande produtora de ouro no final dos anos 1980, e era uma região violenta. Então, trata-se de uma área mais delicada. 

Hoje, observamos vários problemas na região de Belo Monte, mas essa não é uma região asfaltada, não tem garimpo e o desmatamento não é tão significativo. Diria que tem um sinal amarelo aceso na BR-163, que o governo deveria agir rapidamente, conter a sangria do desmatamento, reapossar as unidades de conservação e tentar remediar o processo de ocupação na região, sob pena de assistir o aumento do desmatamento, e o aumento na violência rural. Construir hidrelétricas na Amazônia pode ser importante, mas só se todos os cuidados forem tomados, se o governo tiver uma agenda socioambiental. Entretanto, como disse, a história recente tem mostrado que o governo está com muita dificuldade.