MT diminui distância de aplicação de agrotóxicos de cidades e nascentes
Por Carolina Holland
Do Greenpeace Brasil
A produção de grandes monoculturas de exportação como a soja, o milho e o algodão está associada a um intensivo uso de agrotóxicos. Maior produtor de grãos do Brasil, Mato Grosso também é o maior usuário de insumos químicos em suas lavouras do Brasil, com média de 113 milhões de litros ao ano.
Por Carolina Holland
Do Greenpeace Brasil
A produção de grandes monoculturas de exportação como a soja, o milho e o algodão está associada a um intensivo uso de agrotóxicos. Maior produtor de grãos do Brasil, Mato Grosso também é o maior usuário de insumos químicos em suas lavouras do Brasil, com média de 113 milhões de litros ao ano.
Porém, a despeito de estudos que apontam para os riscos de contaminação do lençol freático de alguns municípios e dos danos à saúde humana, de animais e de impactos no ambiente em geral, o Estado deu, em setembro, um passo atrás na questão ambiental. O Decreto 1.362, em vigor desde o dia 13 de setembro, diminui a distância de aplicação terrestre de agrotóxicos de cidades e nascentes.
As distâncias variavam entre 150 m e 300 m e passou a ser de 90 m. A medida atende aos interesses do agronegócio, um dos grandes propulsores da economia do Estado, mas é avaliada por pesquisadores e ambientalistas como um duro golpe no meio ambiente.
O texto do decreto, publicado no Diário OficIal do Estado, regulamenta a Lei 8.588 de 2006 e revoga o Decreto 2.283 de 2009. As três matérias tratam das regras para o uso, aplicação, produção, comércio e transporte de agrotóxicos.
O decreto de 2009 estabelecia distância mínima de aplicação de 300 m de cidades e mananciais de captação de água para abastecer a população; 150 m de mananciais, moradias isoladas e agrupamentos de animais; e 200 m de nascentes.
As conseqüências para a saúde humana do contato com agrotóxicos são devastadoras. As substâncias são cancerígenas, neurotóxicas – causam depressão e irritabilidade – e provocam má formação, além de outros problemas. Os insumos ficam acumulados no corpo e podem ser detectados no leite materno, na urina e até mesmo no sangue.
Em comunicado, o Indea-MT (Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso), informou que acompanhou os debates sobre o tema e que a legislação anterior era “praticamente inaplicável”. Na nota, o instituto diz que o novo decreto traz “tranquilidade” aos produtores rurais de Mato Grosso.
Em entrevista por telefone dias após a divulgação da nota, o presidente do Indea-MT minimizou a questão. “Foi realizado um estudo técnico antes de esse decreto ser baixado pelo Governo. A aplicação já estava sendo feita com essa distância, então isso só foi regulamentado”, disse Jurandir Ribas.
Porém, ambientalistas e pesquisadores estão longe de compartilhar a mesma serenidade em relação à medida.
“O Estado está indo na contramão de tudo que está sendo feito em todo o mundo. Ao publicar um decreto como esse, cria mais um problema ambiental. O reflexo disso é que a situação, que já não é boa, vai piorar ainda mais”, critica o médico sanitarista e pesquisador Wanderley Pignati, da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), que estuda efeitos dos agrotóxicos há 10 anos.
Pignati foi um dos responsáveis pelo estudo divulgado em 2011 que constatou a presença de agrotóxicos no leite materno de mulheres de Lucas do Rio Verde.
Ele afirma ainda que a legislação que estabelecia a distância mínima na aplicação dos agrotóxicos, “que já era pequena”, nunca foi respeitada e que o decreto vai aumentar o risco de contaminação da população.
“Realizamos estudos que revelam que o lençol freático de Campo Verde, Lucas do Rio Verde e Primavera [do Leste] está contaminado por agrotóxicos. O seja, a contaminação está além das áreas de plantio. Diminuindo ainda mais a distância da aplicação, vai aumentar o impacto”, avalia Pignati.
“Os efeitos no ambiente dessa diminuição da distância não podem ser medidos com precisão, pois ainda faltam estudos nessa área. Mas é certo que as consequências não serão positivas”, diz a doutora em Biologia Débora Calheiros, da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), pesquisadora da área de Toxicologia.
“Até por uma questão de lógica, quanto mais se reduz essa distância, maior é o impacto nos seres humanos, insetos e animais no entorno dessas áreas”, acrescenta.
O consumo de agrotóxicos em Lucas do Rio Verde cresceu cerca de 70%, passando de 3,65 milhões de litros em 2005 para 5,16 milhões em 2009. A quantidade de utilização de produtos extremamente tóxicos caiu 29%, mas os classificados como altamente tóxicos e pouco tóxicos cresceram 41% e 60%, respectivamente.
Em Campo Verde, o consumo de agrotóxicos subiu 20%, de 4,15 milhões de litros em 2005 para 4,92 milhões em 2009.
Produção e substâncias proibidas
Conforme dados da CNA (Companhia Nacional de Abastecimento), o Estado foi responsável por 19% dos 162,05 milhões de toneladas de grãos produzidos na safra 2010/11.
A produção de 55,7 milhões de toneladas veio de área cultivada de 9,59 milhões de hectares, que representou 27,65% de soja, 51,12% do algodão e 5,83% do milho produzidos no país.
As plantações de soja, milho e algodão são as que mais recebem doses de agrotóxicos. E, dos 50 principais utilizados em Mato Grosso, 39 são proibidos no Canadá e Estados Unidos, conforme Pignati.
Desses mesmos 50, 22 também são proibidos na União Europeia. “Alguns deles estão proibidos há décadas. Não dá para entender a morosidade brasileira em barrar esses produtos”, diz o pesquisador.
O principal agrotóxico usado na soja é o herbicida glifosato, para controle de pragas vegetais em lavouras transgênicas, seguido de metamidofós, endosulfan (inseticidas), 2,4D (herbicida), tebocunazol (fungicida) e atrazina (herbicida). Os dados são do Indea-MT.
Desses seis agrotóxicos, dois (metamidofós e endosulfan) devem ser retirados do mercado por causa do potencial tóxico à saúde humana. A determinação é da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
O endosulfan, cuja proibição entra em vigor em julho de 2013, foi detectado em 76% dos casos de contaminação dos trabalhadores rurais pesquisados por Pignati em levantamento recente realizado no Estado. A substância estava presente no sangue e na urina deles.
Outros 35% dos trabalhadores pesquisados estavam contaminados com fitamitrona, substância tóxica à saúde humana cuja proibição ainda não foi avaliada pela Anvisa.
Pesquisas
O estudo “Contaminação das Águas Superficiais e de chuva por agrotóxicos em uma região do estado de Mato Grosso”, apresentado na conferência Rio +20 deste ano, foi feito por Pignati e pesquisados da Fundação Oswaldo Cruz
O levantamento revela que em municípios como Lucas do Rio Verde, Campo Verde e Primavera do Leste – grandes produtores do Estado – o lençol freático está contaminado por agrotóxicos.
A contaminação de águas de córregos e de chuvas indica a contaminação atmosférica que afeta áreas onde não há cultivo, como centros urbanos, afirma o levantamento. E, por isso, torna difícil mensurar a extensão de impactos e riscos sobre a saúde ambiental.
Os resultados da pesquisa apontam a deterioração da água potável – em algumas amostras, havia resíduos de agrotóxicos superiores ao recomendável pela União Europeia.
O estudo alerta também para perigo ambiental ainda maior. Como parte das áreas de produção agrícola está próxima do Cerrado, Pantanal e Floresta Amazônica, esses biomas podem ser impactados pelos agrotóxicos.
“Rios que abastecem a bacia do Pantanal, como o São Lourenço, Vermelho, Cuiabá e Seputuba estão contaminados, mas ainda não temos a dimensão disso. Precisamos realizar mais estudos para avaliar os riscos”, afirma o médico.
Conscientização
O caminho para a redução dos danos passa primeiro pela conscientização dos agricultores, defende Pignati. “Eles precisam colocar na cabeça que, ao escolher usar os agrotóxicos, estão causando danos tanto para a geração atual quanto a futura”, diz. O passo seguinte precisa ser dado pelos engenheiros agrônomos, diz o médico, que recomendam e defendem o “uso de substâncias que deveriam ser proibidas”.
Agroecologia
Pignati defende a transição agroecológica, o que significa uso cada vez menor de agrotóxicos nas lavouras. “Claro que ninguém ignora o fato de que é preciso produzir cada vez mais comida, mas é preciso reavaliar a forma como isso vem sendo feito”.
A agricultura orgânica – com nenhum tipo de agrotóxico – também é um caminho, diz acreditar Pignati. “Longo, mas que, pelo bem do ambiente e dos seres humanos, deveria ser perseguido”.