Preocupação social ou econômica?
Por Amelia Gonzalez
Para O Globo
No ano passado, quando equipes do Ministério do Trabalho e Emprego flagraram oficinas de costura em São Paulo que mantinham mão-de-obra quase escrava (a maioria de bolivianos) e detectaram que aquelas roupas eram vendidas para a famosa loja de roupas Zara (do grupo espanhol Inditex), a mídia estampou a notícia, com maior ou menor destaque.
Por Amelia Gonzalez
Para O Globo
No ano passado, quando equipes do Ministério do Trabalho e Emprego flagraram oficinas de costura em São Paulo que mantinham mão-de-obra quase escrava (a maioria de bolivianos) e detectaram que aquelas roupas eram vendidas para a famosa loja de roupas Zara (do grupo espanhol Inditex), a mídia estampou a notícia, com maior ou menor destaque.
No mesmo dia, numa espécie de ronda pelas lojas Zara dos maiores shoppings cariocas, em vez de encontrar salões vazios e vendedoras a espantar moscas, observei que o movimento continuava o mesmo. Perguntei a uma das vendedoras se a denúncia tinha mexido com as vendas e ela, divertida, respondeu:
— Que nada! Estamos recebendo vários telefonemas de mulheres perguntando se, por causa das notícias, nós não vamos fazer alguma liquidação.
O comportamento dos brasileiros diante de empresas que violam leis socioambientais tem sido indulgente, e não faltam pesquisas para atestar isso. Em 2006, na primeira pesquisa sobre consumo consciente feita em parceria com o Instituto Ethos e o Instituto Akatu, só 15% dos 800 entrevistados demonstraram interesse em exercer seu poder e deixar de comprar produtos de empresas com mal comportamento. Nova pesquisa feita em 2010 pela mesma dupla de instituições mostrou que pouca coisa tinha mudado. À pergunta sobre se a pessoa tinha algum tipo de preocupação social ou ambiental na hora de consumir um produto, 37% responderam não.
Uma outra pesquisa está sendo preparada pelo Akatu, e o resultado sairá em janeiro. Para embasá-la, o Instituto poderá contar com um estudo qualitativo feito pelo Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social Coppe/UFRJ, resultado de perguntas feitas a mais de 80 pessoas de várias partes do Brasil, de ambos os sexos e idades variadas.
É a base de uma pesquisa mais ampla, feita a pedido da Royal Holloway, universidade de Londres que pretende avaliar as opiniões de cidadãos do Brasil e Chile sobre compras públicas e consumo sustentável. O resultado brasileiro, que será apresentado junto com o estudo chileno dia 6 num evento aqui no Rio, traz pouca ou nenhuma novidade sobre os estudos passados.
Em resumo, o que os entrevistados responderam é o seguinte: há interesse de levar em conta questões ambientais na hora de fazer compras, mas desde que o produto mais ecológico não seja mais caro; dificilmente as pessoas se preocupam com os impactos sociais das empresas, a não ser que ela tenha prática de trabalho escravo ou tenha foco na produção local.
E mais: os jovens estão pouco interessados na questão da sustentabilidade. Este último ponto ratifica uma pesquisa feita em 2008 pelo DataFolha, onde 43% dos 2.579 jovens entrevistados declararam nunca terem ouvido falar em sustentabilidade.
A pesquisadora Rita Afonso, que foi a campo fazer as perguntas, ficou alarmada com o alheamento dos moços:
— Eu não esperava por isso: os jovens estão ainda muito imbuídos da ideia de realização ligada a consumo. Uma delas me disse, abertamente, que compra as coisas para se sentir aceita. Já outro rapaz, de classe alta da Zona Sul, não teve o menor problema em me dizer que não está preocupado com o que vai acontecer amanhã — disse ela.
É importante falar que Rita Afonso não sentiu, na declaração do jovem, nenhum viés filosófico que pudesse aproximá-lo de um pensamento imanente. Generalizar comportamentos a partir de respostas qualitativas não é bom. Portanto, caro leitor, esta coluna não pretende tirar nenhuma conclusão, só refletir.
Para isso, bastam perguntas. Será que os brasileiros não punem empresas porque são bonzinhos ou porque, de fato, não foram verdadeiramente cooptados pelo discurso sustentável? Será que as empresas, com a avalanche de propagandas sobre comportamentos éticos e responsáveis, não teriam conseguido, isso sim, o descrédito de muitos? Será que o fato de pequenos grupos, mais desprovidos de recursos, conseguirem práticas melhores, quer dizer que deveríamos todos rever a teoria de Schumacher, “O negócio é ser pequeno”? Eis minha colaboração para o início da reflexão.