Famílias Sem Terra estão ameaçadas de despejo em 19 acampamentos em Minas
Por Joana Tavares
Editora do Portal Minas Livre
Mal o ano começa e a Vara Agrária de Minas Gerais já volta a atuar com prontidão. Mais dois acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estão na mira, engrossando a lista de áreas sob o risco iminente de despejo, agora com 19. Uma delas é o Acampamento Novo Paraíso, na fazenda Ferroliga, no município de Jequitaí, onde vivem 135 famílias, há oito anos. Outro é o acampamento José Bandeira, na fazenda da Prata, em Pirapora, onde moram 260 famílias.
Segundo Sílvio Netto, da coordenação estadual do MST, já há 32 pedidos de reintegração de posse aprovados no estado, e 21 desses acampamentos são do MST. Dois já foram executados este ano: na fazenda Cedros, no centro-oeste do estado, e no acampamento Resistência, em Rio Pardo de Minas.
“O latifúndio e o agronegócio têm feito um enfrentamento jurídico contra os movimentos sociais, querem impedir a realização da reforma agrária. Esses juízes e promotores que lêem a cartilha do agronegócio não têm pudor de tirar famílias de cima da terra, onde têm suas casas, escola, produção”, aponta Marili Zacarias, da coordenação do acampamento Novo Paraíso.
Ela conta que no acampamento há três hortas coletivas de verduras agroecológicas, além da produção de doces e biscoitos, feita pelas mulheres. “Grande parte do abastecimento das feiras de Jequitaí e Pirapora vem dos acampamentos da região”, diz Marili. Há escola e programa de educação de jovens e adultos.
Com a publicação do processo de reintegração de posse, as famílias têm 10 dias para sair para efetuar a “desocupação voluntária”, e levar todos seus bens. Segundo a expedição do juiz, caso elas não retirem “seus bens, móveis, semoventes, barracas e o mais tiverem” não ficará caracterizada a desocupação, mas mera saída da área. “Nesse caso, deverá o Oficial de Justiça, com o apoio da Polícia Militar e com os meios disponibilizados pelos autores retirar todos os bens da área”, deixando-os sob responsabilidade dos ocupantes.
Segundo Marili, as famílias na região estão apreensivas, pois a polícia já teria dito que vai usar todo o aparato que “sem-terra merece”. Há outra ameaça: processar e prender as lideranças e famílias acampadas. “Esse recurso foi usado no último despejo, que começou na véspera do Natal, em Rio Pardo de Minas. Era uma área devoluta, as famílias viviam ali há quatro anos, mas tiveram que sair ameaçadas inclusive de serem presas”, conta.
Postura da vara agrária
Sílvio Netto explica que essas 19 ordens de despejo previstas para serem efetuadas neste ano vêm tanto da Vara Agrária Estadual como da 12ª Vara de Justiça Federal, onde atua a juíza titular Rosilene Maria Clemente Souza Ferreira. “Essa juíza já deu ordem de despejo em área que já tinha decreto de desapropriação e o fazendeiro já estava com recurso depositado na conta”, denuncia Silvio.
O MST está produzindo um dossiê com um levantamento dos julgamentos agrários no estado, que será divulgado no fim de janeiro. Mas Silvio adianta uma conclusão: “mais de 80% das decisões, tanto federais quanto estaduais, são sempre contra os trabalhadores rurais de Minas Gerais, e sempre com a mesma justificativa. Os juízes não se dão ao trabalho sequer de ler o processo. Se vêem que é conflito de terra, já vão logo assinando em favor do fazendeiro”.
Essa denúncia já foi feita também pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela AFES (Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade), que divulgaram, no final de 2012, uma nota a respeito da Vara Agrária-MG. “Liminares são expedidas, numa prática de ouvir só um lado do conflito, aquele dos que se dizem proprietários. A tônica é como se o direito à propriedade fosse absoluto, desconsiderando totalmente o instituto constitucional da função social da terra”, reporta trecho da nota.
Para Silvio, essa postura do Judiciário se constitui em mais uma forma de violência no campo, além da explícita, da pistolagem direta, como foi o massacre de Felisburgo, em que cinco trabalhadores foram assassinados. “A terceira forma de violência é a falta de políticas de reforma agrária dos governos, o que abre brecha para que se executem os despejos e também dá carta-branca para a violência direta”, completa o dirigente do MST.