Dossiê da Abrasco denuncia a realidade de agricultores afetados por agrotóxicos

 

 

Por André Antunes
Do Brasil de Fato


 

 

Por André Antunes
Do Brasil de Fato


“Trabalhava com flores em Atibaia, São Paulo. Usava muito veneno. Pas­sava muito mal por causa disso. Sentia dor de dente, tremor nos lábios, acelera­ção no coração, escurecimento de vista, dor de cabeça, e não só eu, mas toda mi­nha família. Todos os meus amigos tam­bém passavam mal. Meu amigo Nival­do está com infecção no fígado por cau­sa dos venenos e foi proibido de trabalhar no meio das flores.

Sem falar nos animais que bebem a água que tem o ve­neno e morrem. Peixes na represa morrem também. Vendo isso, tomei a deci­são de vir embora para o Sul de Minas Gerais. Chegando aqui, comecei a traba­lhar com café, mas vi que também usa­va veneno. Tomei a decisão de trabalhar numa chácara. Porém na chácara tam­bém se usam o mata-mato, Roundup, glifosato e Gramossil”.

O depoimento acima foi feito pelo agricultor Domingos Rodrigues da Silva, do Sindicato dos Empregados Rurais de Eloi Mendes, de Minas Gerais, e retra­ta uma realidade comum a muitos pro­dutores rurais brasileiros atingidos di­retamente pelo uso intensivo de agrotóxicos.

O depoimento de Domingos inte­gra o Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) intitulado ‘Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na Saúde’, cuja terceira e última parte foi lançada durante o 10° Congresso Nacio­nal da entidade, realizado em Porto Ale­gre em novembro.

O dossiê começou a ser pensado du­rante o Encontro Nacional de Diálogos e Convergências, em setembro de 2011, como explica Raquel Rigotto, pesquisa­dora do núcleo Tramas da Universidade Federal do Ceará (UFC).

“A Abrasco se organizou para participar do encontro, e construímos uma articulação entre vá­rios grupos de trabalho. Durante o evento tivemos contato com movimentos so­ciais que trouxeram uma reflexão a cerca das implicações para a saúde dos agrotóxicos e pensamos que a melhor forma de contribuirmos seria elaborando um dos­siê”.

Com um total de 469 páginas, o do­cumento fez uma revisão bibliográfica do trabalho de pesquisadores de várias universidades e instituições públicas de pesquisa do país, incluindo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele foi lança­do em três etapas, cada uma focando as­pectos diferentes da temática dos agro­tóxicos.

A primeira foi lançada em abril deste ano, durante o World Nutrition, congresso internacional de nutrição no Rio. Por conta disso, focou na questão da segurança alimentar e nutricional. A segunda parte, intitulada ‘Agrotóxi­cos, saúde, ambiente e sustentabilida­de’, procurou dialogar com os debates da Cúpula dos Povos, onde o documen­to foi lançado.

Intitulada ‘Agrotóxicos, conhecimen­to científico e popular: construindo a ecologia de saberes’, a 3ª parte procu­rou problematizar o modo de fazer ci­ência hegemônico que, segundo Raquel Rigotto, contribui para a legitimação de um modelo agrícola calcado na inten­sa utilização dos agrotóxicos, ao mes­mo tempo em que escamoteia os agra­vos à saúde e ao meio ambiente causados por ele.

“Focamos o próprio conhecimento e fizemos isso com uma reflexão sobre o paradigma epistemológico que norteia a ciência moderna, que se por um lado trouxe vários avanços, por outro contribuiu com o processo histórico do capital, com a dominação da natu­reza, a exploração da força de trabalho”, pontua.

O documento também teve co­mo preocupação central aliar conheci­mento científico, saber popular e mili­tância política. Para isso foram convida­dos a participar da sua elaboração mem­bros da Campanha Permanente contra os agrotóxicos e pela Vida e de entidades de fomento à agricultura agroecológica, como a Articulação Nacional da Agroecologia (ANA).

Além disso, inte­gram o dossiê 19 depoimentos e relatos escritos por trabalhadores e comunida­des que vivem diretamente os efeitos da contaminação por agrotóxicos e as que estão construindo alternativas à agricul­tura químico-dependente.