Martinho da Vila: “Tem de dar um jeito de botar Reforma Agrária”

Por Raphael Gomide
iG Rio de Janeiro



Um dos autores do enredo e do samba, Martinho admitiu que sugeriu e defendeu a presença de “reforma agrária” no samba-enredo.

O tema era agricultura e campo, e o compositor contou que deu a ideia e firmou pé para incluir a expressão na letra da música.

Por Raphael Gomide
iG Rio de Janeiro

Um dos autores do enredo e do samba, Martinho admitiu que sugeriu e defendeu a presença de “reforma agrária” no samba-enredo.

O tema era agricultura e campo, e o compositor contou que deu a ideia e firmou pé para incluir a expressão na letra da música.

Martinho é filiado desde 2005 ao PCdoB (Partido Comunista do Brasil), que há décadas prega a reforma agrária no País, mas afirmou que isso não teve nenhuma relação com sua demanda inicial.

“Não fica legal a gente falar de campo e não falar de reforma agrária. [Não é por eu ser filiado ao PCdoB], independentemente disso, é uma relação direta [entre campo e reforma agrária]: se você for fazer uma reportagem sobre o tema, vai ter de citar. Acharam que não era legal, porque a diretoria pediu para não caminhar para o campo político, e sim falar de festa, trabalho”, contou Martinho.

Impasse

Como disse em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, o sambista chegou a condicionar sua permanência na equipe de músicos à inserção da expressão na letra. O ultimato gerou impasse de um dia no grupo de compositores, que incluía, além de Martinho, seu filho Tonico da Vila, Arlindo Cruz, Leonel e André Diniz.

“Eu dizia: Tem de botar reforma agrária. Não acharam que era legal. Eu disse: ‘Tem que ser por aí, senão não vou participar.’ O impasse durou de um dia para o outro, a gente se falava pelo telefone, por e-mail”, contou Martinho, que já fez seis enredos e 11 sambas-enredos na carreira.

Acabou convencido de substituí-la por “partilhar” a terra. “Eu insisti: ‘Não dá [para não citar reforma agrária]. Tem de dar um jeito de botar reforma agrária… Aí o André [Diniz, compositor] teve a solução: ‘partilhar’, que é distribuir. É preciso investir, conhecer, partilhar, proteger a terra”, disse, satisfeito.

O sambista negou que tenha havido veto ou interferência do patrocinador, a Basf, à expressão “reforma agrária” no samba da Vila Isabel. Segundo ele, outra exigência sua foi a de evitar citar o nome do patrocinador ou falar diretamente de produtos que pudessem ser relacionados à empresa.

“Eu mesmo ajudei a formular o enredo. A ideia era falar de uma grande festa, não de trabalho com sofrimento. Não teve nada a ver com patrocinador [a não-inclusão de ‘reforma agrária’]. Eu também coloquei: não vamos falar de patrocinador, agrotóxico, industrialização, transgênicos. Fui um dos responsáveis pelo enredo. Formalizamos a sinopse do enredo, falando de campo, trabalho, festa, religiosidade”, explicou.

O resultado foi um samba-enredo de fato alegre, elogiado e cantado com entusiasmo pelos componentes durante o desfile que sagrou a Vila Isabel campeã do Carnaval de 2013.

Veja abaixo o resultado final da letra dos compositores Arlindo Cruz, Martinho da Vila, André Diniz, Tonico da Vila e Leonel.

Enredo: “A Vila canta o Brasil, celeiro do mundo: “Água no feijão que chegou mais um”
Isabela Kassow
Michelle Fernandes, da Vila Isabel , é a Passista iG Rio 2013

O galo cantou

Com os passarinhos no esplendor da manhã

Agradeço a Deus por ver o dia raiar

O sino da igrejinha vem anunciar

Preparo o café, pego a viola, parceira de fé

Caminho da roça, e semear o grão…

Saciar a fome com a plantação

É a lida…

Arar e cultivar o solo

Ver brotar o velho sonho

Alimentar o mundo, bem viver

A emoção vai florescer

Ô muié , o cumpadi chegou

Puxa o banco, vem prosear

Bota água no feijão já tem lenha no fogão

Faz um bolo de fubá

Pinga o suor na enxada

A terra é abençoada

Preciso investir, conhecer

Progredir, partilhar, proteger…

Cai a tarde, acendo a luz do lampião

A lua se ajeita, enfeita a procissão

De noite, vai ter cantoria

E está chegando o povo do samba

É a Vila, chão da poesia, celeiro de bamba

Vila, chão da poesia, celeiro de bamba

Festa no arraiá,

É pra lá de bom

Ao som do fole, eu e você

A Vila vem plantar

Felicidade no amanhecer

Festa no arraiá,

É pra lá de bom

Ao som do fole, eu e você

A Vila vem colher

Felicidade no amanhecer