A mídia tem lado: como Chávez e o MST são tratados pela grande imprensa

 

 

 

Por Edgar Leite 
Do Observatório da Imprensa

 

O tratamento dado pela grande imprensa brasileira ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, falecido em 5/3, é muito parecido à forma utilizada na abordagem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Observação: estão guardadas as devidas proporções entre o presidente de uma nação e um movimento que luta por reforma agrária.

 

 

 

Por Edgar Leite 
Do Observatório da Imprensa

 

O tratamento dado pela grande imprensa brasileira ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, falecido em 5/3, é muito parecido à forma utilizada na abordagem ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Observação: estão guardadas as devidas proporções entre o presidente de uma nação e um movimento que luta por reforma agrária.

Chávez é considerado o presidente populista, ditador, antidemocrático, inimigo número um da imprensa e déspota. Político que luta contra a liberdade de imprensa. Uma parte da mídia o considera el diablo. O MST, movimento marcado por lutas, garante que sofre, na maioria das vezes, “preconceito” de grande parte da imprensa.

São basicamente “taxados” como intransigentes e baderneiros. Os sem-terra tiveram origem na oposição às políticas de reforma agrária no regime da ditadura militar dos anos 70. Na época, priorizava-se a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com objetivo de exportação de excedentes populacionais e integração estratégica.

Em que pesem erros e acertos, esses dois atores políticos são “vozes que clamam no deserto”. O discurso de Chávez teve claro intuito de não deixar o mundo se esquecer da existência de um imperialismo reinante, ditador de normas, detentor do que se pode chamar de “tirania da maioria”.

O venezuelano criticava as práticas do neoliberalismo e, sobretudo, que era preciso “questioná-lo sempre”. Sem dúvida, Chávez cometeu exageros em sua forma de governar e talvez ainda não seja modelo de regime político nem mesmo para a Venezuela. Mas isso não dá o direito de ser “massacrado” pela imprensa que “destila” seu modo parcial de ser.

Políticos golpistas – Aqui vale uma importante constatação de Ignacio Ramonet e Jean-Luc Melenchon em artigo intitulado “O porquê do ódio a Chávez”. Eles afirmam que o governo de Hugo Chávez dedicou 43,2% do orçamento às políticas sociais. “Resultado: a taxa de mortalidade infantil caiu pela metade. O analfabetismo foi erradicado.” Lembram que a Venezuela apresenta o maior coeficiente de Gini (que mede a desigualdade) da América Latina.

Em um informe em janeiro de 2012, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal, uma agência da ONU) estabeleceu que a Venezuela foi o país sul-americano que alcançou (junto com o Equador), entre 1996 e 2010, a maior redução da taxa de pobreza. Mesmo assim, o governo Chávez foi alvo de um golpe político, em 2002, com total apoio da mídia empresarial daquele país.

Segundo John Dinges, jornalista da Columbia Journalism Review, nas semanas que antecederam o golpe a mídia privada venezuelana, em especial, conferiu ampla cobertura às manifestações anti-Chávez, ao mesmo tempo em que ignorou as manifestações pró-Chávez.

A imprensa da Venezuela chegou a anunciar a renúncia do presidente – que nunca ocorreu. Em abril daquele ano, as mensagens de repúdio a Chávez e a convocação para redirecionar a marcha antigovernista para o Palácio Miraflores foram “amplamente anunciados, promovidos e cobertos por canais de televisão privados, cujo apoio explícito à oposição tornou-se evidente”. Políticos golpistas chegaram a se reunir nos escritórios de rede de televisão.

“Quem é a mídia?” – Em seu livro A Crítica da Razão Indolente, contra o desperdício da experiência, para um novo senso comum, o escritor Boaventura de Sousa Santos deixa clara a existência de um paradigma dominante:

“Com o colapso da emancipação na regulação, o paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra em crise final. O fato de continuar ainda com o paradigma dominante deve-se à inércia histórica. Entre ruínas que se escondem atrás das fachadas, podem pressentir-se aos sinais, por enquanto vagos, de um novo paradigma” (SANTOS B. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência).

A maioria da imprensa teria então se contaminado pelas ideias do paradigma dominante – tudo o que está fora dele não pode ser considerado? Por vezes, o MST foi tratado de muitas maneiras pejorativas pela grande imprensa brasileira. Foi considerado como a “a esquerda delirante”, o movimento que pratica “a tática da baderna”, o movimento da “esquerda com raiva”, o movimento da “Marcha dos Radicais”, o movimento da “escalada da selvageria”. E mais.

As páginas da grande imprensa já trataram o MST com os seguintes títulos: “Sem-Terra e sem lei”, “MST invade prédios públicos e militante é morto pela polícia”, “O golpe da terra”, “O que eles querem?, o MST não quer apenas terra – fala em revolução e socialismo”, “Lições da longa marcha descalça, depois do protesto e festa do MST”. São títulos “maniqueístas” – onde se faz uma separação clara do bem e do mal.

Manoel Castells, em seu livro A política informacional e a crise da democracia, in “O poder da Identidade”, afirma que “os meios de comunicação audiovisual (no caso a televisão) são as principais fontes de alimentação das mentes das pessoas, pois estão relacionados às questões da natureza pública”. Castell pergunta. “Mas quem é a mídia? Qual é a fonte de sua autonomia? E de que maneira a política é nela inserida?”

A mídia tem lado – Ele diz que nas sociedades democráticas, os principais meios de comunicação são representados, essencialmente, por grupos empresariais, cada vez mais concentrados e globalmente interconectados voltados para mercados segmentados.

Visivelmente insatisfeito com a mídia, o MST criou sua imprensa alternativa para a produção de informações e notícias, muitas vezes com críticas ao governo, mas, principalmente, para tentar ampliar seu ideal de luta.

O MST já conta, inclusive, com um Departamento de Comunicação Social composto por jornalistas e membros do movimento, exatamente por não ter espaço “como lhe desejaria” na imprensa nacional. Então é por meio da “imprensa dos sem-terra” que o movimento tem buscado dar sua visibilidade às suas ações.

São esses dois exemplos – MST e Chávez – que podem ser ponto de partida para repensarmos o comportamento da grande imprensa. A certeza que fica é que a mídia tem lado. Mas, é importante questionar: ela deveria ter lado, uma vez que se diz imparcial e, muitas vezes, é concessão pública?