Plenária da CMS debate estratégias de organização da esquerda

 

Por Deborah Moreira
Do Vermelho

 

É fato. Há um novo cenário político que foi descortinado com os protestos que ocorrem no país desde junho, quando a população levou para as ruas demandas represadas. Durante os oito anos de governo Lula e os dois primeiros de Dilma Rousseff existem avanços e conquistas alcançadas, reconhecidas até mesmo pela oposição, e que precisam ser ditas.

 

Por Deborah Moreira
Do Vermelho

 

É fato. Há um novo cenário político que foi descortinado com os protestos que ocorrem no país desde junho, quando a população levou para as ruas demandas represadas. Durante os oito anos de governo Lula e os dois primeiros de Dilma Rousseff existem avanços e conquistas alcançadas, reconhecidas até mesmo pela oposição, e que precisam ser ditas.

No entanto, não houve mudanças estruturais como reformas política, fiscal, agrária, urbana e no sistema de comunicação. A afirmação foi feita por todos os integrantes e participantes da mesa de debate. 

“Houve um fator detonador, que foi a mobilidade urbana; um fator que espraiou o movimento, que foi a solidariedade depois da violência contra os manifestantes; e houve o papel manipulador da mídia. Mas, na minha avaliação, esses protestos mostraram um certo esgotamento do modelo lulista. Não pelo que ele tem de positivo, mas pelo que ele tem de limitação.

Nós temos gargalos muito sérios e que não resolvemos. É um governo antineoliberal, mas não conseguiu acabar com os pilares do neoliberalismo”, alertou Altamiro Borges, presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé.

Para ele, o governo Dilma Rousseff foi ainda mais progressista que o governo Lula no enfrentamento ao rentismo, com redução de juros e, por isso, passaram a alarmar nos jornais de que ‘estão desmontando o tripé’.

“Havia avançado, mas, diante da crise econômica mundial e da pressão, rentista e midiática, acabou dando passos para trás, essa reversão de expectativa do banco central da taxa Selic é muito negativa. A ideia de mais cortes nos gastos públicos é muito negativa. Na Europa em plena crise não se corta nada, ao contrario, se injeta mais dinheiro na economia.

Ou seja, o tripé neoliberal não está superado. Não está superada a questão do superávit primário, da política cambial, da política monetária. Nós tivemos mudanças, comemoramos avanços nesses 10 anos, mas vamos ser sinceros: mexeu em questões estruturais no Brasil?”, indagou Altamiro Borges.

João Paulo Rodrigues, dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), concorda com Miro: “Na nossa avaliação, humilde do campo, é que o ciclo chegou ao final, do ponto de vista da estratégia política para avançar ao socialismo”. Para ele, a questão central é de que “os governos passam. O quê vamos acumular do ponto de vista histórico para o conjunto da classe trabalhadora? Se não tiver claro que temos um projeto de país, teremos problemas graves.”

Ademir Figueiredo, coordenador de Estudos e Desenvolvimento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) Nacional, que também integrou a mesa, lembrou do que disse o ex-presidente Lula, na quinta-feira (18), durante a Conferência Nacional Uma Nova Política Externa, na Universidade Federal do ABC, e tentou traduzir suas palavras.

“Ontem [quinta] o ex-presidente Lula falou pela primeira vez do movimento publicamente. E em outras palavras ele disse para não deixar de falar bem da política. Tendo em vista que parte desse movimento tentou dizer que era apolítico, no sentido de ser algo genuíno e puro, por mais legítimo que seja o conjunto de bandeiras, qualquer bandeira é política. Você pode não gostar do político, mas a política não pode ser negada. Faça de outro jeito. Foi isso que entendi da mensagem dele”, explicou.

Projetos em disputa

João Paulo, do MST, lembrou que atualmente quatro grandes projetos estão em disputa no país: neoliberalismo; neodesenvolvimentismo (que inclui desde as bases do MST até bases da Fiesp); democrático e popular, que é o defendido pelos movimentos sociais e partidos progressistas da CMS; e socialista.

“Faço essa divisão para que a gente perceba os desafios: é dialogar com a militância séria que defende o socialismo, para que não descambe para o radicalismo perigoso; e dialogar com quem está dentro do governo com o neodesenvolvimentismo, para trazer o governo e o conjunto das políticas públicas para o campo histórico que construímos na década de 1980, de luta e enfrentamento.”

Ainda de acordo com a avaliação do MST, é preciso enfrentar o déficit organizativo dos movimentos e a deficiência na formação de quadros políticos e não somente na formação de vereadores ou prefeitos, mas sim formar lideranças nas bases.

“Como é que a militância vai assimilar, por exemplo, o que essa juventude que está na rua quer. E não é só fazer curso, é política de fazer quadros numa perspectiva de hegemonia como dizia Antonio Gramsci. E se forem 20 milhões para a rua? Quem vai dirigir esse processo de forma organizativa?”, exemplificou.

Já com relação a avaliação dos protestos recentes, Altamiro Borges e João Paulo discordam. Para o MST a atual conjuntura é favorável para os movimentos sociais alavancarem. “Como diz a moda sertaneja tem seus aspectos ruins, mas, no geral, tá boa”, comparou o sem-terra.

Já Altamiro demonstrou preocupação e cautela. Mesmo tendo uma visão positiva do Dia Nacional de Luta (11 de Julho), que alterou a disputa simbólica, com trabalhadores e movimentos sociais unificados. “Esse é o ponto alto do processo. O melhor termômetro para medir luta de classe é ler editoriais dos jornalões, que afirmaram que o 11 de julho foi um fracasso, o que demonstra que mexeu com a estrutura”, observou.

Mas, para o militante comunista do Barão de Itararé os movimentos sociais precisarão jogar duro: “Tudo vai depender da pressão dos movimentos sociais. O jogo mudou, não quero ser tido como um pessimista , mas o cenário está mais difícil para a implementação de um projeto popular e democrático de Brasil”.

Citando o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, que classificou o sistema econômico atual capitalista de fascismo societário. “É o sistema em que o governante é e eleito, mas é enquadrado pelo poder econômico e midiático. Então se não fizer uma disputa permanente, vamos perder espaço. Não pode ter uma postura voluntarista esquerdista radical, mas também não pode ter postura de passividade bovina, como disse já João Felício.”

Além dos movimentos sociais, Altamiro também ressaltou a importância do papel do governo Dilma neste momento. “O governo Dilma teve uma boa postura diante dos protestos anunciando os cinco pactos, tirando o da austeridade fiscal, que é incoerente. Está consultando os movimentos. Agora, não basta ouvir. O governo lula, na crise de 2005 e 2006, deu uma marca mais à esquerda em seu governo. Espero que o governo Dilma reaja da mesma forma e sinalize isso”.

Democracia participativa

Em uma análise mais de fundo, Altamiro Borges lembrou qual foi o recado das ruas: mais participação, mais democracia. “Um cara mais otimista diria que as ruas pediram socialismo. Sabe porquê? Por que as ruas pediram mais democracia, mais participação, mais educação, mais saúde, mais transporte, mobilidade urbana. Ou seja, mais presença de Estado”, relatou.

O representante do Dieese falou da necessidade de entender melhor o movimento das ruas, que também precisa ser mais claro. Se por um lado é despolitizado, no sentido de não valorizar a organização política enquanto instrumento, por outro lado é preciso dar um desconto na tentativa de instrumentalizá-lo, por parte da direita.

“Há uma tendência de vê-lo e aplicar o lacerdismo [Lacerda ex-governador do Rio de Janeiro (UDN) que tinha como característica fazer o jogo do denuncismo da corrupção]. No entanto, é um grupo de jovens muito genuíno, do ponto de vista de sua atuação, nascidos depois do período de democratização”, observou.

Ademir Figueiredo, em um exercício antropológico, explicitou a maneira como os jovens veem a política no país: “Eles viram todas as mudanças dos anos 1990 e 2000 e aprenderam que a característica desse país é se sustentar a partir de acordos políticos para manter um governo, que não se sustenta moralmente. Não é um problema de um ou outro partido, mas sim de uma máquina política que está viciada, estruturada há anos com base num ‘toma lá da cá’”.

O economista do Dieese frisou que ‘é preciso identificar qual é a reforma política que o movimento que está nas ruas quer’, lembrando que um debate muito forte é o financiamento público das campanhas, que é vedado, mas que é fundamental para dar ‘clareza e transparência para a política’.

O dirigente rural do MST reforçou que é preciso traçar novos objetivos e novas formas de luta, lembrando que no pós-ditadura militar a esquerda havia pensado quatro ‘grandes tarefas’ para se alcançar uma política mais progressista: criar um movimento social de massa com capacidade de mobilização, criar partidos políticos fortes, fazer as reformas de base e, como parte desse avanço, acumular força para chegar numa outra perspectiva. No entanto, João Paulo avalia que somente duas dessas tarefas foram cumpridas.

“Chegamos ao cargo mais alto das instâncias institucional, que é a Presidência da Republica. Porém, não demos conta de fazer as reformas e não conseguimos construir uma estrutura organizativa na sociedade além dos partidos para construir uma nova correlação de forças para enfrentar a classe dominante. Se é verdade isso, a estratégia para o próximo período precisa ser refeita. Nós precisamos coletivamente pensar uma nova perspectiva política que possa dar conta dos desafios do Brasil e da América Latina”, salientou o integrante do MST.

Plebiscito ‘popular’

Entre as resoluções do MST, após avaliação da conjuntura, e que foram levadas para a Plenária da CMS, é a retomada da luta pelas reformas como tática e estratégia, como a reforma agrária e a democratização da comunicação, também tido pelos agricultores como tema central.

“A pergunta é: temos disponibilidade para fazer esse enfrentamento?“, desafiou João Paulo, que acrescentou ainda a reflexão do papel dos movimentos sociais para esse próximo período e a apropriação da reforma política como grande bandeira de luta. 

Uma das propostas do MST é de tentar de todas as formas fazer com que o plebiscito ou a convocação de uma nova constituinte exclusiva para tal seja concretizada. Mas, caso não ocorra na instância governamental, é puxar um plebiscito popular como foi feito na época do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, que tentou implementar a Alca.

“Se não for possível via Congresso Nacional, fazemos de forma popular. Isso mobilizará o militante e toda a sociedade para o debate e assim contribuímos com a politização”.

Plenária

Depois das falas dos integrantes da mesa, os movimentos sociais presentes como Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam), Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Central Única dos Trabalhadores, União Nacional dos Estudantes (UNE), União de Negros Pela Igualdade (Unegro), União Brasileira de Mulheres (UBM), entre outros, se altarnaram nas falas para apontar dúvidas e questionamentos.

De acordo com Rosane Bertotti, secretária de Comunicação da CUT, que mediou a mesa, no sábado (20) – segundo e último dia da plenária – será resgatado o histórico de luta da CMS e, depois de ouvir representantes de organizações presentes, a plenária deverá apontar quais as novas estratégias de luta.

“O nosso objetivo é avaliar os 10 anos da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) e debater as nossas ações nesse período, com avaliação da conjuntura atual e traçar novas ações e estratégias. A ideia é refletir onde estamos e para onde vamos”, declarou Rosane.