Escolas Itinerantes completam 10 anos de luta pela educação no Paraná
Por Riquieli Capitani* Fotos: Paulo Porto
Da Página MST
Lá se vão quase 10 anos desde a primeira Escola Itinerante do estado do Paraná, inaugurada em 30 de outubro de 2003, em Quedas do Iguaçu. Batizada de Escola Chico Mendes, no acampamento José Abílio dos Santos, a escola fora construída coletivamente pelas próprias famílias do MST.
O objetivo é garantir aos acampados, crianças, jovens e adultos o acesso de qualidade a educação, formando um sujeito Sem Terra consciente, crítico e capaz de propor novas alternativas ao atual modelo de sociedade, mesmo com todas as dificuldades que se tem nos acampamentos.
Embora no MST a luta para garantir a educação em áreas de acampamentos sempre fora permanente, no estado paranaense essa conquista só se deu no dia 8 de dezembro de 2003.
Foram necessários sucessivas reivindicações e diálogos realizados entre o Movimento e o governo do estado junto à Secretaria de Estado da Educação (SEED) para que a Escola Itinerante fosse reconhecida e aprovada (mediante o Parecer n°1012/2003 do Conselho Estadual de Educação (CEE/CEB). Assim, elas se tornaram escolas públicas que compõem a rede estadual de ensino.
Para Ritamar Andreetta, educadora da Escola Base, essa é uma conquista importante para os trabalhadores Sem Terra, resultado da luta pela Reforma Agrária entrecruzada com a luta pela educação e escola.
“O povo está na terra porque lutou por ela, não foi nenhum fazendeiro que doou, muito menos governo. A conquista da terra é resultado de uma luta travada há anos, e com a escola não é diferente. Ela é conquista de uma luta, não a luta de um sujeito, mas de vários sujeitos lutando pela Reforma Agrária em seu âmbito geral, onde se inclui o direito a educação de qualidade e a escola no campo e para o campo”, disse Andreetta.
Um dos coordenadores do setor de educação do MST no Paraná, Alessandro Mariano, comenta que a Escola Itinerante é fundamental para a vida dos acampados, e aponta três aspectos que devem ser levados em consideração.
“O primeiro deles é de garantir o direito a educação. O povo Sem Terra precisa ter acesso à escola estando no acampamento, em condição de luta; o outro ponto é pensar e construir a escola no sentido mais amplo de formação humana, desde o cultural, político, social e econômico; e por fim, é necessário que fique claro que ela é uma escola do MST e pública, portanto, exige políticas públicas que garantam o seu funcionamento. Ou seja, o governo precisa e deve investir nela.”
Veja vídeo sobre os 10 anos das Escolas Itinerantes
Vanderleia Alves Fortes, da coordenação da Escola Itinerante Maria Apª Rosignon, Cidinha, localizada no Assentamento Eli Vive, em Londrina, comenta que a Escola Itinerante é sempre vinculada à realidade dos educandos.
“Nossa escola anda sempre com o povo. Ela tem a itinerância, a liberdade de acompanhar as famílias, buscando dar a oportunidade do estudo a todos, alfabetizar as pessoas desde o ensino infantil, ao ensino médio. Por isso ela se chama Escola Itinerante, pois anda junto com as famílias acampadas e está veiculada a realidade, aos espaços de luta e resistência.”
Como funciona
Por ser da luta e se movimentar com ela, a Escola Itinerante têm de estar vinculada legalmente a uma escola base que é a responsável por sua vida funcional: matrículas, certificação, verbas, acompanhamento pedagógico, etc.
Geralmente, a escola base se localiza em um assentamento do MST, referenciando-se no projeto educativo do Movimento. No estado paranaense existem nove Escolas Itinerantes, e todas estão vinculadas a Escola Base Iraci Salete Strozak, em Rio Bonito do Iguaçu.
Maria Helena Lino, educanda da Escola Itinerante Cidinha, comenta sobre sua alegria em poder estudar no acampamento. “Tudo é coletivo, tenho uma vida parecida com os demais. É tudo de igual pra igual, é uma comunidade onde todos se conhecem”, relata, acrescentando que tem orgulho de estudar na Escola Itinerante que ajuda a construir: “me sinto parte dessa construção.”
“A Escola Itinerante é a construção coletiva dos Sem Terra, é a melhor condição que o próprio Movimento criou para poder alfabetizar e estudar”, comenta Vanderleia. “É a oportunidade de garantir o aprendizado dos acampados, representa todos os sonhos das famílias, a possibilidade de educar os filhos a partir do que vivem cotidianamente e de construir uma escola diferente,” acrescenta.
Histórico
As experiências das Escolas Itinerantes vêm desde a década de 1980, quando foram construídas as escolas no Acampamento da Encruzilhada Natalino, no Rio Grande do Sul (RS), ainda denominadas na época de “Escolas de Acampamentos”.
A existência dessa prática educativa garantiu a escolarização de muitas crianças e adultos, e permitiu que esta experiência fosse reconhecida pelos órgãos públicos do Rio Grande Sul em 19 de novembro de 1996. Sendo assim, no mês de novembro desse ano serão completados 17 anos desde que a primeira Escola Itinerante foi aberta no acampamento do MST.
A Escola Itinerante foi aprovada em seis estados brasileiros: Rio Grande do Sul (1996), Paraná (2003), Santa Catarina (2004), Goiás (2005), Alagoas (2005) e Piauí (2008), mas hoje só estão em funcionamento 9 escolas no Paraná e três no Piauí.
Inauguração
Depois de funcionar por anos embaixo de árvores e barracos de lona, os 400 trabalhadores e trabalhadoras acampadas na antiga fazendo Variant, hoje Acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu, no município de Porecatu, irão inaugurar no próximo sábado (31), às 10h, a nova estrutura da Escola Itinerante Herdeiros da Luta de Porecatu, construída com o esforço coletivo das famílias.
Desde a ocupação da área, em novembro de 2008, os Sem Terra vinham lutando para assegurar o acesso fundamental a educação, buscando garantir a qualidade do ensino e as estruturas necessárias para o funcionamento da Escola Itinerante. Porém, só agora vão ter condições de garantir diariamente o funcionamento das aulas.
Serão dez salas de aula, refeitório, secretaria, biblioteca, para atender 80 crianças, adolescentes, jovens e adultos, desde a ciranda infantil, ensino fundamental, e médio.
Para a construção da escola houve investimentos do governo estadual e investimentos dos próprios acampados.
A terra ocupada pelos camponeses atualmente garante a produção digna e saudável de alimentos de qualidade, além de assegurar a escolarização dos acampados.
Entretanto, essa área nem sempre foi utilizada dessa forma. Em 2008, uma força tarefa da Polícia e Receita Federal, Ministério do Trabalho, entre outros órgãos do Estado, realizaram uma operação policial na Usina Central de Porecatu e nas fazendas do Grupo Atalla para resgatar 300 trabalhadores em condições análogas ao trabalho escravo, além de inúmeras irregularidades trabalhistas, ambientais, previdenciários, e tributárias.
Comemoração
Em comemoração aos 10 anos de existência e resistência da Escola Itinerante, o Setor de Educação do MST, em
parceria com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), e a Secretaria de Estado da Educação (SEED), promovem de 26 a 30 de agosto de 2013, nas dependências da Universidade, no Campus de Cascavel, o “Encontro dos Professores da Escola Itinerante do Paraná”.
Participam do encontro 300 educadores das nove Escolas Itinerantes e da Escola Base, além de representantes da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro), Universidade Federal do Paraná- Litoral (UFPR), Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS), Unioeste, SEED, Núcleos Regionais de Educação, APP- Sindicato, prefeitura municipal de Cascavel.
Além de comemorar o aniversário da Escola Itinerante, o encontro tem por objetivo a formação dos trabalhadores dos educadores e educadoras que atuam na Educação Básica nas Escolas Itinerantes e na Escola Base.
Esta formação faz parte do Programa de Formação da Escola Itinerante, que pretende subsidiar a construção da Proposta Político Pedagógica dos Ciclos de Formação Humana com os Complexos de Estudo, organizando espaços formativos que envolvam os diferentes sujeitos que integram a Escola Itinerante: estudantes, comunidade, coletivos pedagógicos e professores.
Durante a realização do encontro, estarão presentes autoridades convidados que representam instituições envolvidas com a proposta de Educação do Campo, como o reitor da Unioeste, Paulo Sérgio Wolff, Professora Doutora Liliam Faria Porto Borges, da Pró-reitora de graduação da Unioeste, professor Luiz Carlos de Freitas, UNICAMP, professor Galdêncio Frigotto, UERJ, além da professora Marlene Aparecida Comin de Araújo, representante do Departamento da Diversidade/Coordenação da Educação Escolar do Campo do Estado do Paraná, e Maria Izabel Grein, MST.
* Com contribuição do Setor de Educação do MST / PR