Seminário discute Educação do Campo com 350 participantes, em SC

 

 

Por Fabio Reis
Da Página do MST

Cerca de 350 pessoas participam nesta sexta-feira (30) do Seminário Estadual de Educação do Campo em Chapecó, Santa Catarina.

A atividade acontece no salão de Eventos da Catedral Santo Antônio, no centro da cidade, e foi organizada pelos movimentos sociais da Via Campesina, Universidade Federal Fronteira Sul, Assembléia Legislativa, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Uno Chapecó e demais parceiros.

O seminário busca analisar a concepção e a situação das escolas do campo e construir uma pauta conjunta de lutas que atendam as necessidades imediatas. Também é pensado estratégias para a efetivação da Educação do Campo em termos de políticas públicas e também de concepção.

Para a professora Sandra Dalmagro, da UFSC, é necessário construir um projeto de educação do campo que seja emancipador.

“É preciso aprofundar a teoria do conhecimento e em muitas das nossas experiências buscamos a humanização, mas o ser humano tem muitas dimensões. É preciso pensar em uma educação que trabalhe com as várias dimensões do ser humano” disse Sandra.

A professora ainda completou lembrando que “o conhecimento supõe as relações entre teoria e prática, mas vivemos em uma sociedade que fragmenta e aliena”, e que, portanto, essa lógica não pode ser repetir nessas escolas, que têm o desafio de fazer com que os jovens façam a relação entre teoria e prática.

O encontro acontece desde quarta-feira (28), quando os participantes realizaram um ato político na Av. Getúlio Vargas com o intuito de dialogar com a população.

Abaixo, confira a carta escrita pelos participantes do encontro, em que reafirmam o compromisso com a educação do campo, denunciam a situação da educação no estado e reivindicam de imediato a garantia do direito da educação do campo em todos os seus aspectos descritos na carta.

SEMINÁRIO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO – SANTA CATARINA
CHAPECÓ, 28 A 30 DE AGOSTO DE 2013

CARTA ABERTA À SOCIEDADE CATARINENSE E BRASILEIRA

1. Nós, 350 educadores e educadoras das escolas públicas do campo, militantes dos movimentos sociais e sindicais, professores e gestores da educação básica e das universidades, estudantes, camponeses e lideranças políticas, nos reunimos neste Seminário Estadual de Educação do Campo, no intuito de avaliar a situação da educação do campo no Estado de Santa Catarina e traçar estratégias comuns para a articulação dos trabalhadores e trabalhadoras, em vista à superação dos problemas enfrentados. Neste contexto, o presente documento resgata alguns aspectos históricos da luta por uma Educação do Campo, traz elementos para um diagnóstico da situação educacional do campo em Santa Catarina e apresenta proposições coletivas definidas neste encontro. O Seminário teve por organizadores: Movimento de Mulheres Camponesas – MMC, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar – FETRAF- Sul, Associação Regional das Casas Familiares Rurais – ARCAFAR Sul, Sindicato dos Trabalhadores em Educação – SINTE, Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, Diretório Central dos Estudantes da UFFS – DCE, Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ, Assembléia Legislativa do Estado se Santa Catarina, Escola do Legislativo e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

2. No contexto da questão agrária brasileira e da luta por Reforma Agrária e justiça social, por mais de uma década e meia, a educação do campo tem sido uma luta da classe trabalhadora, denunciando uma dívida histórica com a escolarização e a ausência de outras politicas públicas de direito aos sujeitos do campo, o que tem exigido uma grande organização coletiva, especialmente a partir do I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária, em 1997; da I Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, em 1998 e da II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo, em 2004. A partir desses marcos foram realizadas, nos estados brasileiros, várias ações.

3. Em Santa Catarina, a educação do campo surge no final da década 1990, da luta dos movimentos sociais e sindicais, com objetivo de problematizar as estruturas e condições educacionais que o campo enfrentava, assim como buscar soluções na perspectiva da construção de uma sociedade igualitária, em particular, a igualdade pelo direito à escolarização pública e de qualidade, o que exigia a criação de mecanismos de inserção dos trabalhadores e trabalhadoras do campo nos debates acerca das políticas públicas educacionais. Para isso diversas ações foram realizadas, entre elas destacamos:

•    I Conferência Estadual de Educação do Campo (1998), em Chapecó. Organizadores: MST, MMC e SINTE, com apoio da UNOESC.

•    Formação de professores: nas escolas e em seminários regionais e estaduais; promoção de Ciclos de Estudo da Educação Básica do Campo, entre 1998 a 2002.

•    II Conferência Estadual de Educação do Campo (1999) em Chapecó. Organizadores: UNOESC, MST, MMC, MAB, SINTE, FETRAF, PJR, Prefeitura de Chapecó.

•    III Conferência Estadual de Educação do Campo (2002) em Chapecó.

•    Fórum Permanente de Educação do Campo em SC, com protagonismo dos Movimentos Sociais do Campo de 1998-2002.

•    Participação em Congressos do SINTE, promoção de audiências públicas, manifestações e cartas ao poder público, apoio e elaboração de projetos de educação do campo.

•    Jornadas de lutas por escola e educação do campo com reivindicações junto às prefeituras, além de debates/estudos sobre a proposta de Educação do Campo nas escolas e comunidades.

•    Projetos Pronera em parceria com a UFSC, UNOCHAPECÓ e UNOESC. Foram realizados 12 projetos até o momento. Mais 6 mil estudantes foram formados na educação de jovens e adultos, cursos técnicos de nível médio e especializações

•    Em 2005 criou-se o Comitê Catarinense pela Educação do Campo; em 2008 o Fórum Catarinense de Educação do Campo. Desde então, foram realizados seminários estaduais motivados pela Coordenação Geral de Educação na SECAD/MEC, bem como o acompanhamento da implementação de políticas públicas.

4. O movimento por uma Educação do Campo alcançou conquistas nas políticas públicas no Estado brasileiro que, ainda que pontuais, são significativas frente às demandas de acesso à educação formal no campo brasileiro. Estas políticas abarcam vários níveis e modalidades de escolarização. Entre estas políticas, mencionamos: as Diretrizes Operacionais para as Escolas de Educação Básica do Campo, o Decreto Presidencial 7.352/2010, o Programa ProJovem Campo Saberes da Terra, as Licenciaturas em Educação do Campo (PROCAMPO), o PRONERA e o PRONACAMPO, entre outras.

5. Entretanto, hoje avalia-se que algumas destas políticas não estão atendendo às reais necessidades e demandas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, haja vista que identifica-se um refluxo na expansão das mesmas e uma apropriação de seu conteúdo, via Estado, pelas forças políticas do grande capital e latifúndio no campo. Com isto, tem ocorrido uma distorção dos princípios e reivindicações dos trabalhadores do campo.

6. É importante salientar que no estado de Santa Catarina temos evidenciado que:

•    No ano de 1995 somava-se um total de 10.085 escolas, em 2011 constavam 6.527 escolas. Enquanto no campo em 1995 eram 6.857 escolas, em 2011 eram apenas 1.541. As escolas urbanas eram 3.228 em 1995 e sobem para 4.896 em 2011. (Dados do Censo Escolar/MEC, 2012). Estes números são explicados pelos processos de nucleação e fechamento das escolas no campo.

•    Dos 293 municípios de Santa Catarina, apenas em 53 deles há Ensino Médio no campo com 80 unidades escolares, segundo dados do MEC/INEP Educacenso, 2011.

•    Há ausência de Políticas dos governos estaduais voltadas aos camponeses à Educação do Campo e à valorização dos trabalhadores em educação.

•    Há intenso êxodo rural da juventude, muitos jovens estão desmotivados em relação a sua permanência no campo, em dar continuidade às atividades dos pais junto à agricultura. Registra-se falta de políticas de lazer e cultura, acessibilidade, trabalho e geração de renda, entre outros.

•    Nas escolas, há alta rotatividade de professores, sobretudo pelos contratos temporários de trabalho, o que dificulta o desenvolvimento de um trabalho pedagógico coletivo e articulado às demandas das comunidades e movimentos sociais. Destaca-se, ainda, o pouco tempo e espaço para discussões coletivas, a descontinuidade nos processos de construção das propostas pedagógicas das escolas, a pouca autonomia na gestão escolar, sendo frequente formas de tutela por parte de gestores públicos sobre o trabalho escolar. Registra-se a falta de incentivo por parte das secretarias de educação (municipais e estadual) em relação à formação docente para o campo, bem como de liberação de seus docentes para a formação continuada.

•    A Educação Formal é baseada hegemonicamente na formação para o mercado de trabalho, a qual reserva aos mais pobres os piores lugares e condições.

•    Os currículos oficiais ainda mistificam a realidade do campo, desconsideram os sujeitos, sua realidade e seus interesses.

•    Articulado ao fechamento de escolas, houve o surgimento de uma rede de transporte escolar. O transporte quase sempre é de má qualidade, salvo os casos em que governos populares buscaram ou desenvolveram políticas e/ou programas. Geralmente o transporte e as estradas são de má qualidade, sem dizer que crianças, jovens, adultos e idosos, quando precisam deste transporte para acessar a escola ou a universidade, enfrentam a superlotação e passam muito tempo em trânsito. Cabe salientar ainda que muitas escolas núcleos/pólos ou localizadas nas sedes dos municípios estão lotadas de estudantes, o que torna precário o processo de ensino-aprendizagem.

•    Há falta de internet, bibliotecas e laboratórios na maioria das escolas públicas, assim como, salas de aula e outros espaços pedagógicos fundamentais à qualidade educacional.

•    Praticamente não há educação infantil de 0 a 6 anos no campo; muitas crianças são levadas para o trabalho junto com os pais.

•    Falta oferta de Educação Especial no campo, bem como de professor auxiliar para a educação especial.

•    Muitos municípios ainda não garantem uma alimentação escolar de qualidade e esta nem sempre vem da Agricultura Familiar. Muitas vezes a alimentação escolar é comprada de outros estados e de grandes empresas, as quais trabalham com agrotóxico e exploram a mão de obra dos trabalhadores rurais – a alimentação escolar é terceirizada, desvalorizando a produção do agricultor local.

•    Por outro lado, há muitas experiências de educação formal e não formal acontecendo nos Movimentos Sociais e Sindicais do Campo, nas Escolas Famílias Agrícolas, nas prefeituras com administrações populares, nas escolas de assentamentos e acampamentos do MST, no PRONERA, nas escolas e universidades públicas, as quais devem ser consideradas na formulação das políticas educacionais.

7. Diante dessa situação, propõe-se:

•    Maior abertura das secretarias de educação em relação às lutas sociais e à expansão dos espaços de aprendizagem para além dos muros da escola. Criação de coordenações voltadas para a educação do campo.

•    Formação continuada dos educadores e produção de materiais didáticos, dentro da concepção de educação do campo construída pelos movimentos sociais e sindicais. Estabelecer parcerias com universidades e demais instituições públicas e comunitárias. Por outro lado, combater a entrada de materiais didáticos e programas ligados à empresas do setor agroalimentar e insumos nas escolas, pois difundem seus interesses privados ao invés do interesse público.

•    Realizar concursos públicos que considerem as especificidades das escolas do campo. Reformular planos de cargos e salários de modo a que considerem a especificidade da educação do campo. Realização de eleições para diretores.

•    Recriar a forma escolar, de modo que garanta, por exemplo, tempo para planejamento individual e coletivo, trabalho interdisciplinar e por áreas de conhecimento, eliminando aulas de 45 minutos. Garantir a existência de materiais pedagógicos voltados para educação do campo, que estes sejam construídos a partir de nossas referências, e que sejam acessados pelas escolas do campo. Que sejam reconhecidas, fortalecidas e financiadas pelo Estado a existência de Escolas cujas formas e os processos formativos potencializem práticas de cooperativismo popular.

•    Elaborar marcos legais para a educação do campo em Santa Catarina a partir das normativas, pareceres, resoluções e decretos construídos nacionalmente, com destaque para: elaboração das diretrizes estaduais de educação do campo; lei que institua a Educação do Campo como política pública estadual; realização de editais específicos para a escola do campo.

•    O Estado deve garantir políticas públicas integradas – educação escolar, acesso à terra, comunicação, inclusão digital, cultura e lazer, trabalho e geração de renda, assistência técnica, entre outros. Garantir maior inserção dos produtos da Agricultura Familiar e Camponesa na Alimentação Escolar. Assegurar Educação Especial no campo com qualidade.

•    Que se garanta escolarização dos sujeitos do campo no próprio campo, e, quando for necessário o deslocamento, que ele seja de qualidade – qualidade nas estradas e no transporte (menor tempo de deslocamento, acesso aos portadores de necessidades especiais, lugares em quantidade suficiente para os usuários, entre outros).

•    Que os Cursos de Licenciatura em Educação do Campo sejam voltados à formação, preferencialmente de pessoas do campo, assegurando a participação dos jovens e professores vinculados aos movimentos sociais e sindicais.

8. Diante disso, entregamos esta carta às diferentes representações do poder público para que seu conteúdo possa contribuir na reflexão, elaboração e implementação das políticas públicas de educação voltadas ao campo e seus sujeitos.
9. É neste intuito que realizamos o Seminário e compomos a Articulação Catarinense Por uma Educação do Campo.

Chapecó, 30 de Agosto de 2013.