Feira da Reforma Agrária alia agricultura sustentável e conhecimento acadêmico


Por Daniel Israel

Foi realizada nos dias 17 e 18 de setembro a terceira edição da Feira da Reforma Agrária, no campus da UFRJ localizado na Praia Vermelha, na Urca, no Rio de Janeiro. Fruto de uma parceria entre os movimentos sociais de luta pela terra e o Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), além da própria UFRJ, a Feira é mais uma conquista para o avanço de uma alimentação baseada na agricultura familiar.

Pela receita de Dieymes Pechincha, que participa do Levante Popular da Juventude (LPJ) e é também conhecido como Didi, “a gente necessita se alimentar para além do pensamento, fisicamente mesmo, comendo um pãozinho ou tomando um café orgânico.”. Isto não significa que a Feira da Reforma Agrária seja uma forma de rejeitar o pensamento acadêmico; inclusive, no primeiro dia da Feira, ocorreu uma aula aberta, onde foi debatida a questão da terra no Brasil e na Colômbia.

Além disso, se não fosse pelo campus da Praia Vermelha, não existiria a primeira turma na Escola de Serviço Social da UFRJ (ESS/UFRJ) voltada para 60 assentadas e assentados da reforma agrária, oriundas(os) de 19 estados brasileiros.

Por isso, as duas iniciativas caminham no compasso uma da outra, a fim de que se reduza e, em alguns anos, seja eliminado o consumo de agrotóxicos no país.

– A grande maioria da população brasileira tem acesso a alimentos com uso de agrotóxicos. Só para lembrar, o Brasil é campeão no consumo de venenos agrícolas (posto que ocupa desde 2008), quando dados revelaram que cada habitante consome, em média, 5,2 litros de agrotóxicos por ano. O agrotóxico é casado com o agronegócio, e a Feira vem para denunciar esse modelo, sendo que a agricultura camponesa e a reforma agrária são a alternativa para a produção de alimentos, sentencia Beto Palmeira.

Pequeno agricultor no município de Teresópolis, Palmeira participa do Movimento dos Pequenos Agricultores no estado do Rio (MPA-RJ), além de estudar na ESS/UFRJ. Com formatura prevista para 2014, a turma na qual ele está inscrito cursa a sexta etapa da graduação, num total de dez. Cada etapa dura dois meses, e os estudantes precisam deixar suas plantações enquanto estão na cidade. Segundo Palmeira, o curso obedece à chamada “pedagogia da alternância”.

– A gente faz a feira com o objetivo de dialogar com estudantes e docentes sobre a importância da reforma agrária. É um espaço onde se acaba organizando os agricultores (das regiões sul e serrana e da Baixada Fluminense) para participar e trazer a produção, que também vem de outros estados. A ideia é propagar a reforma agrária e o projeto necessário para o campo brasileiro. É uma experiência nova, e quando a gente volta para casa, não desliga da universidade, já que continua a pesquisa, o estudo. Há uma complementação da carga horária, que é feita nas comunidades.

Também integrante do MPA-RJ, Adriene dos Santos Sá frequenta o Curso Realidade Brasileira (CRB) e colabora na organização, ao mesmo tempo. Cética em relação às instituições formais, ela dispara contra todas: ”A universidade não tá muito aí para os movimentos sociais, e o ensino médio não tá muito aí para a esquerda.”

Em seguida, no entanto, ela faz questão de ressaltar onde aprendeu a conjugar aprendizado e luta cotidiana: ”Eu aprendi muito sobre história no CRB, e pensar qual é o objetivo disso e a importância dessa Feira, foi o que mais me tocou.”

Não à toa, porque é no CRB que os 60 inscritos têm contato com estudiosos que se dedicaram a novas formas de pensar e analisar a realidade nacional, como foram os casos de Caio Prado Júnior, Helena Hirata e Paulo Freire. “Assim, vamos avançando no entendimento dos desafios para a construção de uma nova sociedade”, avalia Didi, que estuda Comunicação Social na UFRJ.

Perguntado se já teria assistido a continuação do documentário O veneno está na mesa, dirigido por Silvio Tendler, o estudante espera com ansiedade as próximas histórias que serão contadas pela lente do cineasta, apoiador assumido de uma reforma agrária nos moldes do que exigem os movimentos sociais organizados em torno da luta pela terra.

– Espero que seja tão bom e profundo quanto o anterior, e a gente consiga invadir os espaços com esse debate. Porque quem sofre com isso, realmente, é a gente, que além de comer mal, come veneno. É a nossa terra que está indo para o ralo, num país onde se produz muito mais do que o necessário, e até hoje tem gente morrendo de fome.