A sociedade não teve voz no novo Código da Mineração, diz pesquisadora
Da IHU On-Line
“Durante as pesquisas do 'Quem é quem nas discussões do novo Código da Mineração', acabei frisando a ligação financeira entre parlamentares e o setor mineral brasileiro. E posso afirmar que isso é só uma das ligações, é só a ligação visível, palpável”, afirma a pesquisadora.
Da IHU On-Line
“Durante as pesquisas do ‘Quem é quem nas discussões do novo Código da Mineração’, acabei frisando a ligação financeira entre parlamentares e o setor mineral brasileiro. E posso afirmar que isso é só uma das ligações, é só a ligação visível, palpável”, afirma a pesquisadora.
As alterações sugeridas no novo Código da Mineração “convergem para intensificação da exploração mineral no Brasil. Tratando o setor mineral essencialmente como uma atividade econômica, com implicações econômicas, sem contar todos os envolvidos no processo exploratório”, afirma a pesquisadora Clarissa Oliveira, em entrevista à IHU On-Line por e-mail.
Segundo ela, o novo texto pretende “restringir o acúmulo de licenças, principalmente autorizações de pesquisas em áreas que não são posteriormente exploradas. Além disso, passa a conceder ou autorizar direitos minerários somente a empresas ou cooperativas”.
Na avaliação de Clarissa, após a instituição do Código da Mineração vigente, publicado em 1967, até a elaboração da nova proposta, “pouco ou quase nada se avançou nas questões ambientais; há até quem aponte regresso. Para agravar ainda mais, as discussões da proposição do código, que duraram não menos que três anos, não foram ‘democráticas’, não envolveram todos os setores da sociedade ou, sequer, os principais envolvidos, o próprio DNPM se mostrou aquém das discussões”.
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E dispara: “Não acredito que o novo Marco da Mineração vá representar exclusivamente um avanço para o setor, isso porque não o considero simplesmente como setor econômico, que necessita maior ‘competitividade’”.
Clarissa Reis Oliveira é geógrafa e autora da pesquisa “Quem é Quem nas Discussões do Novo Código da Mineração”, publicada pelo Instituto Brasileiro de Análises Econômicas – Ibase, com apoio da Fundação Ford e tem prefácio do pesquisador do Ibase, Carlos Bittencourt.
Confira a entrevista:
O texto do novo Código da Mineração propõe três mudanças na legislação: modificar o método de concessão das licenças minerárias, reformular a gestão e organização dos órgãos públicos e instituir uma nova política fiscal para o setor. Pode nos explicar em que consistem essas mudanças comparadas ao Código atual?
Em relação ao Código atual, as mudanças convergem para uma intensificação da exploração mineral no Brasil. Tratando o setor mineral essencialmente como uma atividade econômica, com implicações econômicas, sem contar todos os envolvidos no processo exploratório.
Para tanto, a nova burocracia proposta visa restringir o acúmulo de licenças, principalmente autorizações de pesquisas em áreas que não são posteriormente exploradas. Além disso, passa a conceder ou autorizar direitos minerários somente a empresas ou cooperativas. Outro aspecto importante é uma possível maior intervenção do Estado, que pretende fazer uso das licitações para as áreas consideradas de interesse nacional.
O novo Código prevê, ainda, a criação do Conselho Nacional de Mineração, com a finalidade de assessorar a presidência da República, propor e desenvolver as diretrizes do setor. E a mudança do DNPM para Agência Reguladora.
Quem são os protagonistas envolvidos na proposta de criar um novo Código da Mineração?
Existem vários envolvidos ou interessados, direta e indiretamente, na proposta de um novo Código de Mineração, mas protagonistas eu diria que são os governos e as empresas. Digo os governos no plural pensando nas diferentes escalas, federal, estadual e municipal e as empresas porque, como já disse anteriormente, a nova proposta é quase que exclusivamente econômica. Nesse sentido, fica “de fora” quem deveria ser o principal protagonista de toda e qualquer decisão política, a sociedade.
Qual é a relação dos parlamentares brasileiros com o setor da mineração? Quais partidos defendem os interesses do setor?
Durante as pesquisas do “Quem é quem nas discussões do novo Código da Mineração”, acabei frisando a ligação financeira entre parlamentares e o setor mineral brasileiro. E posso afirmar que isso é só uma das ligações, é só a ligação visível, palpável.
Os números que a minha pesquisa trouxe foram só os que são declarados, não foram levados em conta possíveis ligações, diretas ou indiretas, dos parlamentares com o setor, no sentido de propriedade e exploração.
Nem as vantagens pontuais que a exploração mineral em determinados lugares poderiam acarretar para parlamentares específicos. A rede de relações é muito mais intrincada do que podemos mensurar e a prova disso é conseguir comprovar essa ligação, apenas com dados públicos.
Em que consiste a Frente Parlamentar da Mineração Brasileira?
Trata-se de “comissão” com 196 membros do legislativo (deputados federais), responsável por discutir a proposta do novo código e emitir um parecer a respeito da mesma.
Quais são os deputados envolvidos com a discussão em torno do novo Código da Mineração?
Acredito que a matéria publicada aqui possa ser bastante esclarecedora sobre a questão.
Como a presidência da República se manifesta diante da proposta de alterar o Código da Mineração?
A presidência da República, assessorada pelos ministros da Casa Civil e das Minas e Energia, até certo ponto, surpreendeu ao enviar ao Congresso o Marco em forma de Projeto de Lei, quando a maioria o esperava como Medida Provisória. Favorável às mudanças, sustenta o slogan de “Mais competitividade, mais riqueza para o Brasil”.
A princípio exigiu do Congresso uma análise em caráter de urgência constitucional (45 dias), mas acabou por retirar a urgência. Se vale como informação, tanto o presidente quanto o relator da Comissão Especial que analisa o texto são da base do governo (PT/PMDB).
Quais as atividades desempenhadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, e que relações os parlamentares têm com o órgão?
O DNPM que, com a nova legislação, passa a Agência Nacional de Mineração, tem atualmente a função de gestor mineral, ou seja, controla a emissão de autorizações, outorgas, licenças etc. Em um seminário que participei esse ano, um advogado que trabalha com empresas do setor mineral afirmou que o DNPM conta com pouco ou quase nenhum poder discricionário, estando à mercê da legislação.
O que ele quis dizer foi que, se o requerente cumprir todas as exigências da lei, resta ao DNPM atender à solicitação. Na verdade não digo que seja assim, mas a mudança do DNPM para ANP certamente trará ao órgão um caráter mais regulador e de fiscalização. Os cargos de direção do DNPM são atribuídos por indicação, é aí que surge a relação mais visível entre os políticos e o órgão.
Qual a participação das mineradoras no financiamento de campanhas políticas?
A pesquisa revelou que existe uma participação grande e efetiva das empresas do setor mineral nas campanhas políticas. Somando os valores doados aos partidos por grandes empresas como: Vale, Votorantim, CSN e MMX,a soma das doações passam dos 40 milhões de reais. Quanto às doações diretas a candidatos, o índice de eleitos, no caso dos deputados federais, passa dos 85%.
Deseja acrescentar algo?
O que mais me preocupa diante de todas essas mudanças é que, mesmo tendo passado tantos anos desde o primeiro Código (1967) até a proposição de um novo, pouco ou quase nada se avançou nas questões ambientais; há até quem aponte regresso. Para agravar ainda mais, as discussões da proposição do código, que duraram não menos que três anos, não foram “democráticas”, não envolveram todos os setores da sociedade ou, sequer, os principais envolvidos, o próprio DNPM se mostrou aquém das discussões.
Não acredito que o Novo Marco da Mineração vá representar exclusivamente um avanço para o setor, isso porque não o considero simplesmente como setor econômico, que necessita maior “competitividade”. Haverá avanço sim, principalmente com a criação do CNPM e da ANM, resta saber se essas duas entidades serão capazes de suprir as carências do setor.